Os crânios de gado espalhados pelo rancho são um lembrete de que seus dias como vaqueiro encourado estão contados. Com pouca comida e água, as reses que permanecem pela área não sobreviverão por muito tempo. “As vacas nascem aqui para correr soltas sobre vastas extensões”, diz Feitosa. “À medida que a terra foi sendo vendida, fazendeiros cercaram o gado em espaços bem menores. Por isso, com o tempo, a índole selvagem do animal foi domesticada. Hoje, você pode ser vaqueiro usando uma motocicleta e vestindo calça jeans.”
Clima imprevisível, práticas insustentáveis, novos hábitos e tecnologias: diversas tradições artesanais do interior do Brasil estão sucumbindo diante de um fenômeno poderoso e inevitável – a modernização. Com o vaqueiro, desaparecem ofícios que evoluíram em seu entorno. Por exemplo, os seleiros – artesãos que moldam selas e roupas de couro para proteger os vaqueiros dos arbustos secos e grossos que recobrem o vale. A herança familiar do seleiro Espedito Veloso de Carvalho é tamanha que dizem que o avô dele equipou o cangaceiro Lampião. Agora, Carvalho transformou seu negócio de família em uma manufatura de bolsas e sandálias. “A diminuição de certos serviços pode ser atribuída ao avanço de novas tecnologias e formas de comunicação”, diz o professor e historiador Gilmar de Carvalho, especializado em cultura e artesãos da região Nordeste. “Muita coisa perdeu o sentido, ao longo do tempo, e foi descartada. Outras foram atualizadas. Tudo isso é parte da dinâmica da vida social.”
Para sobreviver, alguns artesãos reorganizaram seu ofício. A Academia de Cordelistas, em Crato, no Ceará, comandada pelo poeta Luciano Carneiro, por exemplo, preserva a arte da literatura de cordel, um livreto de poesia regional ilustrado em xilogravura, que evoluiu a partir de uma tradição oral de disseminação de notícias e questões sociais a um público majoritariamente analfabeto, trazida da Ibéria no século 18. Assim que várias formas de mídia alcançaram o sertão, o cordel evoluiu de fonte de notícias a artigo de colecionador – um artefato especial. “A perda da cultura popular fez as pessoas viverem a vida através da televisão, em vez de a viverem nas ruas”, lamenta Carneiro. “O cordel já sobreviveu ao nascimento do rádio, da televisão e agora da internet. Então, eu sei que ele vai perseverar.”
Com a tecnologia que cada vez mais substitui o aspecto manual do trabalho, “o fenômeno do desaparecimento de certas profissões, que é global, vai se acelerar nas próximas décadas”, acredita o historiador Titus Reidl, professor da Universidade do Crato. No caso do sertão brasileiro, o desafio que se impõe é saber como preservar o enorme legado de atividades históricas que, acima de tudo, representaram a cultura de toda uma região.
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL ONLINE | Por: Nádia Shira Cohen
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