Há quase dois anos o funcionário público federal Osnildo Targino, de 58 anos, foi diagnosticado com um câncer de próstata. Em maio de 2015 ele recebeu a preocupante notícia de seu médico. Pouco tempo depois foi constatada uma metástase. Tudo se encaminhava para o fim na vida do servidor federal, até ele tomar conhecimento da existência do crajiru, uma planta medicinal originária da floresta amazônica. Foi ela quem ajudou Osnildo a superar a doença, conta o próprio.
Utilizada por indígenas no tratamento de ferimentos e enfermidades, Arrabidaea chica é o nome científico do crajiru. Em 2015, meses após ser diagnosticado com câncer, após uma conversa com um amigo médico, o funcionário público descobriu a planta medicinal. “Fui diagnosticado com câncer de próstata e conversando com um amigo meu, ele falou do crajiru. Faz uns dois anos que tomo o chá”, lembra.
Desde junho daquele mesmo ano ele toma o chá feito a partir das folhas de crajiru. Com apenas 60 dias consumindo o produto, seu antígeno prostático específico (PSA) – uma substância produzida pelas células da glândula prostática – chegou a cair de 19 para 2 ng/mL de sangue. O normal, segundo especialistas, é um homem não ultrapassar o nível de 4 ng/mL, e acima de 10 a chance de haverem células cancerígenas no organismo aumentam consideravelmente.
Após uma cirurgia realizada em março de 2016 a recuperação de Osnildo Targino foi evoluindo até que, quatro meses após o procedimento, já não havia mais metástase em seu organismo. O costume de tomar chá de crajiru se mantém até hoje. O funcionário público toma dois copos por dia, um pela manhã e outro à noite.
Em Natal, o Viveiro Marina, localizado em Lagoa Nova, possui mudas de crajiru, que são distribuídas gratuitamente a quem solicita a planta. Foi do local que Targino adquiriu uma muda, plantou em seu quintal e de lá retira as folhas que usa para fazer o chá. À frente do projeto de doações está o empresário Paulo Saldana, proprietário do local.
Ele conta que nos últimos meses a procura pela planta aumentou, a ponto de o estoque se esgotar. Do final de dezembro para a primeira semana de janeiro, conta Saldana, saíram do viveiro aproximadamente 600 mudas de crajiru. “Limitamos uma muda por pessoa”, comentou.
O caso de Targino, destaca o empresário Paulo Saldana, é apenas um dos vários casos que ele tem notícia. Em dez anos que realiza o trabalho de distribuição da planta, um dos mais impressionantes foi o de um homem que mora na comunidade de Maçaranduba, localizada na estrada de Ceará-mirim. É lá que se encontra a fazenda onde é feito o plantio do crajiru por parte do Viveiro Marina.
O homem estava com um câncer avançado. Sua próstata estava tão inchada que o paciente nem andava mais e sangrava pelo ânus. “Foi fazer tratamento e, como se dizia antigamente, desenganaram ele. Ele soube lá em Maçaranduba que a gente tinha essa planta e começou a tomar o chá de crajiru. Hoje ele nem toma mais água, só o chá. Fez cinco anos em setembro passado. Ele, com seis meses de crajiru, já estava levando uma vida normal, trabalhando e curado”, relata Saldana.
Empresário continua o trabalho da sua avó
O Viveiro Marina tem 16 anos de criação. O crajiru faz parte de uma década desse tempo. O empresário Paulo Saldana diz que, após a morte de sua avó, começou a distribuir as mudas da planta medicinal que, acredita-se, cura o câncer, em especial leucemia e próstata. Desde o início da década de 1980 que a família conhece a planta. Desde essa época que a matriarca da família do empresário doava folhas para quem quisesse.
Entre 1981 e 1982 o avô de Saldana adquiriu um câncer no esôfago. Um parente de Manaus, conhecendo as propriedades curativas da planta, acabou enviando uma muda para Natal. Após tomar o chá por algum tempo, a doença foi combatida com sucesso, para surpresa dos médicos. Porém, não foi o suficiente para curar uma metástase que se desenvolveu posteriormente.
