Por Alice Lobato, da Amazônia Real*
O ano de 2019 foi marcado por altos índices dos desmatamentos e queimadas na Amazônia brasileira. Com a diminuição do fogo, em outubro, pode-se ver o tamanho das áreas que foram afetadas pelas chamas. Os governos, responsáveis pelas políticas públicas de proteção das florestas, não têm números de quantos animais silvestres morreram ou ficaram feridos durante os incêndios, que se intensificaram em agosto na floresta amazônica.
Mas algumas organizações não-governamentais, brigadista s independentes e homens que combateram os incêndios pelo Prevfogo (sigla para Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), testemunharam a morte de milhares de animais, entre eles, tatus, tamanduás, abelhas, gafanhotos, serpentes.
A brigadista voluntária Ana Daiane Costa, 24 anos – da Brigada de Alter do Chão – organização independente, recém-formada no distrito de Alter do Chão, em Santarém, no oeste do Pará (vale acompanhar suas páginas no Instagram e Facebook) – atuou de 14 a 18 de setembro, auge do combate aos incêndios que atingiram a Área de Preservação Ambiental (APA) Alter do Chão. Ela relatou à agência Amazônia Real o que presenciou durante a ação de apagar o fogo na floresta.
“Vimos bastantes insetos voando em todas as direções, muito gafanhotos, abelhas, entre outros. Uns conseguem fugir, outros vão de encontro ao fogo… É triste demais não poder salvá-los”, disse Ana Daiane Costa.
Cobra queimada em Alter do Chão / Foto: Brigada de Alter do Chão
Pedro Salomão, mestrando em biodiversidade na área de ecologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), também atuou como brigadista combatendo os incêndios na APA Alter do Chão. Após o fogo, ele retornou à área para estudar a regeneração da vegetação.
“Nesses dias registramos animais mortos: escorpião, um ratinho típico daqui… Acredito que [a causa das mortes] foi devida à fumaça, pois a área não estava queimado. Muitos animais se refugiaram em fragmentos de florestas como cupinzeiros, buracos de tatu”, disse Salomão.
No total, 11,7 quilômetros quadrados da APA Alter do Chão foram atingidos pelo fogo, uma área equivalente a 1.647 campos de futebol, ou 7,34% do tamanho de toda área de proteção ambiental. O Corpo de Bombeiros anunciou que o fogo foi controlado para a Agência Brasil.
Alter Chão é uma vila balneária distante 37 quilômetros por via terrestre de Santarém, oeste do Pará, e está localizada a 1.373 quilômetros da capital do estado, Belém. O balneário, cortado pelo rio Tapajós, é o principal ponto turístico da região, conhecido como Caribe da Amazônia.
Queimaduras e intoxicação
Incêndio florestal na APA Alter do Chão em 14 de setembro de 2019 Foto: Eugênio Scannavino
Para o biólogo Rogério Fonseca, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), é difícil quantificar as espécies mortas ou feridas nos incêndios na floresta amazônica. Ele afirma, também, que mesmo as espécies que escaparam do fogo não estão fora de perigo.
“Os animais foram afetados indiretamente por queimaduras, intoxicação por fumaça e, posteriormente, por falta de alimento”, diz o biólogo. Ele destaca que os animais mais vulneráveis ao fogo são, em primeiro lugar, insetos; depois sapos, rãs, pererecas, serpentes, lagartos. Em terceiro, as aves e, em quarto, os médios e pequenos mamíferos.
“Preguiças, tamanduás, quatis e, até mesmo, filhotes de felinos, como onças, e a fauna considerada invisível, como os insetos, são as espécies mais atingidas”, explica. Por outro lado, diz Fonseca, há animais que acabam se favorecendo, especialmente as espécies carnívoras e os comedores de carniça.
Porco espinho e tamanduá
No município de Apuí, no sul do Amazonas, segundo Domingos de Jesus Bonfim, Secretário Municipal de Meio Ambiente, em entrevista à agência Amazônia Real, os bombeiros resgataram do fogo animais como porco espinho e tamanduá-mirim. Apuí foi um dos que esteve permanentemente no topo dos registros de queimadas e incêndios na Amazônia.
“Um tamanduá já se recuperou aqui mesmo e foi devolvido [à floresta] e um outro que estava mais debilitado foi encaminhado para Manaus. Segundo relatos, assim que se recuperar eles irão devolvê-lo pra gente soltar”, disse o secretário. Bonfim não informou o local onde o animal está em tratamento.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os focos de incêndios florestais aumentaram em 95% em Apuí no ano de 2019 em relação a 2018: 2.117 registros contra 1.113 no período de 1o. de janeiro a 9 de outubro.
No bioma Amazônia, os focos de incêndios somaram, em agosto, 30.901 contra 10.421 no mesmo período de 2018. Na ocasião, os incêndios chamaram a atenção da imprensa internacional, mas, agora, perderam visibilidade. Leia a série Amazônia em Chamas.
Ameaçados de extinção
Araras se refugiam dos incêndios em toco de árvore na Estação Ecológica Cuniã, em Rondônia Foto: Michael Dantas/WWF-Brasil
A organização não-governamental internacional WWF – Brasil (sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza) produziu um relatório sobre os animais atingidos pelas queimadas, usando estatísticas da organização, cruzamento de seu banco de dados sobre a fauna e a flora da região, as informações sobre desmatamentos e queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente.
