No
próximo dia 28 de janeiro, o Brasil celebra o Dia Nacional de Combate
ao Trabalho Escravo. A data é uma homenagem ao assassinato dos auditores
fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista
Soares Lage e Nelson José da Silva, e o
motorista Ailton Pereira de Oliveira, no ano de 2004, quando apuravam
denúncia de trabalho escravo na zona rural de Unaí (MG). A data foi
oficializada em 2009, no entanto, essa luta é mais antiga. Desde o
início dos anos 1970, a Igreja, com dom Pedro Casaldáliga, e a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), organismo vinculado à Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), tem denunciado a utilização do trabalho escravo
na abertura das novas fronteiras agrícolas do país.
A CPT foi pioneira no combate ao trabalho
escravo e levou a denúncia às Organização das Nações Unidas (ONU). “A
Igreja precisava tomar um posicionamento diante da realidade já muito
explícita de trabalho escravo no Brasil, o Governo negava que existia
esse tipo de situação”, disse o assessor da Comissão Episcopal Pastoral
para o Serviço da Caridade, Justiça e da Paz, padre Ari Antônio dos
Reis. Com isso, o Estado se comprometeu em criar uma estrutura de
combate a esse crime em território brasileiro.
De acordo com a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), o trabalho escravo apresenta características bem
delimitadas. Além das condições precárias, como falta de alojamento,
água potável e sanitários, por exemplo, também existe cerceamento do
direito de ir e vir pela coação de homens armados. Os trabalhadores são
forçados a assumir dívidas crescentes e intermináveis, com alimentação e
despesas com ferramentas usadas no serviço.
Por parte do Estado, existem ações que
podem auxiliar no combate ao trabalho escravo, como por exemplo, a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438. A "PEC do Trabalho Escravo"
é considerada um dos projetos mais importantes de combate à escravidão,
tanto pelo forte instrumento de repressão que pode criar, mas também
pelo seu simbolismo, pois revigora a importância da função social da
terra, já prevista na Constituição.
A PEC 438 foi apresentada em 1999, pelo
ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), e propõe o confisco de propriedades
em que forem encontrados casos de exploração de mão-de-obra equivalente à
escravidão, e/ou lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a
maconha. A PEC 438/2001 define ainda que as propriedades confiscadas
serão destinadas ao assentamento de famílias como parte do programa de
reforma agrária.
A Igreja do Brasil está atenta à realidade
do tráfico humano. Prova disso, é que a Campanha da Fraternidade de
2014 terá como tema “Fraternidade e Tráfico Humano” e lema “É para a
liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). “A partir do trabalho e da
reflexão dentro da CNBB, e do Conselho de Pastoral, foi aprovado para a
Campanha da Fraternidade de 2014, tratar do trabalho escravo, por sua
vez, ligado ao tráfico humano. Então nós vamos trabalhar na Campanha
essas duas propostas: a denúncia do tráfico de pessoas e trabalho
escravo, e todas as consequências que essas denúncias trazem para a
Igreja”, explicou padre Ari.
De acordo com a secretária do Grupo de
Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Tráfico Humano, da CNBB, irmã Claudina
Scapini, o trabalho escravo é uma entre as modalidades do tráfico
humano. “O trabalho escravo, a exploração sexual, o tráfico de órgãos, e
a adoção irregular, são, para nós, as grandes modalidades do tráfico de
seres humanos”, afirmou.
Segundo os últimos dados da Campanha
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, os casos de trabalho escravo em
2012, somaram 189, com a libertação de 2.723 trabalhadores, em todo o
país. Ainda de acordo com as informações, o número de trabalhadores
resgatados do trabalho escravo cresceu 9% em relação a 2011. Os maiores
índices foram encontrados na região Norte, onde foi registrada metade do
número total de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão, e
39% dos que chegaram a ser resgatados.
No ano de 2011, o estado do Pará havia
deixado de ser o campeão permanente do ranking entre os estados, pelo
número de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão. Já em
2012, voltou ao topo do ranking em todos os critérios: número de casos
(50), número de trabalhadores envolvidos (1244) e número de libertados
(519). O Tocantins vem logo em seguida com 22 casos, 360 envolvidos e
321 libertados (três vezes mais que em 2011).
No estado do Amazonas, onde a fiscalização
passou a operar mais recentemente, foram identificados 10 casos, e
resgatados quase três vezes mais trabalhadores do que no ano anterior:
171 pessoas. Alagoas, em apenas um caso, passou de 51 para 110
trabalhadores resgatados e o Piauí (com 9 casos), de 30 para 97.
Outro dado que chama a atenção é o aumento
da participação da região Sul na prática desse crime. Em 2011, foram
registrados na região 23 casos, envolvendo 158 trabalhadores, sendo que
154 foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
De uma forma geral, os números mostram que
houve resgate de trabalhadores em 20 estados, o que demonstra que essa
prática criminosa persiste de norte a sul do nosso país, mesmo diante
das ações de órgãos do governo e de organizações sociais que lutam pelo
seu fim. A CNBB é aliada ao combate desse tipo de prática, fazendo o
chamamento ao diálogo de dioceses, paróquias, comunidades e entidades
ligadas à missão pastoral.
Persistem alguns desafios para o Estado, a
Igreja e a sociedade civil, voltados na perspectiva de enfrentamento e
superação desta situação. Destacam-se a fiscalização eficiente, a
mobilização social contra esta prática, a reforma agrária, superação da
miséria. A impunidade, ainda constante, precisa ser combatida. Na
chacina de Unaí, nove anos depois, nenhum dos nove réus indiciados foi
julgado. Agora são oito réus, pois Francisco Elder Pinheiro, acusado de
ter sido o contratante dos pistoleiros, morreu no último dia 7 de
janeiro, aos 77 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
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