terça-feira, 7 de janeiro de 2020

POR QUE EU DEFENDO O GOVERNO DE FÁTIMA BEZERRA? O que é defender o Governo Fátima Bezerra? Algumas reflexões



A senadora Fátima Bezerra foi eleita governadora do RN em outubro do ano passado, tendo obtido 46,7% dos votos, no primeiro turno, batendo Carlos Eduardo Alves, do ainda poderoso clã Alves, que teve 32,5% dos votos, e que no segundo turno cravou 57,6% dos votos, contra 42,4% para Carlos Eduardo. Ela CRESCEU e Carlos Eduardo ENCOLHEU.

Mas é necessário, e muito necessário, observar a distribuição dos votos em cada turno. O maior colégio eleitoral, Natal, votou majoritariamente no projeto do clã Alves, com 47,6% dos votos no primeiro turno (29,1% para Fátima) e no segundo elevou sua votação para 60,8% dos votos (39,2% para Fátima), confirmando o perfil CONSERVADOR e de Natal, que deu ampla vitória a Bolsonaro. Na cidade vizinha, e hoje o terceiro maior colégio eleitoral, Parnamirim, berço de um confuso campo reacionário-neopentecostal-militarista, Carlos Eduardo recebeu 38,8% dos votos no primeiro turno (30,5% para Fátima) e nada menos que 61,4% no segundo turno (38,9% para Fátima. E só terceiro colégio eleitoral, Mossoró, onde parte do clã dos Rosado não apoiou Carlos Eduardo, é que Fátima venceu no primeiro (43,0% x 34,4%) e no segundo (54,2% x 45,8%).

Para que serviu o parágrafo acima? Para explicitar que a vitória, histórica, de Fátima Bezerra, não se deu nos maiores bolsões urbanos do RN, onde se localiza o grosso da classe média, formada, em boa medida pelos segmentos do funcionalismo público, que no RN beira as 200 mil almas (União, estados e municípios), e que nos últimos anos tinham se postado majoritariamente contra o governo de centro-esquerda de Dilma, sendo que a maioria dos sindicatos das diversas categorias era explicitamente contrária ao governo federal, com reflexos no partido que a sustentava, o PT. 

O “ódio ao PT” formou-se, inicialmente, no seio da classe média, muito influenciada, posteriormente, pelo processo maciço de propaganda. Fátima Bezerra representou, nesse contexto, um esforço, quase hercúleo de uma aliança ampla para salvar (o termo é esse mesmo) o RN do mais absoluto caos que, ressalte-se, não foi obra de Robinson Faria, embora ele não tenha tido a capacidade política de evitar o pior.

Fátima Bezerra não tem o suporte dos deputados federais, pois só uma a apoia explicitamente (Natália Bonavides) e outro eventualmente (Rafael Motta) e outros seis compartilham, na maioria das vezes, as ações devastadoras do governo Bolsonaro e tem o apoio de dois senadores (Jean Paul e Zenaide Maia).  No plano estadual, a governadora não tem no seu partido, o PT, um destaque em termos numéricos, pois só elegeu 2 dos 24 deputados estaduais. E aqui cabe registro.

Governar um estado falido com uma Assembleia Legislativa conservadora e com expoentes reacionários, como o “coronel” Azevêdo cuja “missão” é destruir o governo Fátima e que, quando se olha para os deputados eleitos, veremos os fantasmas do passado, os mesmos que apoiaram, desde sempre, todos os governos que levaram o RN à falência, e foi com essa “massa” que Fátima teve que se compor ou seria uma governadora de araque, destinada a ficar encastelada no palácio do governo. Preferiu o óbvio: negociar. E essa postura, correta, de Fátima, rendeu-lhe ranger de dentes de muitos “progressistas” e sindicalistas, que preferiam ter um governo “radical” que “peitasse” a elite, na qual boa parte votou inclusive.

Fátima foi eleita para governar 3,5 milhões de habitantes, 34% deles em absoluto risco social (desempregado, desamparado e desalentado); com uma economia em frangalhos; e uma gestão pública à beira da insolvência. E com um governo federal de natureza  fascista e odiando o Nordeste, o cenário para a governadora era sombrio e cabia só uma ação : retomar as rédeas da governabilidade, com a regularização dos salários dos servidores públicos (cerca de 108 mil); recompor o planejamento econômico, buscando estabelecer as bases mínimas para as ações a partir de 2020; um alinhamento político com os governadores do Nordeste para formar um bloco anti-bolsonarista, buscando investimentos fora do padrão fascista-liberal de Paulo Guedes. Se os apoiadores de Fátima Bezerra acham isso simples, deveriam parar e refletir a respeito.

Fátima termina seu primeiro ano de mandato, sob o Plano Plurianual (PPA) do governo Robinson, construindo as bases do próximo quadriênio; com um orçamento sufocado e com a busca, quase desesperada por investimento externo, algo fundamental para retomar a economia do RN. Demonstrou coragem ao enfrentar os prefeitos, acostumados a receberem o doce mel do PROADI, mas logo percebeu que as elites são mais poderosas que parecem e o PROEDI deu uma recuada para ser aceito. O PROEDI, se der certo, poderá melhorar o nível de emprego, a arrecadação e, por consequência, a “vida salarial” dos servidores públicos estaduais. Sem o PROEDI ficaria muito difícil esse movimento.

Fátima, ao longo de 2019, fez um movimento ousado, para evitar a catástrofe social desejada pelo governo fascista-liberal de Bolsonaro e até a Reforma da Previdência, empurrada goela abaixo pela Emenda Constitucional 19 (Reforma da Previdência), foi mitigada pela proposta local, gerando surtos de ódios em certas lideranças sindicais, que talvez não tenham lido teor da EC 19 e muito menos tenham a compreensão dos efeitos da Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos), aprovado por Temer, inaugurando VINTE ANOS de encolhimento dos investimentos públicos.

Nesse cenário complexo os que se dizem progressistas devem ter em mente que esse governo é uma TENTATIVA, a primeira da história, para buscar uma nova perspectiva de olhar o RN. Não é um governo de profundas reformas e nem de remodelar a economia do RN, mas de salvar literalmente a terra dos comedores de camarão da falência social que se apresentava no horizonte. É um governo de INÍCIO DE UMA TRANSIÇÃO que pode, inclusive, ser brecado em 2022. Esse é o governo Fátima Bezerra.

Não é o “governo dos trabalhadores” por absoluta impossibilidade política, mas é um governo que olha com mais atenção para esse segmento, especialmente o mais pobre, inclusive quando negocia com as elites. Não é um governo que vai trazer ganhos salariais para os servidores públicos estaduais, mesmo porque a premissa nacional é a da redução física do número de servidores públicos, com reflexos em estados e municípios. É um governo que terá de negociar com os sindicalistas mais belicosos, que olham para a sua categoria e “esquecem” os milhares que dependem de investimentos públicos para voltarem a ser cidadãos.

Apoiar, entretanto, não é calar-se e nem se ausentar do debate com o próprio governo, para que este faça o máximo do mínimo. Criticar o governo Fátima, entendendo o que ele é e representa, é algo muito positivo, pois busca melhorá-lo e não destruí-lo. A cada movimento de crítica explosiva e oportunista, as elites lambem o beiço e reforçam seus possíveis candidatos para 2022.

Quem viver verá....

Por Wellington Duarte, professor do Departamento de Economia da UFRN, atual presidente do Sindicato dos Professores da UFRN (ADURN-SINDICATO).

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