A Reforma da Previdência (PEC 6/19) que tramita no Congresso Nacional altera, dentre outras regras, a idade para a aposentadoria dos professores. Atualmente, as professoras se aposentam com 50 anos de idade e 25 de contribuição, e os professores com 55 anos de idade e 30 de contribuição.
Ainda há docentes que podem se aposentar apenas pelo tempo de contribuição.
Caso a Nova Previdência seja aprovada sem alterações, professores homens e mulheres só poderão se aposentar aos 60 anos de idade, com 30 anos de contribuição, regras válidas para os setores públicos e privados.
Essa alteração será especialmente prejudicial para as mulheres, que representam 80% da força de trabalho docente. Isso porque elas trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada: as tarefas domésticas e o trabalho remunerado, segundo o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“As mulheres trabalham de 12 a 14 horas por semana em casa, somando as atividades da escola e tarefas domésticas. É uma sobrecarga enorme sobre essa mulher”, diz Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Mudanças afetam também qualidade da educação
“Em geral, se diverge sobre muita coisa na educação, mas há um consenso: o que explica a qualidade da educação é o professor”, defende José Marcelino, docente na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o especialista, isso significa que, quanto melhor for a relação entre professores e alunos, melhores e mais significativas serão as aprendizagens. Mas para que isso ocorra, os educadores precisam de boas condições de trabalho, o que envolve da formação inicial à infraestrutura da escola, a quantidade de alunos por turma, a remuneração e a perspectiva de aposentadoria.
A lei vigente, instituída em 1999 por meio do Decreto 3048/99, Art. 64, entendeu que essas condições não estão garantidas, e que os educadores estão submetidos a mais desgastes do que os demais profissionais, além de desenvolverem muitas atividades fora da escola, como planejamento de aulas e correção de provas e tarefas — o que justifica as regras especiais.
Segundo a pesquisa Profissão Professor, realizada pela Fundação Itaú Social e o Todos pela Educação em 2018, quase metade dos professores (49%) não recomendaria a carreira para outras pessoas.
“Os professores já lecionam em salas superlotadas, recebendo de 60% a 70% do que ganha um profissional com nível de formação equivalente, e agora mexeram no único atrativo que a profissão tinha”, critica Marcelino.
Ainda para o docente, “todos os países que têm bom desempenho no PISA garantem condições de trabalho melhores para os professores do que o Brasil, atraindo os melhores alunos para a licenciatura. A partir do momento em que você acentua o processo de desvalorização da carreira docente, vai resultar em algo que já estamos mal, que é qualidade do ensino.”
Quais os caminhos?
O Brasil está envelhecendo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 30% da população brasileira tenha 65 anos ou mais em 2060. Com isso, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país seria gasto com a previdência – o que tornaria o sistema insustentável e afetaria ainda mais os cortes em Educação e Saúde.
Para Heleno Araújo, há outras medidas que precisam ser tomadas antes de considerar reformar o sistema previdenciário. “Antes de mudar a Previdência, é preciso fazer uma reforma tributária, porque no Brasil há uma concentração de riqueza brutal”, diz. Quase 30% da renda do país está nas mãos de apenas 1% da população, a maior concentração do tipo no mundo, segundo a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018.
Assim, o presidente da CNTE sugere que se aumente o imposto sobre a renda e reduza o imposto sobre o consumo. “Quem tem muito dinheiro paga muito pouco imposto. Mas pobres e ricos pagam igualmente os impostos sobre o consumo. Só essa alteração já economizaria muito mais dinheiro do que essa Reforma”, diz Araújo.
Além da proposta de Reforma Tributária, há outras emendas à PEC 6/19 sendo elaboradas para torná-la menos agressiva ao estado de direito e de bem-estar social. É o caso de Tabata Amaral, deputada federal pelo PDT de São Paulo, que propõe dentre outras emendas a priorização da aposentadoria dos professores, a retirada dos dispositivos que afetam trabalhadores rurais e a supressão dos itens propostos para o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Sobre a aposentadoria especial dos professores, o caso é mais complexo. Ou o governo aceita discutir uma política de valorização do magistério ou não aceitaremos a proposta apresentada para os professores.
Outro problema dessa reforma diz respeito ao esgotamento que muitos professores já demonstram. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aponta que 71% dos 762 profissionais de educação da rede pública de vários estados brasileiros, ficaram afastados da sala de aula após episódios que desencadearam problemas psicológicos e psiquiátricos nos últimos cinco anos.
Estudo conduzido pela Associação Nova Escola com mais de cinco mil educadores identificou que 66% deles já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde. Destes, 87% acreditam que o seu problema é ocasionado ou intensificado especificamente pelo trabalho.
Heleno Araújo argumenta que se a PEC 6/19 for aprovada, o Estado terá mais prejuízos, segundo ele, porque mais professores vão adoecer e novas contratações terão de ser feitas.
“O Estado vai ter que gastar com dois profissionais: o que está doente e o substituto. É o que já vemos hoje, mas será intensificado. Nosso trabalho significa cuidar das pessoas, uma dinâmica que exige muita atenção. Essa rotina do cuidado permanente com o ser humano, do processo de ensino-aprendizagem, é uma característica que exige cuidado especial a esse profissional”, alerta Araújo.
Fonte: Centro de Referências em Educação Integral.
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