Faz pouco mais de um ano que o pernambucano José Maílson Pereira deixou o sertão para tentar uma vida melhor em São Paulo. Não demorou para conseguir uma vaga como ajudante de pedreiro, o mesmo ofício que exercia na terra natal. Ganhava o bastante para pagar um quarto modesto em uma pensão. Há quatro meses, foi demitido após um desentendimento com a chefia. Sem conseguir voltar ao mercado formal de trabalho desde então, passou a fazer bicos como catador de papelão. Cada quilo lhe rende 30 centavos.
Sem a renda garantida todo mês, José Maílson perdeu quase que imediatamente a capacidade de pagar por um teto. Tornou-se mais um entre milhões de brasileiros que, nos últimos anos, foram lançados de volta à pobreza extrema.
Desde o dia em que deixou o canteiro de obras, divide o vão escuro e úmido de um viaduto com outros companheiros de desventuras, habitantes da mais rica cidade brasileira que não podem contar com chuveiro quente, comida na mesa ou uma cama para dormir. Um “vizinho” que acompanhava a conversa pergunta: “Como pode ser um problema da pessoa se a cada dia tem mais e mais gente na rua?”
Após uma década de uma redução jamais vista na desigualdade, o Brasil cava, de novo, o fosso social que sempre caracterizou a sua história. Em dois anos, quase 2 milhões de indivíduos passaram a enfrentar o mesmo drama de José Maílson. Segundo dados do IBGE, aqueles que vivem abaixo da linha de pobreza extrema, cujos ganhos não passam do equivalente a 7 reais diários, saltaram de 13,5 milhões em 2016 para 15,2 milhões no ano seguinte. Se consideradas as famílias que vivem com menos de 406 reais por mês, o total subiu de 53,7 milhões para 55,4 milhões. Este é o contigente de miseráveis lançados à própria sorte em um país que optou por desmantelar as tênues redes de proteção social desde o impeachment de Dilma Rousseff.
Melhor para a porção abastada do Brasil. Um estudo publicado em junho pelo Instituto Brasileiro de Economia, ligado à Fundação Getulio Vargas, mostra que nos últimos três anos o desemprego arrasou os ganhos dos mais pobres e ampliou a desigualdade no mercado de trabalho. De lá para cá, a renda dos 10% mais ricos cresceu 3,3%. Já a fatia mais vulnerável da população amarga uma perda acumulada de mais de 20%.
José Maílson Pereira tem apenas 32 anos, mas o rosto marcado pela rotina dura o faz aparentar pelo menos dez a mais. Para ultrapassar a média internacional do Banco Mundial, que considera miserável quem sobrevive com menos de 1,90 dólar por dia, os tais 7 reais, o pernambucano teria de recolher todos os dias ao menos 30 quilos de lixo reciclável. Sem falhar sábado, domingo ou feriado. “Nunca trabalhei com carteira assinada”, lamenta. Um retrato perverso da miséria que corrói especialmente as grandes e médias cidades no Brasil.Só em São Paulo, o número de indivíduos em situação de rua abordados pelos assistentes sociais da prefeitura cresceu 66%. Ao longo de todo o ano passado, segundo esses dados, ganharam as ruas mais de 105 mil pessoas. Esses são os indicadores mais recentes da explosão nas ruas da capital paulista. Em 2015, o Censo calculava 16 mil moradores de rua. Naquele mesmo ano, os abordados foram 56,1 mil. Hoje, as projeções mais recentes estimam que esse total ultrapasse os 25 mil. Quase mil seriam crianças.
O fenômeno repete-se em outras capitais. Embora não haja uma metodologia unificada, é consenso entre assistentes sociais, ativistas e representantes do poder público que explodiu o número daqueles que enfrentam a face mais extrema da miséria urbana. Em Porto Alegre, a gestão municipal estima em 4 mil os moradores nas ruas, o dobro do registrado em 2016. Em Curitiba, os indigentes são pouco mais de 2 mil, 50% a mais do que havia há três anos. No Recife, o levantamento mais recente contou 1,2 mil. O Ministério Público de Pernambuco diz, porém, que eles passam de 3 mil.
No Rio de Janeiro, a prefeitura contabilizava em 2016 cerca de 15 mil moradores de rua, três vezes mais do que em relação a 2014. A gestão Marcelo Crivella optou, porém, por uma contabilidade criativa. A prefeitura mudou a metodologia e contou no ano passado cerca de 4,5 mil sem-teto. Quem acompanha de perto o drama da indigência duvida da precisão desses dados. “Eles mentem para justificar o corte nos abrigos”, contesta Rafael Barros Costa, ativista do projeto Ruas, que faz rondas noturnas em bairros da Zona Sul da capital fluminense. “Impossível não notar o aumento. Atendemos cada vez mais gente com certo nível de escolaridade que veio parar nas calçadas.”
Um relatório do banco americano Goldman Sachs, divulgado em maio do ano passado, indica que a América Latina deve viver uma “segunda década perdida”. O PIB per capita brasileiro, diz o banco, caiu 0,3% entre 2011 e 2018. No decênio começado em 1981, esse recuo havia sido de 0,5%. A tal retomada bravateada por alguns economistas e comentaristas é a mais lenta da história. O banco aponta que, nas nove recessões que o País viveu desde 1981, “o ciclo de expansão que se sucedeu foi significativamente mais vigoroso que a recuperação atual”.
Nova oportunidade. Damasceno e a família apostam em um emprego formal para conseguir um tetoPassada a esperança vazia do mercado com a vitória de Jair Bolsonaro, analistas de todas as matizes agora indicam que o PIB crescerá abaixo de 1% neste ano. Um cenário nada alentador para os mais de 13 milhões de desempregados que engrossam as estatísticas de desocupação do IBGE. Se considerados aqueles que estão subempregados ou desistiram de procurar trabalho, o total de afetados chega a 28,4 milhões, 1 em cada 10 brasileiros economicamente ativos está sem trabalho.
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/apos-uma-decada-de-queda-na-desigualdade-milhoes-retornam-a-miseria/amp/?__twitter_impression=true&fbclid=IwAR0v3bG3hdBt8b_82ap1p5lKYUgrWSlqHvwH2TmyORFTbVm6OguMVk3pi1Q
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/apos-uma-decada-de-queda-na-desigualdade-milhoes-retornam-a-miseria/amp/?__twitter_impression=true&fbclid=IwAR0v3bG3hdBt8b_82ap1p5lKYUgrWSlqHvwH2TmyORFTbVm6OguMVk3pi1Q
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