Fonte: Site Carta Potiguar |
Nos
dias pós-eleições, o destilar de preconceito regional e racismo de
classe já nem constitui mais novidade. Mais uma vez, o bom desempenho
do PT nas eleições presidenciais, alavancado pelos expressivos
resultados nas regiões Norte/Nordeste – Dilma obteve 50,52% e 59,58%,
respectivamente -, trouxe à tona antigos rancores e injúrias contra
essas regiões e os mais pobres em geral. A tese da responsabilização e
culpabilização dessas regiões e camadas sociais pela vitória e
manutenção do PT tornou-se uma constante desde pelo menos as eleições de
2006. Ela não se restringe ao esgoto das redes sociais, muito embora
estas sejam as principais protagonistas de propagação das odiosas
ofensas e preconceitos. Podemos observá-la, coberta com os devidos
disfarces da objetividade jornalística e da constatação empírica, nas
páginas dos articulistas nos principais jornais e revistas do país, como
é o caso do artigo de Reinaldo Azevedo no qual chama o PT de “partidos
de grotões”
No
fundo, não há grandes diferenças entre os ataques sórdidos e explícitos
disfarçados de desabafos nas redes sociais e algumas ditas análises do
mapa eleitoral de distribuição do voto, pois elas compartilham uma mesma
motivação de desqualificação e sentimento de indignação contra a
cidadania de nordestinos e pobres. Não suportam a ideia de que a
cidadania destes, seu voto e suas preferenciais políticas, possua o
mesmo valor do que a cidadania de cidadãos escolarizados, “produtivos” e
“pagadores de impostos”. No Brasil, ainda vige de maneira persistente
um verdadeiro e profundo ódio à igualdade, produto das feições
aristocráticas ainda existentes nas camadas dominantes da sociedade
brasileira.
Nesse sentido, o voto dessas regiões e camadas sociais seria tão
somente a expressão das mazelas socioeconômicas que as acometem e as
tornam docilmente manipuláveis e sugestivas. Na definição do voto, não
haveria a atuação de ideais, reflexividade, identificação com projetos,
discernimento, todas essas disposições de autonomia pessoal extremamente
valorizadas numa ordem social individualista, mas apenas o efeito bruto
e tacanho do analfabetismo, da despolitização, da dependência estatal,
do clientelismo, da miséria, do oportunismo. Enfim, tudo o que, na
mentalidade classista dos que se desejam super cidadãos e reclamam
privilégios por sua condição e autoimagem social, representa e significa
o atraso, o arcaico, o subdesenvolvido e o parasitismo, velho estigma
lançado, por diversas vias, sobre as regiões Norte/Nordeste.
Muito embora, tenhamos aqui a caução ideológica para legitimação e
afirmação de antigos estigmas e preconceitos contra o Nordeste, os
nordestinos e os mais pobres em geral, porém, no que diz respeito a esta
polarização regional e de classe bastante visível na distribuição dos
votos, estamos diante de um fenômeno novo, que se articula a uma
conflito nuclear da sociedade brasileira, e cujas camadas de preconceito
e infâmia somente embotam o seu real entendimento e alcance.
Trata-se de uma mudança recente nas clivagens do eleitorado
brasileiro no tocante à identificação e adesão das classes sociais aos
projetos políticos em disputa. A tese é do cientista político André
Singer, segundo a qual, junto ao lulismo e seu empenho redistributivo,
emergiu no Brasil das últimas décadas um novo realinhamento eleitoral
cuja expressão ideológica não consiste numa polarização
direita/esquerda, mas sim entre ricos/pobres e, por razões históricas e
sociológicas de nossa formação social, com forte acento e repercussão
regional.
Conforme as pesquisas sobre dados eleitorais de André Singer, a
histórica tendência dos mais pobres pelo voto nos candidatos e projetos
mais conservadores se rompeu – vale lembrar que, em 1989, Lula perdeu
justamente entre os mais pobres e venceu Collor entre os mais
escolarizados e na classe média. As dificuldades materiais, simbólicas e
sociais que a pobreza impõe para a organização política dos mais
pobres, tanto para defender seus interesses, fazendo valer suas vozes na
vida pública, quanto para proteger-se dos efeitos de mudanças bruscas,
explica o porque da identificação e aliança com os segmentos políticos
mais conservadores ou com figuras políticas carismáticas que, do alto,
possam realizar as mudanças ansiadas.
Nesse sentido, de acordo com a análise de Singer, os mais pobres, que
ele chama de subproletariado, que sempre se manteve distante de Lula,
encontrou o presidente operário, a partir do segundo mandato, a
concretização de uma expectativa por um Estado que busca, com medidas
redistributivas, incluir e melhorar as condições de vida e de acesso à
recursos escassos dos mais pobres sem ameaçar de maneira radical, por
outro lado, a ordem estabelecida – estabilidade econômica, juros baixos,
inflação controlada, e estabilidade política. Os dados e resultados das
últimas eleições comprovam o vigor da tese de Singer, assim como a
ideia de que o realinhamento eleitoral prescinde agora de uma figura
carismática de identificação.
Este realinhamento entre ricos/pobres e a formação de um bloco de
poder em que os mais pobres, ainda que não de maneira autônoma e protagonista,
assumem um lugar e um poder de decisão nos rumos do país capaz de alçar
e pautar seus problemas e expectativas ao plano principal das ações do
Estado e da agenda das principais lideranças e forças políticas do país,
o que incomoda e machuca duramente aqueles que, por tanto tempo, se
acostumaram a conceber somente a si e os seus como cidadãos – como
sujeitos políticos e de direitos -, relegando todos os demais à
condição de resto, de excluído, de esquecido, de massa e subcidadão.
Assim, é sob esse novo contexto de polarização que novas e antigas
tensões afloram e se alimentam, trazendo à luz todas as cisões,
desigualdades, as formas de desrespeito e inferiorização naturalizadas e
os frágeis consensos normativos sobre o valor da pessoa humana que
caracterizam a sociedade brasileira.
______________________________ _________________
Abaixo o link para um coletânea odiosa de preconceitos,
ignorância e racismos variados, expelida nas redes sociais contra o
Nordeste e os nordestinos: http://essesnordestinos. tumblr.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário