domingo, 14 de abril de 2013

Reuso de água na academia >> Um exemplo a ser seguido....

Pesquisadores da UFRN desenvolvem projeto de aproveitamento de esgotos tratados que é exemplo para o Brasil, mas pouco conhecido no estado, mesmo num período crítico de estiagem


DO NOVO JORNAL em 06 de abril de 2013

Há doze anos pesquisando sobre o reuso controlado de água, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte é uma referência nacional no tema. A instituição tem sua própria Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) e aproveita 100% de seus efluentes, que asperge para a irrigação de dois campos de futebol e plantações experimentais irrigadas de milho, girassol e capim. Projetos que bem podiam estar sendo aproveitados interior adentro, quando o estado atravessa uma das piores secas da história.

“A gente tem feito pesquisas mostrando a excelência do reuso de água”, explica Cícero Onofre de Andrade Neto, engenheiro sanitarista e doutor em recursos naturais da UFRN.

Foto: Humberto Sales/NJ.
Humberto Sales/NJ
Estação de Tratamento de Esgotos da UFRN é autossustentável e vai além do tratamento dos efluentes
Para os agropecuaristas que reclamam do distanciamento da academia o que se faz na instituição federal voltado para a agropecuária é uma boa notícia. Os pesquisadores em recursos hídricos da UFRN desenvolveram uma tecnologia para fazer forragem hidropônica com esgoto tratado. Uma solução que poderia estar salvando rebanhos no semiárido em épocas como esta, de seca extrema, explica o pesquisador, que lamenta a falta de aplicação do método desenvolvido pela instituição.
A forrageira de milho hidropônico a partir de efluentes tratados pode produzira até 20 kg de massa verde por metro quadrado nos tabuleiro de produção a cada 20 dias. Uma forma de aproveitar o esgoto e acabar com a poluição dos reservatórios. No momento, os tabuleiros estão desativados, mas o projeto vai ser retomado com as pesquisas iniciadas e outras novas. Os nitratos, que tanto prejudicam o abastecimento humano, são nutrientes para o solo. O efluente, na verdade, é um adubo em estado líquido.A produção de forragem para o gado sai mais barata porque não usa os caros adubos químicos. Mas a grande vantagem é que, ao invés de um tratamento completo para retirar fosfatos e nitratos da água estaria utilizando como adubo para ração animal e sem poluir. Para Cícero Onofre, a iniciativa vale a pena porque beneficia a economia ambiental e a saúde pública.

A gestão da qualidade ambiental e dos recursos hídricos no Estado é de responsabilidade da Secretaria de Recursos Hídricos, esclarece o professor, que vê a necessidade de um despertar para o tema, diante da quantidade de efluentes que está se perdendo.

Cícero Onofre tem mais de 180 título publicados. Desses, cerca de 70 sãos relativos a reuso de água. Ele é o autor do Plano Nacional de Saneamento Básico do Ministério das Cidades.

ETE/UFRN
 
A Estação de Tratamento de Esgotos da UFRN deve inaugurar ainda este ano três novos equipamentos de bombeamento de efluentes tratados para aumentar seu sistema de irrigação de 100 m3 para 500 m3 por hora.

Segundo o engenheiro químico e sanitarista, coordenador da ETE, Antônio Hermes Bezerra, a estação recebe 100% do esgoto produzido na UFRN que, depois de tratado, é utilizado na irrigação dos dois campos de futebol. O excedente fica na própria estação. Há um projeto para irrigação com água de reuso de todos os canteiros e jardins da Universidade.

A ETE é autossustentável. Hoje produz capim forrageiro que é doado para algumas pessoas selecionadas. Tem 1,2 hectare de área. Segue as etapas de tratamento preliminar, secundário, terciário e reuso. Depois de entrar na ETE, o esgoto vai para uma estação elevatória seguindo para um tanque de oxidação da matéria orgânica, passando para o decantador secundário onde são retirados os resíduos sólidos em suspensão. O esgoto então segue para o tanque de cloração para tratamento terciário onde são removidos os micro-organismos patogênicos. Só então vai para o reservatório de efluente tratado. O lodo retirado segue o leito de secagem para desidratação.

A Estação faz parte do Projeto Hidráulico Sanitário da UFRN iniciado em 1983. Fica localizado em uma área de depressão ao lado da UFRN.

Reuso controlado da água é saída para esgotos
O Brasil precisa ter um plano nacional de reuso controlado da água e o Rio Grande do Norte mais ainda, principalmente, no momento em que se planeja a construção de novas estações de tratamento. O que vamos fazer com os esgotos tratados? Questiona Cícero Onofre.

O especialista critica que o reuso tem sido feito na maioria das vezes sem controle. “Do ponto de vista sanitário, ambiental, econômico, social e tecnológico, o importante é realçar o controle”, sublinha ele, uma das maiores autoridades nacionais no assunto.

Humberto Sales/NJ
Cícero Onofre: irrigação é a saída
 
Palavra de ordem no mundo inteiro, o reuso controlado tem como finalidade otimizar a água dos esgotos. Há um requisito de qualidade adequada para cada uso da água. E nem sempre a mais pura é a melhor que existe, destaca. “Água muito pura, deionizada, serve para pouca coisa. Não tem sais e nenhuma capacidade nutricional. Serve para apenas para a indústria farmacêutica, diluição de soluções e uso em indústrias mais sofisticadas na lavagem de chips de computador. Na verdade é uma solução”, comenta.

