Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior, lançou em 1979 o CD Era uma vez um homem e seu tempo. Neste álbum, Belchior consagrou músicas como Medo de Avião, Comentário a respeito de John e tantas outras que foram e continuam sendo sucesso em todo o Brasil. Mas uma, uma em especial, chamada Tudo Outra Vez, não desmerecendo as outras, tem a necessidade de ser interpretada por alguém.
Muita gente tem essa canção como o "Hino dos Universitários", que estão longe de casa, cheios de saudades. Entretanto, a história por trás de Tudo Outra Vez é enorme, é linda e tem a ver com o ano em que foi lançada: 1979, o ano da famosa Lei da Anistia.
O Contexto Histórico
Apesar do país ainda estar sob domínio do Regime Militar, o ano de 1979 (no qual Tudo Outra Vez foi lançada) foi de grande liberdade política. No ano anterior, mais exatamente em 13 de outubro de 1978, foram revogados todos os atos institucionais, inclusive o AI-5, amenizando consideravelmente a censura que ocorrera desde os primeiros anos da instauração da ditadura. Já em 1979, no dia 28 de agosto, foi promulgada por Figueiredo Lei da Anistia. E é aí que entra o significado da música Tudo Outra Vez.
A Interpretação
Tudo Outra Vez conta uma história: a história de um homem exilado durante a ditadura militar brasileira que, após a promulgação da Lei da Anistia, volta ao seu país.
Há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa.
E, nessas ilhas cheias de distância,
o meu blusão de couro se estragou.
Belchior, por meio do eu lírico já explicado acima, demonstra a saudade de casa, a saudade de seu país. Retrata a distância por meio das ilhas sempre tão longe do continente. Retrata o grande período de tempo por meio do blusão de couro que precisou de bastante tempo para se deteriorar.
Ouvi dizer num papo da rapaziada
que aquele amigo que embarcou comigo,
cheio de esperança e fé,
já se mandou.
Na segunda estrofe, o eu lírico nos diz que seu amigo, aquele que embarcou com ele, já se mandou. No contexto da canção, podemos dizer que ele refere-se a um amigo que também lutou por ideais contrários à ditadura militar. Os dois, provavelmente, foram separados pelo exílio. E, após anos estando distantes um do outro, o eu lírico descobre que o seu amigo já é morto.
Sentado à beira do caminho pra pedir carona,
tenho falado à mulher companheira:
"Quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil!".
E um cara que transava a noite no Danúbio Azul
me disse que faz sol na América do Sul,
e nossas irmãs nos esperam no coração do Brasil.
O eu lírico nos remete, então, ao momento em que está prestes a voltar ao Brasil. Nos descreve a cena. Ele e sua atual companheira, ambos sentados à beira da estrada, enquanto esperam por uma oportunidade de carona. Ele refere-se ao Brasil como o país do trópico (de Capricórnio) e questiona-se sobre como estaria vida no país após tantas revoluções políticas, após tantas conquistas.
Minha rede branca, meu cachorro ligeiro...
Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro.
O fim do termo "saudade",
como o charme brasileiro
de alguém sozinho a cismar.
E ele, que mais adiante na música comprovaremos ser um nordestino, nos remete à objetos de sua cultura: a rede branca, o cachorro ligeiro. Neste momento, podemos dizer que a estrofe "coincide" com a chegada do eu lírico ao Brasil, já que nos apresenta neste instante o Concorde que vinha do estrangeiro, um avião supersônico de passageiros que completava três anos de uso àquela altura. Nos apresenta também o fim da saudade (um termo que só existe na língua portuguesa), fazendo-nos crer que ele já está em sua nação.
Gente de minha rua,
como eu andei distante.
Quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Minha normalista linda,
ainda sou estudante da vida que eu quero dar.
Mostra-nos elementos de sua vida anterior e posterior ao exílio. Acaba nos fazendo saber a respeito de seus relacionamentos anteriores e nos reforçando a ideia de que ele é realmente alguém que, após lutas intensas contra ditadura militar, foi exilado ao mostrar que era e ainda é um estudante. É importante salientar que os estudantes brasileiros foram os que mais lutaram contra o regime militar.
Até parece que foi ontem minha mocidade,
com diploma de sofrer de outra universidade.
Minha fala nordestina,
quero esquecer o francês.
E vou viver as coisas novas que também são boas:
o amor, humor das praças cheias de pessoas.
Agora eu quero tudo, tudo outra vez...
Neste ponto final da canção, o eu lírico nos apresenta seus pensamentos: a visão de sua mocidade, onde o sofrimento imperava e um importante fato para a compreensão da música. O fato do eu lírico expressar a vontade de esquecer o francês nos faz pensar que ele esteve exilado na França. A França foi o principal destino dos exilados brasileiros, transformando Paris numa espécie de capital do exílio. E ele acaba concluindo a sequência de versos inéditos na música dizendo querer aproveitar todas as coisas boas que foram conquistadas também por ele, aproveitar o fruto do seu esforço. O eu lírio diz querer tudo outra vez, querer, de certa forma, recuperar todo o tempo perdido. Recuperar o tempo em que esteve fora e distante.
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