Em crônica publicada no Correio da Manhã em 1966, Drummond homenageava a passagem da banda e a música de Chico Buarque constatando que “de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando”.
A democracia havia sido interditada por um golpe civil-militar dois anos antes (1964) e o AI-5 seria editado dois anos depois (1968). A esperança, entretanto, continuou sendo cultivada na luta dos movimentos sociais, nos porões do DOPS, no exílio, na vida e na arte. O resultado foi a Constituição Cidadã e a conquista das eleições diretas.
Cinquenta anos depois de escritas, as palavras de Drummond parecem mais do que nunca atuais, pois novamente a democracia brasileira foi interditada, desta vez por um golpe parlamentar e midiático liderado por aqueles que, derrotados nas urnas, decidiram construir um atalho ao poder para executar a restauração neoliberal.
A entrega do pré-sal às multinacionais e o desmonte da indústria nacional derivada do petróleo; a PEC que congela os investimentos públicos durante duas décadas; a reforma autoritária e privatista do ensino médio; a reforma da previdência que fixa em 49 anos o tempo de contribuição para acesso à aposentadoria integral; e a anunciada reforma trabalhista, que amplia a jornada de trabalho e estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, representam o feio, o errado, o triste, o mau e o absurdo da crônica drummondiana.
O Congresso Nacional foi completamente sequestrado por uma maioria conservadora que não tem o mínimo pudor de anular o legado social inscrito na Constituição de 88, assim como não teve o mínimo pudor de interromper um mandato presidencial legitimado pelo voto popular sem a existência de crime de responsabilidade.
De amor continuamos precisados, mas numa dose ainda maior, pois muitos de nós considerávamos improvável que um golpe de Estado atravessasse novamente a nossa história. E é por isso que o término de 2016 tem sido ansiosamente aguardado. Ficará marcado para sempre como mais uma página infeliz de nossa história.
A virada do ano sempre nos faz pensar no futuro, avaliar o passado e planejar novos passos. Desejo a cada brasileiro e a cada brasileira, em especial aos norte-rio-grandenses, a dose de amor necessária para que tenhamos esperança para seguir adiante e força para semear um novo tempo.
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