As plantas se nutrem de sais, inexistentes quando a água é muito pura. É um erro dizer que a planta retira os nutrientes do solo porque ela os retira da água que tem no solo, ensina o pesquisador. “A gente está fazendo o contrário: tira a água dos mananciais ideal para beber e destina para a irrigação. E utiliza a água com sais”, constata. A água com sais jogada nos mananciais é prejudicial à saúde humana e à vida nos próprios reservatórios.

Há diversas formas de tratar os esgotos, como retirar somente os sólidos, a matéria orgânica e os sais dissolvidos, que são processos muito caros, mas necessários se a água for descartada em mananciais.

Por outro lado, esclarece o professor, tratar esgoto para retirar micróbios, matéria orgânica e os sólidos, mas deixar os sais, é excelente para a irrigação. Para o especialista, o esgoto tratado pela ETE do Baldo pode causar danos ao meio ambiente, pois não há estudos concluídos sobre o impacto que esses efluentes despejados no Rio Potengi estão provocando. Por outro lado, a água poderia ser perfeitamente utilizada para a irrigação.  

Efluentes podem ser salvação da lavoura

A escassez de água no mundo para os processos produtivos, para o consumo humano e a crescente exigência por um meio ambiente saudável têm colocado a questão do reuso controlado na pauta dos países, explica Cícero Onofre de Andrade Neto. Ele adverte que para fazer reuso é preciso planejar, fazer projetos, identificar necessidades. 
O reuso é uma boa solução para reduzir a necessidade de captação de águas primárias em mananciais naturais que dessa forma podem ser preservados para usos mais restritivos, como o consumo humano, estabelece Andrade Neto. Novas técnicas de tratamento de águas residuais possibilitam o reuso controlado das águas em diversas formas e para várias finalidades. Há países que adotaram o reuso controlado e os que não têm controle sanitário e ambiental.

Dentre as formas mais comuns de reuso estão a recarga de aquíferos, no ajardinamento de condomínios residências, na indústria, nas áreas urbanas para fins não potáveis, na aquicultura e na irrigação. A indústria moderna, entre elas a química e cerâmica, tem diversos usos para a água e algumas utilizam o produto não potável, de custo mais baixo. “Então, não tem por que usar água potável”, diz o pesquisador.

Para o Rio Grande do Norte, explica o professor da UFRN, o reuso controlado de maior potencialidade é adequado para os municípios do interior, com uso urbano não potável e para a irrigação. “A melhor utilização que se pode dar aos esgotos tratados é para irrigação, que é mais barato e ao mesmo tempo se aproveita os nutrientes dos efluentes para a o desenvolvimento de culturas”, insiste.

A Estação de Tratamento de Esgotos do Baldo está tratando esse efluentes (400 litros por segundo) porque não houve planejamento para sua utilização na indústria ou na irrigação, critica Cícero Onofre. Ele cita exemplos com a Empresa de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), que vende água reutilizada dos esgotos para a indústria. Como consolo para Natal, são poucas cidades no Brasil que fazem isso.

Em qualquer forma, o reuso controlado de água é sempre melhor que o desperdício. Em edifícios, por exemplo, o investimento se paga de 5 a 10 anos. Segundo o professor, os edifícios são projetados para 50 anos e o reuso quando aplicado neste tipo de construção tem um retorno em 10% do tempo para que ele foi projetado. “O edifício inteligente do futuro é o que faz o uso racional de água e energia”, destaca.

Para evitar o desperdício e os danos ambientais causados pelos esgotos ou tratamentos equivocados, o Brasil precisa ter seu plano de reuso controlado, acrescenta Cícero Onofre.
O professor se mostra preocupado com o anúncio de projetos para sanear a capital potiguar em quase 100%, sem que haja um plano para reutilizar o esgoto tratado nem para retirar todos os nutrientes nocivos. Por isso, conclui, seria mais sensato utilizar essa água com sais para a irrigação do que descartá-la totalmente no estuário do Potengi.

A ETE do Baldo joga o efluente tratado no Rio Potengi, mas, junto vai o fosfato e o nitrato que causam a eutrofização (deteriorização) do manancial. O professor informa que somente agora está se fazendo, às pressas, estudos para se saber o impacto dos efluentes tratados e despejados no Potengi.

Por quê fazer reuso controlado?

Por causa da escassez de água para a produção/consumo humano, e a crescente exigência de um meio ambiente saudável
O reuso controlado reduz a necessidade de captação de águas primárias em mananciais naturais
As formas de reuso:
Para recarga de aquíferos
Em edifícios
Em indústrias
Reuso urbano não potável
Na aquicultura
Em irrigação
Para uso urbano
Irrigação de parques, jardins, áreas verdes e canteiros
Arborização e avenidas e rodovias
Melhoria da paisagem e do clima
Irrigação de campos recreativos
Alimentação de lagos artificiais ou naturais
Reservas de proteção contra incêndio
Lavagem de praças, pátios e vias públicas
As formas de reuso com maior potencialidade para o Rio Grande do Norte: urbano não potável e irrigação
Fonte: Cícero Onofre de Andrade Neto, especialista em reuso controlado da água

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