quinta-feira, 8 de agosto de 2019

PROTEÇÃO AMBIENTAL >> MPF quer anular decreto que permite funcionamento de salinas em áreas de preservação


Resultado de imagem para MPF quer anular decreto que permite funcionamento de salinas em áreas de preservação

Decisão governamental se baseou em motivo falso, contraria princípios e coloca em risco o meio ambiente e comunidades locais

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública (ACP) buscando a anulação do Decreto 9.824/19, do Governo Federal, que autoriza o funcionamento de salinas em áreas de preservação permanente (APPs), no Rio Grande do Norte. A medida, aponta o MPF, se baseou em motivo falso e desrespeita leis ambientais A ACP inclui um pedido liminar para suspender o decreto e destaca os riscos para o ecossistema, caso a nova regra seja mantida em vigor.

Ao todo, estudos técnicos apontaram que aproximadamente 3 mil hectares de áreas de preservação permanentes (sobretudo manguezais) são ocupados irregularmente por salineiras no Rio Grande do Norte. No início deste ano, o MPF ingressou com ações contra 18 empresas do setor, pedindo a remoção da produção de sal das APPs para outras áreas e a recuperação dos espaços degradados. Para minimizar os impactos financeiros do setor, sugeriu um prazo de até oito anos, nos quais os proprietários poderiam planejar e concretizar essa realocação.

Em 4 de junho, contudo, o Decreto 9.824/19 foi assinado pelo presidente da República Jair Bolsonaro e concedeu o status de interesse social à atividade salineira, o que possibilita que as empresas sigam ocupando as APPs. De acordo com a ação civil pública, de autoria do procurador da República Emanuel Ferreira, esse decreto não leva em consideração que há alternativas técnicas.

De acordo com a Lei nº 12.651/12, interesse social pode ser declarado em atividades diversas “quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta”. No caso das salineiras potiguares, a realocação da produção é uma possibilidade tendo em vista que apenas 10,7% da área ocupada pelas empresas se encontra em APPs, ao contrário do que foi citado no processo administrativo que serviu de base à assinatura do decreto. Nesse documento o pressuposto, falso, era de que 100% das salineiras se encontravam em áreas de preservação.

Além disso, o 9.824/19 desrespeita o princípio do desenvolvimento sustentável e diversos tratados de direitos humanos, pois “praticamente nenhuma consideração séria foi efetivada em relação à proteção ao meio ambiente, concentrando-se o processo administrativo, unicamente, em questões econômicas”. Também ofende o art. 225 da Constituição ao ignorar a necessidade de proteção das APPs prevista na Lei 12.651, conforme já abordado em ações civis públicas já ajuizadas.

A ACP foi protocolada na 10ª Vara da Justiça Federal no RN, sob o nº 0801432-95.2019.4.05.8401.

Tentativas - Desde 2013 o MPF busca regularizar a atuação do setor salineiro no Rio Grande do Norte, tendo instaurado diversos inquéritos civis a partir da Operação “Ouro Branco”, deflagrada pelo Ibama. Duas audiências públicas sobre o tema foram realizadas e várias tentativas foram feitas para que as empresas assinassem termos de ajustamento de conduta (TACs), sem sucesso.

Técnicos do Ibama e do Idema/RN chegaram a ser convocados para formarem o chamado Grupo de Trabalho do Sal, o “GT-Sal”, que elaborou o relatório no qual o MPF baseia suas iniciativas. Após a busca dos acordos se mostrar infrutífera, as ações foram impetradas no início do ano (algumas das quais já resultaram em liminares determinando a retirada de pilhas de sal das áreas de preservação).

Riscos - A área total pertencente às indústrias salineiras no RN totaliza 41.718 ha. Desses, 30.642 são atualmente explorados, sendo 3.284,48 ha (10,71%) em APPs. Diante das ações do MPF, os empresários buscaram apoio político para a edição do decreto, obtendo o que a ACP considera uma indevida “anistia aos graves danos ambientais causados”.

As alegações das empresas quanto à inviabilidade de se desocupar essa parcela das propriedades ainda não foram demonstradas por quaisquer estudos incluídos aos processos. Por outro lado, está cientificamente comprovado que a continuidade da atividade pode resultar, além dos impactos ambientais gerados diretamente pela ocupação ou supressão do mangue, em diversos outros prejuízos.

Há riscos de impermeabilização de planícies de maré; soterramento de gamboas e braços de maré; aumento dos processos erosivos; alteração do ciclo hidrológico regional e da qualidade da água estuarina gerada por efluentes; diminuição da biodiversidade associada ao manguezal; entre outros. Tudo isso pode levar à alteração dos locais de refúgio de crustáceos, peixes e aves, “comprometendo assim, comunidades de marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejo”, resultando ainda no assoreamento dos canais e em diversos problemas à população das comunidades próximas.

“O desenvolvimento sustentável busca a compatibilização entre as finalidades legais admitidas ao setor econômico com a necessária proteção ambiental às presentes e futuras gerações. É precisamente o que busca o MPF na presente ação: com os recuos graduais efetivados em largo prazo temporal, há a compatibilização entre os direitos em jogo, equilibrando-se uma equação completamente desbalanceada em favor do interesse econômico com a edição do decreto”, resume o procurador da República.

Confira a íntegra da ACP.


Sem comentários:

Enviar um comentário