No dia 5 de abril de 2017, o Ministério da Educação (MEC) enviou oficialmente ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a terceira versão da BNCC - restrita à educação infantil e ao ensino fundamental - para consulta antes de ser homologada pelo Ministro de Estado da Educação.
Retroocessos...
Além do ensino médio, ficaram fora desta versão da BNCC as modalidades de Educação Especial e de Jovens e Adultos (além da técnica-profissional, associada ao ensino médio), assim como as escolas indígenas, quilombolas e do campo, traços marcantes da luta pela inclusão social e escolar de todas as populações que habitam nosso imenso e desigual país.
Elencamos, na sequência, os principais pontos de vista da CNTE sobre a mais recente versão da BNCC, e, desde já, reivindicamos ao CNE amplo debate social sobre o assunto, especialmente com a comunidade escolar, com as entidades de classe e redes sociais e de pesquisa que atuam em defesa e promoção da educação pública, gratuita, laica, plural, democrática e de qualidade socialmente referenciada.
Base legal da BNCC
A primeira e maior referência para a construção da política pública curricular voltada para a educação básica brasileira é a Constituição Federal (CF). E dois dispositivos da Carta Magna tratam diretamente dos objetivos do currículo escolar.
São eles:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifo nosso)
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
O art. 206 da CF é taxativo ao afirmar que a educação deve ter caráter amplo - para além do ensino-aprendizagem -, o que requer tornar a escola em ambiente de formação para a vida. Já o art. 210, na verdade, precisa ser atualizado em sua literalidade, a fim de se manter coerente com o restante da Constituição, que ampliou a obrigatoriedade da educação e expandiu as normas de financiamento e de controle público sobre as políticas de toda a educação básica.
A obrigatoriedade do ensino de 4 a 17 anos e o compromisso em expandir a oferta de educação pública e gratuita na etapa da educação infantil - creche e pré-escola - confere ao Poder Público prerrogativa para estipular políticas curriculares para toda a educação básica, e não apenas para o ensino fundamental (única etapa obrigatória de ensino até 2009).
Frise-se que a ampliação do ensino obrigatório no Brasil teve o condão de contribuir para a consecução dos objetivos da República, dispostos no art. 3º da CF, in verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Em nível infraconstitucional, a BNCC - instrumento normativo, sem força de lei, porém orientador para as políticas de currículo escolar -, possui duas importantes referências legais.
A primeira delas diz respeito às estratégias 2.2 e 3.3 da Lei 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educação, as quais dispõem sobre a necessidade de a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pactuarem, no âmbito de Instância Permanente de Negociação e Cooperação, composta por representantes das três esferas administrativas, “a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular” do ensino fundamental e médio.
A outra referência é a Lei 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), que em seu art. 9º, inciso IV dispõe que compete à União “estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”.
Sobre o conceito de “conteúdo mínimo” expresso no artigo supracitado da LDB, duas considerações. Uma, que a LDB sancionada em 1996 rejeitou grande parte das propostas do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, constituindo-se em instrumento da reforma neoliberal dos anos 1990. Segunda, que a formação em nível nacional deveria ter uma base mínima comum, possibilitando agregar outros conteúdos regionais e/ou definidos pelo projeto político-pedagógico da escola, tal como prescreve o art. 12 da LDB: "Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; (…)”.
Com relação ao conteúdo específico da BNCC, em âmbito de toda a educação básica, as diretrizes para sua fixação estão dadas, principalmente, nos artigos 26 e 26-A da LDB, inclusive à luz das mudanças feitas pela Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415), que também abarcou questões relativas ao ensino fundamental. E dada a relevância desses dispositivos legais para a análise da BNCC, os reproduzimos a seguir:
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (grifo nosso)
§ 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:
I - que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; II - maior de trinta anos de idade; III - que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; IV - amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; V - (VETADO) VI - que tenha prole.
§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.
§ 5o No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa. (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017 - reforma do ensino médio)
§ 6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.
§ 7o A integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais de que trata o caput. (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017 - reforma do ensino médio)
§ 8º A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais.