terça-feira, 17 de outubro de 2017

LITERATURA >> A importância dos sebos para a sociedade


O comércio de livros usados e o seu papel na disseminação da cultura.

Todos nós sabemos – ou ao menos devíamos saber – que livros mudam vidas. Na sexta-feira, 06 de outubro, o Estante Blog teve a oportunidade de acompanhar a Primavera de Literatura, que ocorreu no Centro Cultural da Light, no Rio de Janeiro. No evento aconteceram palestras sobre diversos temas de interesse de fãs de literatura, como o cenário atual dos quadrinhos no Brasil, os desafios de quem deseja se tornar um escritor e a vida dos donos de sebos.

A origem dos sebos

Muito antes das grandes livrarias invadirem o comércio brasileiro em meados da década de 1990, os sebos já eram parte importante da cultura nacional. A palavra sebo tem algumas origens – é provável que pelo menos um pouco de cada uma delas seja verdade. A primeira versão diz respeito ao uso da luz das velas para leitura, que antigamente eram feitas de gordura e de sebo. Conforme iam derretendo, acabam sujando os livros, deixando-os engordurados. A outra versão diz que os estudantes carregavam tanto os livros debaixo do braço que acabavam sujando-o, deixando ensebado. Origens à parte, Pernambuco foi o estado onde o primeiro livreiro utilizou o nome sebo, colocando-o escrito na porta de entrada de sua livraria, nos anos 50. No entanto, o comércio de livros usados apenas se tornou popular nos anos 60, em Recife, com o chamado Sebo Brandão. Estrangeiros que procuravam pela livraria acabavam chamando o local de Mr. Sebo, por pensarem que se tratava de um nome próprio – um fato que ajudou bastante a popularização da expressão.


Apesar de terem adquirido grande parte de sua popularidade na região Nordeste, os sebos chegaram a então capital, Rio de Janeiro, no século XIX. Mas a tendência de comercializar livros usados já era dominante na Europa, na qual a maior parte dos livreiros colocava à venda o seu próprio acervo, e o costume da troca de exemplares por outros também começou a crescer – principalmente quando alguém conseguia adquirir os títulos raros, polêmicos e censurados da época.

Dores e delícias de ser um livreiro no Brasil

Na primeira palestra oferecida pelo Centro Cultural da Light, no Rio de Janeiro, o público ouviu os depoimentos de três livreiros cariocas: Maurício Gouveia, (Baratos da Ribeiro Livraria Ltda), Ivan Costa (Livreiro Errante) e Ronaldo Dias (Sábias Palavras Livros e Discos). Eles contaram um pouco de suas histórias de vida, do amor pelos livros e da trajetória pelo comércio de títulos usados.
Questionados sobre as dificuldades do livreiro dentro de um mercado tão competitivo e amplo, Maurício Gouveia apontou o comércio virtual como um desafio: “Para cidades pequenas é bom, nas cidades grandes é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre a margem de lucro e o capital de giro, além de ter que mudar o estoque com frequência e sempre oferecer novidades”, explicou. Neste contexto, o livreiro Ivan Costa, que apesar de manter uma parte de seu acervo na Estante Virtual, vende a maioria dos títulos andando pela cidade com sua bicicleta lotada de livros, mas aponta que existe preconceito: “Tem um pessoal que prefere o livro novo. E o livro que está na bicicleta e é usado acaba sendo sinônimo de sujo, de livro mal tratado”, refletiu Ivan.
Segundo Maurício, dono da livraria Baratos da Ribeiro, atualmente a compra de livros nos sebos é uma questão cultural: “Antigamente existiam mais sebos do que livrarias tradicionais. Em Tokyo, um dos maiores centros urbanos do mundo, existe um bairro conhecido como O paraíso dos sebos, por ter 90 sebos em dois quarteirões”, contou. De acordo com ele, a febre do consumo – característica da contemporaneidade – é um dos grandes vilões dos livreiros. Em contrapartida, este mesmo consumo de massa trouxe uma nova tendência mundial que tem sido bastante vantajosa para os sebos: a valorização do Vintage, ou seja, objetos de outras épocas que ganharam um apelo comercial muito grande, no qual os comparadores consumem motivados pela nostalgia: “Aconteceu uma vingança do analógico, tem até um livro com esse nome. Objetos que iriam morrer, acabaram não morrendo”, ressaltou Maurício.
A principal diferença entre o público que frequenta sebos e livrarias tradicionais é o comportamento, de acordo com o dono da livraria carioca Baratos da Ribeiro: “As grandes livrarias se tornaram ambientes voltados exclusivamente para consumo – viraram cafés, ambientes de socialização, os livros são um cenário. Nos sebos, até os próprios donos se permitem se comportar de uma forma mais excêntrica, o contato é maior”, apontou Maurício Gouveia.  Este contato próximo entre o leitor e o livreiro é a parte favorita da rotina de Ivan Dias, dono do sebo Livreiro Errante: “A diversidade das pessoas nas ruas é muita. É preciso bastante para chamar atenção com livros na bicicleta, mas eu prefiro vender pessoalmente e ter contato. Para mim, livraria é um clima, um ambiente e não venda”, refletiu.
Ainda sobre as dificuldades, Ronaldo Dias, dono do sebo Sábias Palavras, ressaltou uma característica muito presente nos dias de hoje – a facilidade. Segundo ele, a disseminação quase infinita de informações por meio da internet tornou muito mais difícil precificar os livros: “O mais difícil, para mim, é dar valor ao livro que você vende. A facilidade que a internet trouxe atrapalha muito”, explicou. O livreiro Maurício compartilha da mesma opinião: “Com a internet, a consulta e a competitividade entre preços aumentou. Hoje, um livreiro pode pesquisar sobre um livro e encontrar diversos preços para o mesmo exemplar. Isso dificulta as vendas”, completou.

A leitura como fonte de radiação cultural

No entanto, apesar das dores de ser um dono de sebo no Brasil e atualmente, o prazer de trabalhar com o universo da literatura transcende qualquer dificuldade: “Trabalhar com sebos gera emprego, dá outras opções de compra ao público, educa sobre o reuso, além de ser produzir uma enorme radiação cultural“, afirmou Ivan. O livreiro do sebo Sábias Palavras, Ronaldo Dias, afirma que apesar das diferenças entre as grandes livrarias comerciais e os sebos, para os leitores apaixonados de verdade não existe distinção: “Leitor que é leitor de verdade vai aonde tem livro. Não importa onde”, contou. E, apesar do constante avanço da tecnologia, quem manterá acesa a luz dos livros físicos são exatamente os leitores vorazes: “O mal da tecnologia é que nada pode coexistir com ela, mas a relação, o sentimento das pessoas com os livros é que irá ditar o futuro“, assegurou o Livreiro Errante, Ivan Costa. Segundo ele e todos os livreiros presentes na Primavera de Literatura, o maior prazer existente no ofício é simples: levar o livro a quem está buscando. E, no final do dia, para os donos dos sebos isto é uma enorme alegria.

Fonte: http://blog.estantevirtual.com.br/2017/10/11/a-importancia-dos-sebos-para-a-sociedade/

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