domingo, 3 de janeiro de 2016

2015 >> Qual a lição dada pelos estudantes secundaristas?

"Me negar conhecimento é me negar o que é meu / Não venha agora fazer furo em meu futuro, me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu", diz música de Chico Buarque e outros artistas em apoio às ocupações.
Desde o início de novembro, os estudantes do ensino médio das escolas públicas do estado de São Paulo ganharam notoriedade nos veículos de imprensa nacionais e internacionais com sua luta pela educação. No auge do movimento, ocupando mais de 200 escolas por todo o estado e fazendo protestos bloqueando as principais vias da cidade, os alunos conseguiram a suspensão da medida que previa o fechamento de 94 escolas, atingindo cerca de 311 mil estudantes, além da queda do secretário da Educação do governo, Herman Voorward."Onde é que está nosso futuro e nossa paz? / Que só promete mas só faz tirar do povo / Onde é que está nosso direito de viver? / Nosso direito de fazer um mundo novo? / Está na hora de crescer, passar a limpo esse país e devolver pra nossa gente o dom de ser feliz",  cantam em um vídeo uma versão da música "Cálice", de Chico Buarque,  estudantes secundaristas contra o projeto de reorganização educacional do governo do estado de São Paulo.
"Eu vejo como um marco na nossa história da educação do país, algo que podemos chamar até de primavera estudantil", diz Marina Inês do Nascimento, professora e secretária de Diadema da Associação de Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Marina lembrou também da greve de 92 dias do professores no início no ano e vê os estudantes como aliados para melhorar a educação no país.
"Estamos lutando por um ensino público e de qualidade para o filho do trabalhador. A educação é o pilar de uma sociedade, é só através do conhecimento que a gente se liberta para fazer o melhor. A luta dos alunos, para nós professores, é uma forma de adquirirmos energia para continuar lutando e acreditando que ainda há possibilidade de vitória. Eles nos ensinaram que estão do nosso lado para lutarmos juntos, porque a nossa luta é única, é pelo direito a educação de qualidade", diz.
No dia 9 de novembro, os estudantes iniciaram as ocupações nas escolas. A primeira foi a E.E. Diadema, mais conhecida como Cefam. A ideia da ocupação ganhou força quando os estudantes perceberam que os alunos do nono ano do ensino fundamental estavam sendo direcionados a realizar matrícula em outra escola, pois a partir de 2016 o período noturno não existiria mais, horário em que os estudantes do ensino médio estudam.
Cauê Albuquerque, aluno do terceiro ano do ensino médio no Cefam, fala sobre a lembrança mais marcante das ocupações. "A voz ativa da juventude mostrou como nós temos poder. Conseguimos revogar uma decisão do governo com menos de 10% dos estudantes do estado. São mais de 5 mil escolas no estado e com 200 ocupadas a gente conseguiu reverter a reorganização. Agora eu tenho certeza que a única forma de mudar a educação no país é com a mobilização estudantil".
Nas escolas, os estudantes se organizaram em comissões, cada uma com função definida, por exemplo, como quem cuidaria da segurança, limpeza ou seria porta-voz do movimento junto à imprensa. "Eles estavam extremamente articulados e organizados, todos os estudantes tinham uma tarefa e estavam divididos em equipes. Enquanto teve aula, eles iam para a aula e depois eles voltavam para a ocupação", atesta Marina, que acompanhou de perto a ocupação no Cefam.
Violência policial e resistência
A mobilização dos secundaristas não se resumiu às ocupações nas escolas. Os estudantes foram às ruas  protagonizando grandes manifestações e, com apoio de pais e professores, fizeram das ruas salas de aula, mas enfrentaram forte repressão policial.
A polícia militar paulista se utilizou de spray de pimenta, gás lacrimogênio e cassetete para coibir os manisfestantes e tentar desocupar as vias e escolas, além de realizar mais de 100 detenções de estudantes.
O artigo 178 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) impede que "menores de idade acusados de cometer ato infracional sejam transportados em compartimento fechado de veículo policial em condições que atentem contra a dignidade ou impliquem risco à integridade física ou mental do indivíduo sob pena de responsabilidade". Ainda assim, inúmeros registros nas redes sociais e na imprensa mostram adolescentes sendo levados em camburões pela PM e até mesmo sendo algemados.
O movimento chega em Goiás
Com o exemplo dos estudantes paulistas, a mobilização estudantil se disseminou e chegou até Goiás, onde 23 escolas estão ocupadas. Os secundaristas goianos são contrários à terceirização da gestão escolar por organizações sociais. Na última semana, o governo Perillo, também do PSDB, publicou decreto que autoriza a contratação dessas organizações para dirigir 200 escolas em todo o estado. Ainda não se sabe quais serão as unidades.
Após a ocupação de 22 escolas, a secretária de Educação, Raquel Teixeira, declarou abertura de diálogo sobre a terceirização de ensino no estado e organizou reuniões nos próximos dias com entidades estudantis (Ubes, Umes, Uges) e com o sindicato dos trabalhadores da educação (Sintego). O edital paras as organizações sociais assumirem as escolas também foi anulado temporariamente, por um suposto  "erro técnico".
Apoio aos estudantes
Muitos artistas mostraram solidariedade ao movimento dos secundaristas com declarações nas redes sociais, vídeos e realizando shows gratuitos em escolas na chamada "Virada da Ocupação".
A mais recente demonstração de apoio foi a gravação da música "O Trono do Estudar" feita por grandes nomes como Chico Buarque, Zélia Duncan, Paulo Miklos, Tiê. "Ninguém tira o trono do estudar, ninguém é o dono do que a vida dá / E nem me colocando numa jaula por que sala de aula essa jaula vai virar", diz a letra.
O apoio aos estudantes ficou evidente também com a queda da popularidade do governador Geraldo Alckmin. A última pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha mostra que popularidade do governador caiu 20% em um ano, já que, em outubro do ano passado, 48% dos entrevistados avaliavam o governo como ótimo ou bom, agora, apenas 28% aprovam seu mandato.
"A luta protagonizada pelos estudantes conseguiu não só fazer o governo retroceder e afastar seu secretário, mas também tornou público a profundidade dos problemas na educação e a forma como o governo do PSDB há mais de 20 anos no poder vem tratando a coisa pública", diz o professor de sociologia da E.E. Raul Fonseca, Luís Carlos de Melo.
Já para o estudante Fellipe Ribeiro, da E.E. Antônio Manuel, "o maior saldo das ocupações foi a galera ter se formado na luta e ter entendido que se uma coisa beneficia poucas pessoas e que o povo continua passando por dificuldades, ela está errada e unidos, trabalhadores e estudantes, podemos mudar isso".

Sem comentários:

Enviar um comentário