Apenas três meses após aprovar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem a comprovação de qualquer crime de responsabilidade, o Senado Federal voltou a revogar o voto popular. Na noite desta terça-feira (29), por 61 votos a 14, a Casa aprovou em primeiro turno a chamada PEC da Morte, que amarra todos os investimentos públicos por 20 anos, intervalo que equivale a cinco mandatos de presidentes da República - independentemente do programa de quem seja eleito ao longo dessas duas décadas, esses chefes do Executivo terão que se curvar ao modo Temer de governar.
Um modo de governar que, logo de saída, passa o trator sobre os direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988. A saúde e a educação, por exemplo, para as quais havia a obrigação constitucional de destinar percentuais mínimos do Orçamento, são os setores que mais vão perder com esse congelamento. Foi a vitória do Estado mínimo defendido pelo golpe que afastou a presidenta Dilma.
Mas não foi uma vitória sem resistência. Desde as 14:04h da tarde da terça-feira, quando foi aberta a sessão do Senado, até as 00:35h da quarta-feira (30), quando se encerraram os trabalhos, os dez senadores da Bancada do PT, ao lado dos demais integrantes da oposição enfrentaram com argumentos e com propostas alternativas concretas a tentativa de cortar do orçamento público as verbas que atendem principalmente aos brasileiros mais pobres.
O debate seguiu em altas temperaturas, mas só pode ser assistido pela TV, já que as galerias do Senado ficaram fechadas ao povo. O pretexto foi a manifestação indignada de uma senhora, Gláucia, que teve acesso à tribuna de imprensa e pediu aos brados que os senadores votassem contra a proposta. Na Esplanada dos Ministérios e no gramado do Congresso, uma multidão estimada entre 10 mil e 30 mil pessoas, a depender das simpatias do avaliador, protestava contra os 20 anos de congelamento dos investimentos públicos.
A maioria do Senado não ouviu Gláucia, nem ouviu os manifestantes — que acabaram barbaramente reprimidos pela polícia do Distrito Federal, após um grupo de cerca de vinte provocadores virarem um carro da TV Record. Os governistas também não ouviram as reiteradas manifestações de repúdio da sociedade à PEC 55, aferidas por pesquisas de opinião e até mesmo por uma enquete promovida pelo site da Casa, onde quase 400 mil eleitores disseram não à medida e menos de 24 mil apoiaram a PEC.
E tanto a maioria do Senado se recusa a ouvir a opinião pública que a Casa rejeitou a emenda do referendo, uma consulta pública defendida pelo PT e demais integrantes da oposição, que permitiria aos brasileiros dizerem, nas urnas, se querem que a PEC 55 entre em vigor.
A PEC 55 precisa ainda ser aprovada em segundo turno pelo Senado. Essa votação está marcada para o dia 13 de dezembro. A data é tristemente emblemática, já que é a mesma da publicação, em 1968, do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Com esse instrumento, a ditadura militar fechou o Congresso, suspendeu direitos políticos de cidadãos por até 10 anos, cassou parlamentares, proibiu manifestações públicas, suspendeu o direito de habeas corpus e impôs a censura prévia para jornais, revistas, livros, peças de teatro e músicas.
Junto com o gás lacrimogêneo usado fartamente pela PM do DF contra estudantes e aposentados nesta terça-feira, há um forte cheiro de 68 no ar de Brasília.
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