Data da publicação: 24/02/2014
A Advocacia-Geral da
União (AGU) obteve, na Justiça Federal, a reintegração de posse para a
comunidade quilombola Macambira de área com cerca de 2,6 mil hectares no
estado do Rio Grande do Norte. A sentença, segundo os procuradores
federais que atuaram no caso, acolheu os aspectos constitucionais do
direito fundamental da propriedade quilombola e firmou-se no Decreto nº
4887/2003, que regulamenta o processo de identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades
dos quilombos.
A ação foi ajuizada
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A
autarquia requereu a posse em favor dos quilombolas de área chamada
Cabeço do Macambira, que abrange os municípios de Lagoa Nova, Santana do
Matos e Bodó. A terra, de acordo com processo administrativo em
andamento, subdivide-se nas subáreas de Macambira II e III, Cabeça do
Ferreira, Cabeça do Ludogério e Buraco da Lagoa.
O ocupante da terra
réu no processo alegou que a ação do Incra não preenchia os requisitos
para a reintegração, tais como a posse anterior por parte dos
quilombolas, além da prática de ocupação irregular por parte dele. Ele
apontou, ainda, que o procedimento administrativo do Instituto voltado à
desapropriação não havia sido concluído.
Os procuradores
responsáveis pela ação, que atuam na Procuradoria Federal no estado do
Rio Grande do Norte (PF/RN) e na Procuradoria Federal Especializada
junto à autarquia agrária (PFE/Incra), relataram que o fazendeiro havia
obtido ordem de despejo dos quilombolas do imóvel rural com base em
demanda possessória ajuizada na Justiça Estadual, decisão que determinou
a retirada dos quilombolas da área após 16 anos de ocupação.
Na ação, as
procuradorias explicaram que o Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação (RTID) da área, peça principal do processo administrativo nº
54330.000698/2006-54 do Incra visando a identificação, reconhecimento,
delimitação e titulação das terras para esta comunidade quilombola,
ainda em curso, constatou que as terras foram ocupadas por remanescentes
de quilombos desde meados do século XIX.
Segundo os
procuradores, o processo administrativo, baseado em relatório
antropológico, contém parecer conclusivo no sentido de que deveria ser
regularizado não apenas o atual território ocupado pela comunidade de
Macambira, como também as áreas que a comunidade aponta como tendo sido
suas e que foram perdidas por venda ou cercamento forçado, totalizando
uma área passível de titulação de 2.589,1685 hectares. Este
entendimento, sustenta a ação, tem por base o critério de
auto-identificação da comunidade negra e da proteção cultural dessa
população, reconhecida pelo Brasil, ao ratificar a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Assim, os
procuradores destacaram que a qualificação da área Cabeço da Macambira
como território quilombola tem respaldo em documentos inerentes ao
processo administrativo, de modo que a proteção possessória requerida,
até a titulação definitiva, seria direito dos remanescentes, uma vez que
asseguraria o exercício do direito constitucional do artigo 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT/88). Além disso,
afirmaram que o reconhecimento da Justiça neste sentido protegeria o
patrimônio cultural brasileiro, atendendo à determinação do artigo 216,
parágrafo 1º, da Constituição da República de 1988, salvaguardando as
condições de sobrevivência a centenas de famílias de descendentes de
escravos que têm na área a única fonte de trabalho e de renda.
Acolhendo os
argumentos das procuradorias da AGU, a 9ª Vara Federal do Rio Grande do
Norte reconheceu a legitimidade do Incra em defender os quilombolas, com
base no artigo 15 do Decreto n.º 4887/2003, e também afastou a alegação
de coisa julgada em relação à sentença proferida na Justiça Estadual.
No mérito, a sentença
declarou que "verifica-se que é incontroversa a qualidade quilombola da
Comunidade Macambira". A constatação, segundo a decisão, é o
certificado da Fundação Cultural Palmares de que a comunidade de
Macambira é remanescente das comunidades dos quilombos. "A mencionada
certidão atende ao requisito do art. 2º, § 1º, do Decreto nº 4887/2003, o
qual preceitua que a caracterização dos remanescentes das comunidades
dos quilombos será atestada mediante auto definição da própria
comunidade". No caso, a reintegração de posse é assistida pelo Incra.
A PF/RN e a PFE/Incra são unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU.
Ref.: Processo eletrônico nº: 0800076-72.2013.4.05.8402 - 9ª Vara Federal do RN.
Wilton Castro