Um projeto de decreto legislativo do
Senado abriu um debate nacional sobre os cartões de crédito e débito,
formas de pagamento cada vez mais presentes no dia a dia dos
brasileiros. Aprovado pelos senadores no início deste mês, o PDS 31/2013
chega à Câmara em meio a polêmica.
A proposta, do senador Roberto Requião (PMDB-PR), torna sem efeito a
Resolução 34/1989, do extinto Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor, que proíbe aos comerciantes estabelecer preço diferenciado
de venda para pagamentos em cartão de crédito. O objetivo, afirma o
senador, é permitir que o comércio dê desconto nas compras à vista,
pagas em dinheiro ou outros meios, como cheque.
Requião argumenta que o custo de operação dos
cartões — a chamada taxa de desconto, que no crédito fica em torno de
2,5% a 5% do valor da compra e é paga pelo comerciante às
credenciadoras, como Cielo e Redecard — é embutido no preço dos produtos
de maneira uniforme, sem diferenciar forma de pagamento. Assim, todos
os consumidores pagam mais, mesmo aqueles que não usam cartão. O
desconto, que corrigiria essa distorção, tem apoio da Confederação
Nacional do Comércio (CNC) e de outras organizações do setor
varejista.Discordâncias
A ideia, porém, foi entendida de outra forma por
entidades de defesa do consumidor. Manifesto assinado pelo Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela Associação Brasileira
de Procons, entre outros órgãos, sustenta que a proposta é um
retrocesso, pois compra em cartão é considerada como à vista e a
diferenciação de preços é abusiva. Afirma também que o texto pode abrir
brecha para aumentos, no caso de pagamento no cartão.
Requião discorda:
— É exatamente o contrário, pois eu autorizo a
cobrar menos. Mas isso é jogo de interesses, é o jogo dos cartões: eles
proíbem que se dê desconto.
A Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, também se posicionou contra o projeto.
— Nossa preocupação é que não há garantia de
diminuição de preço e corre-se o risco de haver acréscimo para cartões —
explica a titular da secretaria, Juliana Pereira da Silva.
Juliana afirma que, mesmo que seja aprovado, o
decreto terá pouco efeito, pois já há um entendimento consolidado
(baseado em notas técnicas e no Código de Defesa do Consumidor) de que
não pode haver preço diferenciado. Entretanto, a secretária ressalta que
a proposta tem papel importante, pois levantou um debate essencial
sobre uma questão complexa que precisa ser discutida por todos os
envolvidos — a secretaria, o Ministério da Fazenda, órgãos de defesa do
consumidor, instituições financeiras e entidades representativas do
varejo.
— Não somos insensíveis ao clamor do comércio,
que tem uma demanda legítima, pois arca com altas taxas. Mas o
consumidor também paga pelo cartão, e não pode ser de novo penalizado. A
questão é que o principal foco não está sendo levantado: os altos
custos dos pagamentos eletrônicos. As instituições financeiras têm que
se posicionar — defende.
Uma primeira discussão ocorre amanhã: o assunto
será tratado em reunião da secretaria com o Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor, que integra Procons, Ministério Público e entidades
civis.
Mercado crescente
O mercado de cartões de pagamento cresce a um
ritmo impressionante no Brasil. A expansão tem ficado em torno de 17% ao
ano. Em 2013, chegou a R$ 853 bilhões o volume transacionado em crédito
e débito, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões
de Crédito e Serviços (Abecs). Hoje 50% dos brasileiros acima de 18
anos têm cartão de crédito.
Pagar com cartão é prático, seguro. Mas essa
expansão fabulosa do setor é financiada por toda a população, porque
todo produto traz embutido o custo de operação, e quem não usa paga por
quem usa, frisa Cácito Esteves, advogado da CNC. Para ele, a restrição
ao preço diferente não se justifica.
— Ela impede a concorrência entre as formas de
pagamento. O dinheiro passa a ser desvantajoso, o que cria vantagem
competitiva para a indústria do cartão. É por isso que no Brasil se
pagam as maiores tarifas de intermediação do mundo.
Esteves contesta os argumentos de que a
diferenciação de preço poderia acarretar encarecimento nas vendas no
cartão. Ele explica que os custos da operação já estão inseridos nos
preços e afirma que o que o comércio quer é poder vender mais barato.
Diz que o lojista não precisaria de “desculpa” para aumentar preço, se
quisesse, pois o Brasil tem uma economia de livre precificação, em que
não há dispositivos para limitar aumentos.
— Então aumentar preço pode, mas dar desconto,
não? O Senado teve a coragem de enfrentar esse tema pela óptica correta,
que é a do consumidor.
O consultor legislativo do Senado Paulo Springer
também acredita que abolir a restrição aumentaria a competição entre os
meios de pagamento, o que poderia provocar a redução nas tarifas. Essa
foi uma das recomendações do estudo Mercado de Cartões de Crédito no Brasil, publicado por ele em 2007. O consultor aborda outra questão relativa ao mercado dos cartões: o subsídio cruzado.
— Os consumidores que não pagam com cartão (em
geral, de menor poder aquisitivo) subsidiam aqueles que utilizam o
cartão em suas compras.
Essa distribuição de renda “às avessas”, em que o
mais pobre subsidia o mais rico, é reafirmada em relatório do Banco
Central sobre o setor, de 2010.
O argumento também embasa o projeto de Requião. O
senador ressalta que o consumidor que compra com cartão paga mais, mas
tem compensações, como a milhagem. “Já os mais desafortunados
economicamente, que não têm acesso a cartão de crédito, tornam-se
obrigados a pagar o mesmo preço pela mesma compra, sem que lhes seja
dada qualquer vantagem em troca”, observa.
Descontos velados
Na prática, o desconto já é procedimento comum no comércio, mesmo que velado. A grande maioria dos clientes que compram em
dinheiro pede desconto. Em geral, é possível dar uma redução de 5% —
relata Ênio Pablo, gerente de loja de calçados num shopping de Brasília.
Juliana Pereira da Silva diz que nenhum órgão de
defesa do consumidor é contra a pechincha, a negociação; o problema é
fixar preço diferente, dependendo do pagamento. A CNC, porém, pondera
que oferecer desconto às vezes é um risco para o lojista, que pode ser
acusado de prática abusiva. Além disso, os contratos das credenciadoras
de cartões com os lojistas têm cláusulas que proíbem a redução de preço
para pagamento em dinheiro.
A Abecs não se pronunciou sobre o preço diferenciado, mas afirmou em
nota que acompanhará o projeto na Câmara e frisou que o cartão exerce
papel cada vez mais importante como pilar “da inclusão financeira e do
acesso ao mercado de consumo, sobretudo para as classes emergentes”.
Hoje a associação divulga novo balanço do setor. A estimativa para este
ano é de que o volume de transações em cartão atinja a marca histórica
de R$ 1 trilhão.
Fonte: Jornal do Senado
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