“Após um suicídio perplexo de uma adolescente, um colega de classe recebe uma série de fitas que revelam o mistério de sua escolha trágica”. A curta sinopse existente no site da Netflix – uma provedora de filmes e séries via streaming –pertence a um dos últimos lançamentos originais da empresa, que vem chamando a atenção da crítica especializada e do público em geral. Dividida em 13 episódios, a série “13 Reasons Why” – Os 13 porquês, em tradução livre – retrata o adolescente Clay Jensen, um estudante do ensino médio, que encontra uma caixa na porta de sua casa com sete fitas cassete gravadas pela falecida Hannah Baker, sua colega que cometeu suicídio há pouco tempo.
A trama, apesar do sucesso recente, tem recebido críticas de psiquiatras e psicólogos justamente pelo tema central: suicídio. Os especialistas alertam sobre os benefícios de uma abordagem sobre o assunto para evitar casos, mas também chamam a atenção para os riscos que a série pode trazer para grupos vulneráveis que porventura a acompanhem.


É o caso do presidente da Associação Norte-rio-grandense de Psiquiatria (ANP), Gustavo Xavier. O psiquiatra afirma que vem assistindo a série exatamente para entender seu enredo e identificar erros. E ele contou ao NOVO que encontrou problemas. “Avalio a série sob dois aspectos: é importante abordar o tema de sob a óptica de um assunto do cotidiano, como o bullying. Ela tem caráter educativo, na própria série há a mensagem de que é importante a prevenção do suicídio, da necessidade de conversar sobre o assunto”, afirma.

Contudo, o presidente da ANP acredita que a questão não é a série em si e sim quem a assiste. Ele orienta que, como o seriado é mais voltado para adolescentes e jovens, que os responsáveis fiquem atentos e evitem que os filhos vejam a história ficcional sem acompanhamento.

A orientação vale também para pessoas, da faixa etária da série ou não, que passem por algum transtorno mental, como depressão, por exemplo. “Não é interessante assistir uma série dessas se você está com depressão ou algum transtorno”, sugere Xavier.
Independente de polêmicas, a série americana acaba trazendo outro tema também relativo ao suicídio: o tabu que existe em se falar sobre o assunto. Segundo o vice-presidente da ANP, o psiquiatra Emerson Arcoverde, pouco se fala de suicídio exatamente porque há um temor em gerar novos casos. Trata-se do chamado “Efeito Werther”, uma espécie de “efeito cascata” de suicídios causados a partir de um caso noticiado. Werther foi personagem do romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe.


“Falar sobre suicídio é um problema. Noticiar que uma pessoa se enforcou, por exemplo, não pode porque tem um efeito, o Efeito Werther, que vem de um romance de Goethe, onde o personagem se mata no final do livro e as pessoas da época começaram a se suicidar e aparecer com o livro do lado. Foi quando se começou a ver o ‘contágio’ do suicídio”, explicou Arcoverde.

