Resolvi escrever estas linhas porque percebi que vários amigos, militantes e ativistas, tem repetido que o caminho para combater os apoiadores e as ideias da extrema direita é o banimento, seja nas redes ou no convívio social.
Quero dizer que discordo fortemente desta postura. Primeiro porque deixa o caminho livre para o crescimento das ideias reacionárias, renunciando a disputa de corações e mentes; depois, porque, se é verdade que cresce no mundo a base social que dá sustentação as ideias e ao programa da extrema direita, também é verdade que muito deste crescimento se dá em meio a confusão generalizada e a descrença na política institucional e nos políticos tradicionais.
Após o assassinato brutal e covarde da vereadora Marielle, pipocaram nas redes sociais mensagens que relativizam a tragédia, buscando ligar a trajetória dela ao crime organizado. Vejam, mesmo que ela fosse uma advogada do PCC (como foi a trajetória do atual Ministro do STF, Alexandre de Moraes, o mesmo que diz que aplicar as leis no Brasil é ser chamado de fascista), nenhum ser humano merece morrer de forma tão covarde. Ainda mais ela, que tem sua trajetória marcada pela defesa da vida, inclusive de policiais mortos em serviço e suas famílias. Sentimos asco desta postura e fomos as redes vociferar, xingar, reprimir e atingir publicamente todo e qualquer indivíduo que ousou demonstrar desconhecimento sobre o tema. Vejamos que, dados da FGV, coletados no Twitter nos 2 dias seguintes à execução, deram conta de que apenas 7% eram comentários de ódio. Como disseram por aqui, eram comentários criminosos, desprezíveis, mas extremamente minoritários.
Façamos um exercício de reflexão e respiremos fundo, várias vezes. É preciso diferenciar os agentes conscientes da extrema direita e os confusos. Esta é uma linha muito tênue, mas precisamos trilhar este caminho. Por exemplo, não há diálogo possível com Bolsonaro, Malafaia, Magno Malta e a escória da bancada da bala e da Bíblia no Congresso Nacional. São quadros políticos muito capazes e que sabem exatamente que, ao pregar ódio e intolerância política e religiosa, aumentam a sua base social de apoio, apostando na desinformação e na indigente educação política do brasileiro. Para estes, façamos o necessário combate permanente e cotidiano.
Mas bem, não acredito que a base de apoio real/orgânico da extrema direita seja, ainda, tão grande, ao ponto que estejamos às portas de um golpe de estado e a instauração de uma ditadura no Brasil. Do contrário, não seria nas redes e sim fisicamente, nas ruas, que faríamos o enfrentamento. Aliás, esta base de sustentação, se dá muito mais pela negativa do que pelo apoio direto as ideias e o programa fascistas ou neonazistas. O povo brasileiro, especialmente aquele que sofreu primeiro os efeitos da crise econômica internacional, os precarizados, os subempregados, os desempregados, os negros e moradores das periferias, aqueles que não conseguem pagar suas contas e colocar comida na mesa, estão fartos. Olhando para a política tradicional não enxergam alternativa viável e na qual confiem, deslocando seu apoio para aqueles que, demagogicamente dizem o que o povo quer ouvir. Enquanto a esquerda não elabora um programa alternativo para a segurança pública, limitando-se ao programa máximo revolucionário ou mais verbas para a polícia, a direita fala firme e pede punição.
Enquanto não apontamos uma saída para o desemprego, a direita diz que vai criar mais postos de trabalho, fala firme, valente, demagogicamente determinados a apresentar a solução. Foram décadas ligando o PT ao comunismo e buscando criminalizar tudo que estivesse ligado as bandeiras vermelhas. Quando este partido foi deposto do poder e foram desnudados os casos de corrupção em que estiveram envolvidos, a direita enxergou a oportunidade perfeita para, ao criminalizar esta organização, tentar levar junto os sindicatos, as organizações estudantis, os partidos da extrema esquerda e todos que usam vermelho.
Também é verdade que há uma crescente impaciência nossa, dos ativistas e militantes da esquerda. Perdemos a capacidade de dialogar, de convencer, de atingir corações e mentes. E também por isto, estamos perdendo espaço na realidade. Tomados pela emoção, vociferamos nas redes sociais, xingamos, acusamos, nos revoltamos e colocamos todo mundo na vala comum do fascismo. Cresce o apoio as ideias e ao programa abertamente fascista. Contudo, também é crescente a desinformação e a confusão.
“Negarmos a existência não fará desaparecer o problema. Muito pelo contrário!”
Todos nós, brasileiros e brasileiras, não estamos habituados ou treinados para lidar com as diferenças, apesar de sermos um dos países mais desiguais do mundo. Este não é um elemento secundário, é parte do projeto que a classe dominante aplica há séculos, para defender a sua hegemonia social. Todos nós crescemos ouvindo que futebol, política e religião não se discute. Pois bem, quando os resultados desta ideologia aparecem, não deveríamos nos surpreender. Lidar com as diferenças, respeitar os desiguais, requer empatia, capacidade argumentativa e muita, mas muita paciência. Fomos educados para fazermos o contrário: para sermos intolerantes, competitivos, individualistas, e agora, “lacradores”. É por aí que avança a meritocracia e a negativa reacionária em debater identidade de gênero e cultura política nas escolas, além da retirada de disciplinas críticas do currículo, como história e filosofia. A ignorância serve aos donos do poder.
O banimento de nossas redes ou do nosso convívio social é uma medida cômoda, acalma nosso ímpeto e nossa alma ferida. Mas é totalmente ineficiente e nos torna expectadores da realidade. O papel dos ativistas políticos é propor e lutar por um mundo novo, mais igual, mais justo, mais fraterno; nos furtarmos a este debate deixa uma avenida aberta para o crescimento de nossos adversários. Façamos a nossa luta! Disputemos nossas ideias e nosso programa. Lutemos para defender Marielle nas ruas, nas redes sociais e também nas reuniões de família.
Marielle é semente. Venceremos!
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