O relatório revela que existem 265 espécies ameaçadas de extinção nas áreas florestais da Amazônia atingidas pelo fogo: 180 da fauna e 85 da flora – 76% dessas espécies estão protegidas por algum instrumento de conservação, como Unidades de Conservação (UC) ou Planos de Ação Nacional (PAN).
A pesquisa considerou os seguintes locais:
– a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu,
– a Floresta Nacional do Jamanxim,
– a Área de Proteção Ambiental Tapajós,
– a Estação Ecológica Terra do Meio,
– a Floresta Nacional de Altamira e
– a Reserva Biológica Serra do Cachimbo, todas no estado do Pará.
Também foram incluídas no relatório a Floresta Nacional do Amanã, que fica entre o Amazonas e Pará, a Reserva Extrativista Jaci Paraná e Reserva Extrativista Rio Preto – Jacundá, em Rondônia, e a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
À reportagem, Marcelo Oliveira, especialista em Conservação da WWF–Brasil, disse que os impactos na fauna e na flora, a médio e longo prazo, devem ser maiores.
“A mudança na estrutura da floresta vai afetar a disponibilidade de abrigo e alimentos. Haverá mudanças na disponibilidade de frutas, por exemplo, e isso impactará espécies que dependem desse recurso. Por sua vez, outras espécies como os felinos, que dependem dessas presas, serão afetados como consequência. Há uma delicada conexão entre os seres da floresta e todos serão afetados de alguma forma. Além disso, a perda de habitat se configura como uma ameaça aos médios e grandes mamíferos. Para a onça-pintada, por exemplo, essa é uma das principais ameaças à sua sobrevivência”, explicou Oliveira.
De acordo com o relatório da WWF-Brasil, as queimadas acontecem em um cenário de declínio nas populações de animais nas florestas, como comprovou um recente estudo da organização, com a primeira avaliação global da biodiversidade florestal de 1970 a 2014. O documento mostra que as populações monitoradas de aves, mamíferos, anfíbios e répteis que vivem em florestas, diminuíram, em média, 53% no período estudado.
“A perda e a degradação de habitats causada principalmente pela atividade humana, como o desmatamento, é a causa de 60% das ameaças a florestas e espécies florestais. Os declínios foram maiores em florestas tropicais, como a floresta amazônica”, revela o relatório.
Quando envolve a fauna, o fogo é um tabu
Os brigadistas do Prevfogo
O biólogo Rogério Fonseca, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é responsável, desde 2016, pela capacitação e qualificação do contingente do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas, assim como do Policiamento Ambiental da Polícia Militar do Amazonas (BPAmb) e Polícia Rodoviária Federal, no correto manejo e contenção da fauna silvestre.
Fonseca disse que a atuação desses órgãos que combatem os incêndios se deu este ano em Manaus e na região metropolitana; contudo, houve informações de queimadas nos municípios de Boca do Acre, Lábrea, Humaitá, Manicoré e Apuí – regiões que estão dentro do arco de desmatamento. Para o biólogo, estes municípios “possuem a vegetação de ‘cerrado amazônico’ e, por isso, com predisposição a incêndios; vale ressaltar que, neste ano, a maior parte dos focos tem sido provocada por ação humana”.
Rogério Fonseca ressalta que a prevenção é sempre a melhor forma de evitar as consequências causadas pelos incêndios florestais na região. “A prevenção deveria ser a tônica do trabalho. Contudo, falar de fogo no Brasil é um tabu, ainda mais se envolver a fauna. Dá para se trabalhar de forma técnica e que minimize perdas, especialmente a da (de) fauna, pois mesmo em áreas em que o fogo é usado como tecnologia milenar de limpeza para o plantio, dá para se usar técnicas de afugentamento de fauna”, explicou o especialista.
O especialista da Ufam ainda destaca que a Amazônia pode desenvolver um trabalho preventivo de combate aos incêndios, pois possui um clima de padrões sazonais. No momento, segundo ele, as pesquisas estão focadas na parte qualitativa das queimadas e dos incêndios nos 62 municípios do Amazonas. Leia reportagem sobre o fogo em Humaitá.
“É justamente para fechar a análise de causa e efeito sobre a fauna, que dedicamos um pesquisador, de julho até o mês de dezembro deste ano, para determinar, com precisão, se as prefeituras colaboram ou recebem colaboração da defesa civil de vidas humanas, ou da nossa preciosa fauna”, explicou Fonseca.
O que diz o Ipaam?
Registro de queimada em área urbana da cidade de Humaitá, no Amazonas Foto: Michael Dantas/WWF-Brasil
Procurado, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que atua no resgate de fauna silvestre no Amazonas, se eximiu da responsabilidade pelos animais atingidos pelo fogo. O órgão informou à Amazônia Real que o trabalho de resgate de animais, em casos de incêndios, é realizado pelo Corpo de Bombeiros e pelo Ibama. “Lembramos também que o Ibama é quem cuida da fauna em vida livre; o Ipaam licencia a fauna em cativeiro”, esclareceu em nota.
Já a assessoria do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) respondeu, em nota, que “não houve registro de animais feridos” em suas operações. E continuou: “Mas se houvesse casos, os Bombeiros Militares resgatam os animais e encaminham aos órgãos de proteção ambiental”.
Na nota, a corporação dos bombeiros acrescentou que cerca de 57 bombeiros militares estão atuando diariamente na capital do Amazonas, na região metropolitana e Sul do Amazonas no combate aos incêndios. “Caso algum animal seja encontrado, a assessoria respondeu que eles são encaminhados para os seguintes órgãos Ipaam, Ibama ou Sema”.
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