Com pouco mais de três horas de duração, uma reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou duas resoluções normativas que protegiam áreas de preservação permanente (APPs) de restingas e manguezais, e outra sobre licenciamento para irrigação. Apesar dos pedidos de adiamento, a maioria dos conselheiros preferiu manter a votação das matérias e as resoluções foram revogadas. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que irá entrar na Justiça contra a votação.
A pauta do novo Conama, reestruturado e diminuído em maio de 2019, foi definida na sexta-feira (25). A reunião e aprovação da agenda ocorreu na manhã desta segunda-feira (28). Ambientalistas chamaram o episódio de mais uma “boiada”, em referência à fala do ministro Salles em reunião ministerial em abril, quando sugeriu que normativas, resoluções e decretos fossem sendo revistos, aproveitando que a imprensa estava focada na cobertura da pandemia do novo coronavírus.
Além das revogação das resoluções 284/01, 302/02 e 303/02, o colegiado também aprovou a resolução que permite a incineração de resíduos de agrotóxicos em fornos utilizados para a produção de cimento. O ministro do Meio Ambiente e presidente do Conama, Ricardo Salles, alterou a ordem das pautas para que a nova resolução fosse apreciada.
O único voto contra a resolução foi do conselheiro Carlos Teodoro Hugueney, da associação ambientalista Novo Encanto, que afirmou que durante a tramitação da resolução na Câmara Técnica do Conama, a entidade fez inúmeros apontamentos, que não foram considerados. De acordo com o conselheiro, a associação questionou pontos de como será o processamento desses resíduos poderiam ter consequências socioambientais.
Ministério Público contra
Fátima Borghi, representante da 4° Câmara de Coordenação e Revisão de Assuntos do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF), destacou a preocupação do órgão sobre o destino dos resíduos: “Ela contraria a Convenção de Estocolmo e outros tratados e questões internas de saúde pública”, disse.
Sobre a revogação das três resoluções que estavam em pauta, a procuradora disse que o Conama não tem atribuição legal para aferir a legalidade, a constitucionalidade ou a convencionalidade das resoluções. “A resolução, após colocada no mundo jurídico, só o Poder Judiciário tem poder para retirar-lhe a validade e eficácia, por contrariedade à lei ou a constituição”. Segundo Fátima Borghi, nenhuma das resoluções que estavam em votação para serem revogadas ferem a Constituição, portanto não haveria necessidade de serem revogadas”.
Tentativa de adiamento
Após as alegações do Ministério Público Federal, Salles propôs ao plenário o adiamento da discussão, o que foi recusado pelos Ministérios de Infraestrutura, de Meio Ambiente, do Desenvolvimento Regional, da Economia e das Minas e Energias; pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela Casa Civil, Ibama, Secretaria de Governo da Presidência da República e pelo representante do município de Belém (PA), um dos dois membros que representam os governos municipais dentre as capitais.
Estavam presentes 19 dos 23 conselheiros que fazem parte do Conama. Dois representantes dos governos municipais pelas capitais – Belém (PA), Porto Alegre (RS) –, e 5 conselheiros representando cada uma das regiões geográficas: sul (RS); sudeste (RJ); centro-oeste (MS); nordeste (PI) e norte (TO).
O Governo Federal tinha oito cadeiras: um representante da Casa Civil, outro do Ibama, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do Ministério do Desenvolvimento Regional, do Ministério da Economia, do Ministério de Minas e Energias, do Ministério de Infraestrutura e da Secretaria de Governo da Presidência da República.
Das entidades ambientalistas, estavam presentes os conselheiros da Associação Novo Encanto e o Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes. Õ Conama conta também com duas cadeira para o setor empresarial, ocupadas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O Ministério Público Federal participou da reunião como ouvinte, sem direito a voto.
Licença para irrigação
Com 13 votos a favor e seis contra, a Resolução nº 284/1981, sobre licenciamento para irrigação, foi revogada. O coordenador geral de irrigação do MAPA, Gustavo Goretti, foi favorável à revogação porque, segundo ele, a norma trata dos equipamentos e não da água. “Ela [a resolução] não traz benefício algum para o meio ambiente. Uma vez que a água é regida por outorga. Não é necessário o licenciamento ambiental para instalação dos equipamentos”, afirmou. O coordenador faz parte dos cinco novos conselheiros que foram nomeados durante a reunião.
O presidente do Ibama, Eduardo Bim, também saiu em defesa da revogação, dizendo que o mecanismo de outorga estava consolidado na legislação e prática administrativa. “As preocupações se vai faltar água, quando for licenciar esse aspecto específico, não são verdadeiras. A gente tem um sistema federativo bem articulado em relação à recursos hídricos”, disse.
Áreas de proteção permanente em restingas e manguezais
A resolução 302/2002 foi derrubada por 17 votos. Ela definia parâmetros e limites referentes às áreas de preservação permanente (APP) e limitava ocupações e uso de locais próximos [30 metros] das áreas de reservatórios artificiais, uma forma de garantir a proteção da água. A revogação libera essas áreas para habitação e usos econômicos em locais como as represas do Cantareira, em São Paulo.
Um dos votos favoráveis à revogação, o secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Artur Lemos Júnior, justificou sua posição alegando que a determinação compete aos órgãos ambientais e não ao Conama. “Na visão do Rio Grande do Sul, em que os conselheiros tem que ter posicionamento e compreensão para fugir do erro grosseiro, nós entendemos que efetivamente a legislação do código florestal traz, claramente, que será de competência do órgão ambiental determinar qual é a APP ”, disse.
Faixa de proteção das áreas de restinga
Para o governo, a Resolução nº 303/2002 repetia o que o Código Florestal já determinava e, portanto, deveria ser revogada. Ao tratar das restingas, a resolução garantia uma faixa de proteção de 300 metros entre a margem do rio e construções. Ambientalistas lembram que, além da norma revogada, não há instrumento legal que contemple especificamente essas áreas. A Resolução 303/02 foi revogada, por 12 votos a 7.
“Eu concordo com o presidente Bim [que afirmou que 300 metros não protegem restinga], não são 300, 301 ou 299 [metros], mas é um critério técnico que foi utilizado no passado. Se ele está defasado, se ele não se aplica mais, ele precisa ser revisado do ponto de vista técnico. E nós, efetivamente, aplicarmos aquilo que o legislador maior disse ‘as restingas estão protegidas’, e tecnicamente o Conama está avançado no qual o melhor objeto de fazer essa proteção. Não tendo, revogando-se, vai recair sobre os órgãos de licenciamento. A única coisa que temo – e temos discutido isso com nossos colaboradores nos estados –, é que nós estamos partindo de uma guerra fiscal para uma guerra ambiental. Porque em um estado vai ser mais restritivo e em outro não. Essa é a maior preocupação de nós revogarmos regramentos gerais partindo da União”, disse Artur Lemos Júnior, representante do Rio Grande do Sul.
O ministro Ricardo Salles perguntou se não seria mais adequado deixar para que os estados resolvam, partindo da realidade local, qual o melhor critério. Lembos Júnior respondeu citando o exemplo dos empreendimentos eólicos nos estados do Rio Grande do Norte e Sul. O primeiro, segundo ele, deixa construir em cima de dunas, o segundo, não. “Essa é a nossa preocupação: que nós passamos a ter uma disputa pelo viés ambiental”, disse.
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