O medo dos especialistas é que “13 Reasons Why” tenha consequências similares às verificadas no romance de Goethe, escrito no final do Século XVIII, sobre os sofrimentos de seu protagonista. Nesta semana, uma jovem desapareceu em Natal. Sua última postagem em sua conta do Facebook foi uma mensagem que remetia à série da Netflix. Amigos e familiares se preocuparam. O NOVO apurou que na última quinta-feira, um dia após o sumiço, um boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia Especializada em Capturas (Decap), que investiga desaparecimentos.
Na série, a jovem Hannah resolve se matar após sofrer constrangimento por parte de seus colegas. Nas fitas, a adolescente explica para treze pessoas como cada uma delas ajudou em sua decisão de tirar a própria vida, apresentando assim as 13 motivações para sua morte. “A questão é que é uma série destinada a uma faixa etária mais jovem, e traz a mensagem como se o suicídio fosse uma forma de saída para os problemas”, destaca o psiquiatra Gustavo Xavier.
Na visão do especialista da ANP, a trama ficcional acaba também por transformar o suicídio em algo romântico, “glamourizado”. Outro ponto que merece ressalvas é o título: “13 Reasons Why”, um equívoco em sua opinião. “Há uma glamourização do suicídio com essa série, a série passa a mensagem de que você se matar ou como a personagem se mata é algo natural. O nome é equivocado. Não existe uma ‘razão’ para se matar, o título é infeliz. O correto seria: ‘13 motivos equivocados para se matar’. Não existe razão, a razão é viver”, avaliou.
CASOS DE SUICÍDIO SÃO SUBNOTIFICADOS
A cada três segundos uma pessoa tenta se matar e a cada 40 segundos uma pessoa se mata, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente no Brasil, 12 mil tiram a própria vida anualmente. A Associação de Psiquiatria considera o índice alto, mas o país ainda ocupa a oitava posição do ranking mundial.
“Esse é um número bem alto, apesar de o Brasil não ser um dos países com mais suicídios. Em números absolutos é o oitavo do mundo, mas quando você olha para a proporcionalidade, é um país com baixa incidência”, destaca o vice-presidente da Associação Norte-riograndense de Psiquiatria (ANP), Emerson Arcoverde.
Entretanto, ele afirma que provavelmente os números são maiores. No Brasil não há um protocolo definido para identificar vítimas de suicídio. Assim, há subnotificação nos casos apresentados nas estatísticas federais. No próprio Rio Grande do Norte não há dados específicos sobre o tema, apesar de, segundo a base de dados do Ministério da Saúde (MS), o Datasus, entre 2010 e 2014, pelo menos 811 pessoas morreram no estado por “lesões autoprovocadas voluntariamente”.
Em 2014, levando-se em conta esse quesito em si da base de dados do MS, 169 morreram no RN. Segundo a ANP, desde a inauguração da Ponte Newton Navarro, em novembro de 2007, em Natal, foram mais de 50 mortes de pessoas que se jogaram da estrutura. “É um número absurdo. Inclusive, no dia da inauguração foi registrado o primeiro suicídio lá”, comentou Emerson Arcoverde.
“Há uma subnotificação muito grande. Várias pessoas que se matam no trânsito têm a causa da morte classificada como politrauma. A gente não vai saber se uma pessoa se jogou na frente de um carro se não for feita o que chamamos de autópsia de suicídio, que é você avaliar aquela pessoa que teve um trauma físico grave e reavaliar o que houve nos últimos dias. Se você fizer essa busca como uma metodologia de autópsia de suicídio você pode identificar um suicida que morreu por um acidente de trânsito”, diz.
O IMPORTANTE É FALAR SOBRE PREVENÇÃO 
“É preciso se falar mais sobre a prevenção: como a gente previne; como identificamos fatores de risco; como valorizamos fatores protetores. A população precisa saber”. O psiquiatra Emerson Arcoverde defende em sua fala que o suicídio pode ser prevenido. Prestar atenção em pessoas próximas que mudaram para um comportamento mais retraído e isolado pode ser importante para detectar um suicida em potencial.
Pessoas muito sozinhas ou que usem drogas também pertencem ao grupo de risco, assim como adolescentes e idosos. Para Arcoverde, é fundamental dificultar o acesso de pessoas com algum transtorno mental como depressão, bipolaridade ou esquizofrenia a ferramentas como armas, medicamentos, veneno ou lugares altos.
“Cada tentativa de suicídio aumenta em 85% as chances de um suicídio próximo, que é um dos principais fatores de risco para suicídio: a tentativa prévia e o acometimento de um transtorno mental”, esclarece, também salientando que qualquer unidade de saúde deve atender pessoas com transtornos comportamentais.
Baleia Azul
Outro assunto que ganhou a mídia recentemente foi o jogo Baleia Azul, onde os participantes cumprem uma série de tarefas, 50 delas, e no final são coagidos a se matar. Se noticiar casos de suicídio não é recomendado, influenciar alguém a se matar é crime. O psiquiatra Gustavo Xavier foi taxativo ao classificar os organizadores do jogo, surgido na Europa e recentemente registrado no Brasil, como criminosos.
“É um grupo criminoso que incita as pessoas a chegar a um nível de desespero e acabem se matando. São pessoas vulneráveis, geralmente adolescentes predispostos, isolados. É importante manter a atenção no comportamento dos jovens. Preste atenção se eles estão se cortando, usando drogas...