quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Cidadania >> Projeto acende debate sobre custo dos cartões

12 Um projeto de decreto legislativo do Senado abriu um debate nacional sobre os cartões de crédito e débito, formas de pagamento cada vez mais presentes no dia a dia dos brasileiros. Aprovado pelos senadores no início deste mês, o PDS 31/2013 chega à Câmara em meio a polêmica.
 
A proposta, do senador Roberto Requião (PMDB-PR), torna sem efeito a Resolução 34/1989, do extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que proíbe aos comerciantes estabelecer preço diferenciado de venda para pagamentos em cartão de crédito. O objetivo, afirma o senador, é permitir que o comércio dê desconto nas compras à vista, pagas em dinheiro ou outros meios, como cheque.

Requião argumenta que o custo de operação dos cartões — a chamada taxa de desconto, que no crédito fica em torno de 2,5% a 5% do valor da compra e é paga pelo comerciante às credenciadoras, como Cielo e Redecard — é embutido no preço dos produtos de maneira uniforme, sem diferenciar forma de pagamento. Assim, todos os consumidores pagam mais, mesmo aqueles que não usam cartão. O desconto, que corrigiria essa distorção, tem apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e de outras organizações do setor varejista.Discordâncias

A ideia, porém, foi entendida de outra forma por entidades de defesa do consumidor. Manifesto assinado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela Associação Brasileira de Procons, entre outros órgãos, sustenta que a proposta é um retrocesso, pois compra em cartão é considerada como à vista e a diferenciação de preços é abusiva. Afirma também que o texto pode abrir brecha para aumentos, no caso de pagamento no cartão.
Requião discorda:

— É exatamente o contrário, pois eu autorizo a cobrar menos. Mas isso é jogo de interesses, é o jogo dos cartões: eles proíbem que se dê desconto.

 A Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, também se posicionou contra o projeto.
— Nossa preocupação é que não há garantia de diminuição de preço e corre-se o risco de haver acréscimo para cartões — explica a titular da secretaria, Juliana Pereira da Silva.

Juliana afirma que, mesmo que seja aprovado, o decreto terá pouco efeito, pois já há um entendimento consolidado (baseado em notas técnicas e no Código de Defesa do Consumidor) de que não pode haver preço diferenciado. Entretanto, a secretária ressalta que a proposta tem papel importante, pois levantou um debate essencial sobre uma questão complexa que precisa ser discutida por todos os envolvidos — a secretaria, o Ministério da Fazenda, órgãos de defesa do consumidor, instituições financeiras e entidades representativas do varejo.

— Não somos insensíveis ao clamor do comércio, que tem uma demanda legítima, pois arca com altas taxas. Mas o consumidor também paga pelo cartão, e não pode ser de novo penalizado. A questão é que o principal foco não está sendo levantado: os altos custos dos pagamentos eletrônicos. As instituições financeiras têm que se posicionar — defende.
Uma primeira discussão ocorre amanhã: o assunto será tratado em reunião da secretaria com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que integra Procons, Ministério Público e entidades civis.

Mercado crescente
O mercado de cartões de pagamento cresce a um ritmo impressionante no Brasil. A expansão tem ficado em torno de 17% ao ano. Em 2013, chegou a R$ 853 bilhões o volume transacionado em crédito e débito, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). Hoje 50% dos brasileiros acima de 18 anos têm cartão de crédito.

Pagar com cartão é prático, seguro. Mas essa expansão fabulosa do setor é financiada por toda a população, porque todo produto traz embutido o custo de operação, e quem não usa paga por quem usa, frisa Cácito Esteves, advogado da CNC. Para ele, a restrição ao preço diferente não se justifica.

— Ela impede a concorrência entre as formas de pagamento. O dinheiro passa a ser desvantajoso, o que cria vantagem competitiva para a indústria do cartão. É por isso que no Brasil se pagam as maiores tarifas de intermediação do mundo.

Esteves contesta os argumentos de que a diferenciação de preço poderia acarretar encarecimento nas vendas no cartão. Ele explica que os custos da operação já estão inseridos nos preços e afirma que o que o comércio quer é poder vender mais barato. Diz que o lojista não precisaria de “desculpa” para aumentar preço, se quisesse, pois o Brasil tem uma economia de livre precificação, em que não há dispositivos para limitar aumentos.

— Então aumentar preço pode, mas dar desconto, não? O Senado teve a coragem de enfrentar esse tema pela óptica correta, que é a do consumidor.

O consultor legislativo do Senado Paulo Springer também acredita que abolir a restrição aumentaria a competição entre os meios de pagamento, o que poderia provocar a redução nas tarifas. Essa foi uma das recomendações do estudo Mercado de Cartões de Crédito no Brasil, publicado por ele em 2007. O consultor aborda outra questão relativa ao mercado dos cartões: o subsídio cruzado.

— Os consumidores que não pagam com cartão (em geral, de menor poder aquisitivo) subsidiam aqueles que utilizam o cartão em suas compras.
Essa distribuição de renda “às avessas”, em que o mais pobre subsidia o mais rico, é reafirmada em relatório do Banco Central sobre o setor, de 2010.

O argumento também embasa o projeto de Requião. O senador ressalta que o consumidor que compra com cartão paga mais, mas tem compensações, como a milhagem. “Já os mais desafortunados economicamente, que não têm acesso a cartão de crédito, tornam-se obrigados a pagar o mesmo preço pela mesma compra, sem que lhes seja dada qualquer vantagem em troca”, observa.

Descontos velados
Na prática, o desconto já é procedimento comum no comércio, mesmo que velado. A grande maioria dos clientes que compram em dinheiro pede desconto. Em geral, é possível dar uma redução de 5% — relata Ênio Pablo, gerente de loja de calçados num shopping de Brasília.

Juliana Pereira da Silva diz que nenhum órgão de defesa do consumidor é contra a pechincha, a negociação; o problema é fixar preço diferente, dependendo do pagamento. A CNC, porém, pondera que oferecer desconto às vezes é um risco para o lojista, que pode ser acusado de prática abusiva. Além disso, os contratos das credenciadoras de cartões com os lojistas têm cláusulas que proíbem a redução de preço para pagamento em dinheiro.

A Abecs não se pronunciou sobre o preço diferenciado, mas afirmou em nota que acompanhará o projeto na Câmara e frisou que o cartão exerce papel cada vez mais importante como pilar “da inclusão financeira e do acesso ao mercado de consumo, sobretudo para as classes emergentes”. Hoje a associação divulga novo balanço do setor. A estimativa para este ano é de que o volume de transações em cartão atinja a marca histórica de R$ 1 trilhão.

Fonte: Jornal do Senado

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