Presidente do Movimento
Umbanda do Amanhã, Marco Antônio Pinho Xavier (no centro) já registrou
mais de 30 boletins de ocorrência relacionados a intolerância religiosa:
“Recebo muito xingamento, ameaça de morte” Foto: Custódio Coimbra /
Agência O Globo
Armados, seis homens acabam com uma cerimônia de saudação a
Oxalá em Camaçari (BA). Enquanto roubam as vítimas, agridem verbalmente
os presentes, adeptos do candomblé, associando a religião a demônios. O
babalorixá Rychelmy Esutobi, líder do local, é espancado.
O caso, ocorrido no último dia 13, é um exemplo da violência sofrida
por líderes religiosos ligados a matrizes africanas no Brasil, como o
candomblé e a umbanda.
— É um momento de muita dor e reflexão. A
gente ver o nosso sagrado ser profanado e ser agredido nos dói muito,
mas também nos fortalece — afirmou o babalorixá Rychelmy em vídeo
postado em uma rede social.
Nos últimos anos, os ataques contra os
seguidores dessas religiões aumentaram. Segundo dados do Disque 100,
canal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que
concentra denúncias de discriminação e violação de direitos, foram
feitas 213 notificações de intolerância religiosa a matrizes africanas,
de janeiro a novembro de 2018. Os dados foram obtidos por meio da Lei de
Acesso à Informação.
O número é 47% maior do que o registrado em
todo o ano de 2017, quando foram recebidas 145 denúncias. Se em 2014
elas correspondiam a 15% do total de denúncias, hoje representam 59% do
número total de reclamações.
Na contramão do total
O movimento ocorre num momento em que o
país vê o número total de denúncias de intolerância religiosa diminuir.
Os dados ainda não estão fechados, mas tudo indica que 2018 terá sido o
ano com menos queixas desse crime desde 2014 — de janeiro a novembro,
foram 360. Há quatro anos, eram 556.
Sônia Giacomini, professora da PUC-Rio e uma das autoras da pesquisa
que resultou no livro “Presença do axé: mapeando terreiros no Rio de
Janeiro”, cita um “clima de muita disputa, muita agressão e muito medo”,
que se acirrou a partir da última campanha eleitoral.
— O aumento
da notificação está ligado ao aumento do fenômeno e, na conjuntura
atual, não é difícil imaginar os motivos. A última campanha eleitoral
teve uma expressão muito evidente das formas intolerantes, elas tenderam
a se multiplicar.
Entre os tipos de ataque mais comuns, Giacomini
lista as agressões verbais e físicas, as pichações nas casas de culto e
mesmo uma guerra sonora, em que vizinhos usam som em alto volume para
impedir que os religiosos escutem as cerimônias.
Presidente do Movimento Umbanda do Amanhã (Muda) e liderança à frente
da Tenda Espírita Caboclo Flexeiro, em Santíssimo, no Rio, Marco
Antônio Pinho Xavier já registrou mais de 30 boletins de ocorrência
relacionados a intolerância que, segundo ele, nunca viraram processos.
—
Eu recebo muito xingamento, ameaça de morte, as pessoas entram com
facão tentando me matar, xingam as crianças de filho de demônio. Uma vez
prenderam um cara em flagrante que ofendeu crianças, foi solto um mês
depois. Hoje ele está aí me insultando novamente.
Para Xavier, o Estado “não garante o direito do cidadão com relação a
laicidade”. A intolerância, segundo ele, não está presente somente nos
ataques, mas no tratamento dado em diversos espaços públicos, com
ataques a pessoas que portam marcas que as identificam como adeptas de
religiões de matriz africana.
— Se você chega com algo ligado à
religião no pescoço, as pessoas já começam a olhar torto, param de
conversar. Ultimamente tem sido bem nítida a discriminação.
Sônia
Giacomini associa o acirramento da violência contra as religiões de
matriz africana ao crescimento das denominações evangélicas, registrado
no último Censo do IBGE (2010) — 42,3 milhões de fiéis, ou 22,2% da
população brasileira.
— O aumento dos evangélicos, sobretudo dos
neopentecostais, vem trazendo a prática da persuasão através de uma
retórica religiosa muito forte. O neopentecostal tem como missão ganhar
adeptos e, quanto mais distante do campo evangélico eles estiverem, mais
importante é considerada a missão. Desse ponto de vista, os mais
“demonizados” são justamente os adeptos das religiões de matriz
africana.
Para a especialista, é necessário garantir a liberdade religiosa:
— Cada vez que se agride, que se impede a realização de um culto, esse direito é desrespeitado. Isso é muito sério.
Procurado para falar sobre as políticas desenvolvidas para a redução
da discriminação religiosa, o Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos não respondeu à reportagem.
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