segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Farinhada: uma antiga prática comunitária e cooperativa que resiste ao tempo

Em Barra Grande é assim: enquanto o segundo semestre do ano é caraterizado pela temporada de férias e os ventos de setembro a dezembro atraem o turismo nacional e internacional, o primeiro semestre veste-se de chuvas que são um bálsamo para uma zona relativamente seca e há água para o crescimento e floração das plantas. Os homens e as ferramentas desfilam até a roça e, pouco a pouco, os frutos desse esforço começam a recompensar toda a comunidade.  A terra se encarrega do abastecimento de feijão, milho, melancia e outras frutas.
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Mas é a macaxeira, em particular, que oferece a possibilidade de transformar-se em um alimento bastante popular, tanto no Nordeste quanto no Brasil: a farinha de mandioca. E aqui, este pequeno recanto do litoral de Cajueiro da Praia, é um lugar onde ainda se conservam as práticas agrarias da farinhada, dando um valor incalculável a sua cultura.

Hoje, Barra Grande é conhecida pelo turismo e por ser uma das melhores praias para praticar esportes aquáticos, sobretudo o Kitesurfing. Mas, por trás de suas charmosas pousadas e passeios turísticos, esse vilarejo, em conjunto com todos os povoados do município de Cajueiro da Praia, continua mantendo tradições populares de seus habitantes nativos.
Não precisa ir muito longe para achar as chamadas “Casas de Farinha”, onde as pessoas reúnem-se para preparar esse popular e quase imprescindível alimento no Brasil. Eles juntam-se em grupos por famílias, desde o mês de Junho até o começo de setembro. O trabalho começa “na roça”, onde os homens plantam, cultivam e colhem a macaxeira, também chamada de mandioca.
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Depois, levam a colheita de carroça até a Casa de Farinha, onde se inicia a trabalhosa tarefa das mulheres, que descascam a mandioca.
Logo após serem descascadas, elas são colocadas em enormes piscinas cheias de água para amolecer e fermentar ou pubar.
Novamente, são os homens que carregam a mandioca até a máquina de serragem, que tritura a mandioca até que ela se torne uma massa, que depois vai direto para uma prensa de madeira, onde se extrai um líquido, que é tóxico e impróprio para consumo. Depois, ela é peneirada. O momento final deste processo artesanal do preparo da farinha é colocar o material seco em um forno à lenha para torrar.
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Aqui no Nordeste muitas pessoas falam que “prato sem farinha, não é comida”. Não à toa, o Brasil é o quarto produtor de farinha do mundo. Entre 2014 e 2015, a quantidade de mandioca processada cresceu 9,6%, totalizando 2,55 milhões de toneladas. Em 2015, a produção de fécula de mandioca foi a maior dos últimos 25 anos (fonte: Canal Rural).

Mas, por trás das grandes corporações produtoras, muitas famílias continuam com esta bela tradição iniciada com os indígenas – que sempre tiveram a mandioca como sua base alimentícia. Em Barra Grande, ainda encontramos resquícios destes costumes no trabalho comunitário das famílias que se juntam e cooperam para produzir sua própria farinha.
A Casa de Farinha pertence à Prefeitura, mas as famílias conversam e entre elas se dividem quanto aos dias da semana e o tempo que cada uma irá permanecer no espaço até que consigam terminar o trabalho.
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Dependendo da quantidade de chuvas, bem como do tamanho e da quantidade de mandioca que for processada, ela é transformada em farinha de puba ou branca.
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Muitas destas famílias ainda não encontraram outro jeito para garantir a quantia ideal para o consumo familiar: uma sacola de 50kg custa em torno de R$ 200,00. “Para uma família grande, não dura um mês!” conta Maria, mulher do dono da colheita.

Com nostalgia, as famílias também nos falam da preocupação quanto a falta de interesse dos jovens, o que já contribui para que essa tradição bem popular em todo o município de Cajueiro da Praia está se perdendo, devagarinho…
Quem ainda participa, informa que isso se deve a juventude de hoje em dia que “só quer ficar assistindo televisão, mexendo na internet, arrumando os cabelos e as unhas”, afirmam. Além disso, está faltando pessoal para trabalhar na roça.  “Agora ninguém quer mais trabalhar com trabalho pesado, só sabem viver na moleza”, vão nos contando, enquanto descascam aquela gigante montanha com enormes mandiocas.
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Antônio conta que, ao longo do processo, participam das farinhadas um número variado de pessoas e, cada vez mais, torna-se difícil achar o pessoal: “Antes todos trabalhavam e, em forma de pagamento, levavam um saco de farinha; mas, agora, a maioria das pessoas prefere o dinheiro”.

É justamente esse um dos grandes paradigmas das novas gerações: na era das redes sociais e da virtualidade, estamos perdendo a oportunidade de nos juntar com os nossos vizinhos, de nos olhar, conversar e produzir coisas juntos, inclusive os nossos alimentos.
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