“Minha avó depois fez o trabalho de doar as folhas para quem precisasse;, quando ela faleceu, já existia o Viveiro Marina e aproveitamos o crajiru que ela tinha para fazer mudas e daí fizemos nosso matrizeiro e distribuímos mudas de crajiru. É como se eu tivesse continuando o trabalho que ela fazia”, ressalta Paulo Saldana.
O empresário mesmo consome o crajiru todos os dias. Ele afirma que é um bom remédio para gastrites. A sugestão é preparar dois litros e usar 40 folhas no processo. O preparo, orienta, deve ser feito no final da tarde, para que o consumo comece na manhã do dia posterior.
Após ferver a panela com a folhagem dentro, é só deixar “dormindo” durante a noite e pela manhã é preciso coar. Depois é só armazenar o líquido, de coloração avermelhada, na geladeira. Importante: as folhas devem estar secas. Para isso, o empresário diz que é só esperar de três a quatro dias após a colheita. Paulo toma de 250 a 300 mL de chá diariamente. As mudas podem surgir a partir de um galho da planta. O empresário do Viveiro Marina diz que, após arrancar um galho, ele pode ser colocado em um saquinho plástico e com 20 ou 30 dias deve começar a enraizar.
Apesar do potencial, não há comprovação científica
Apesar dos vários relatos sobre o sucesso do crajiru sobre o câncer, não há ainda estudos científicos que comprovem de fato o poder de cura da planta medicinal de origem amazônica. O professor do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Rio grande do Norte (UFRN), Idivaldo Antônio Micali, que também é membro das comissões de Farmácia Magistral e de Ensino, do Conselho Regional de Farmácia (CRF), diz que a planta possui muito potencial de cura para tumores e afins, mas alerta que ainda não há comprovação científica sobre o assunto.
“É algo um tanto quanto delicado. Hoje existem os tratamentos padronizados: a radioterapia, quimioterapia ou a intervenção cirúrgica. Você não vai encontrar um tratamento de câncer por meio de uma planta medicinal que seja adotado pelos centros de tratamento de câncer. Esses tratamentos ficam à margem, mesmo que você encontre plantas com resultados fantásticos”, destaca Micali.
Ainda não há estudos devidamente detalhados em cima do princípio ativo da planta que desenvolva um produto para o mercado. No entanto, o professor afirma que o crajiru tem potencial e que algumas pesquisas preliminares indicaram as chances de realmente haver na planta a possibilidade de combater tumores.
É o caso de uma pesquisa conjunta realizada em 2011 por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais, a estadual de Santa Cruz (BA) e do Centro de Pesquisa René Rachou-Fundação Oswaldo Cruz, que identificou – a partir de amostras de tumores tratados com estratos de crajiru retiradas de camundongos – “atividades imunomoduladoras e antitumorais atribuídas à presença de flavonóides, como o kaempferol [substância encontrada no crajiru]”. O estudo concluiu, então, que ficou demonstrado “o potencial da Arrabidaea chica como agente antitumoral confirmando seu uso na medicina popular tradicional”.
O professor Micali afirma que é preciso haver mais pesquisas, que envolvam todas as variáveis possíveis relacionadas à planta, desde sua classificação, as fases de sua vida ou mesmo a região onde ela é cultivada. Os próprios tipos ou níveis de tumores que a planta seria utilizada também precisaria ser estudados.
Apesar disso, o representante do CRF diz que os estudos estão no caminho certo. Ele apresentou à reportagem pelo menos quatro artigos científicos que indicam o potencial indicado pela cultura popular.
Além disso, o professor Idivaldo Micali comenta que a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se mantém atenta à planta amazônica. A Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse do Sistema Único de Saúde (Renisus), uma lista criada em 2009, indica a capacidade médica que 71 plantas medicinais de uso popular possuem. A Arrabidaea chica – ou crajiru – é a oitava a aparecer nessa relação.
“A Anvisa tem interesse nela [crajiru], porém, não há a identificação popular para câncer. A Anvisa indica o crajiru como antiinflamatório, antimicrobiano, cicatrizante de feridas, afecções na pele como impinge, psoríase, micose e herpes”, explica o especialista.
Além do CRF, a reportagem também procurou o Conselho Regional de Medicina (CRM) para que fosse dado um posicionamento sobre o uso de crajiru para a cura do câncer, entretanto, por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão informou que não iria emitir comentários.
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