A imprensa brasileira, sempre tão independente e isenta, acaba de criar uma nova modalidade de entrevista: o jornalista pergunta e ao mesmo tempo responde.
Levado ao palco da inquisição da Globo News, Fernando Haddad parecia um monge tibetano meditando, tentando se defender, nas poucas brechas que lhe davam, enquanto seus ansiosos inquiridores se alternavam nas acusações contra Lula, Dilma e o PT.
Foi um bombardeio sem tréguas, na mesma quinta-feira do atentado a Jair Bolsonaro, sem dar tempo para o entrevistado respirar e falar com quem lhe interessava, ou seja, sua excelência, o eleitor.
Em Curitiba, nem Sergio Moro e Daltan Dallagnol eram tão implacáveis com os petistas, a ponto de anunciar a sentença antes mesmo que o acusado e seus advogados pudessem se defender.
Nem se pode falar em debate, como se os entrevistadores fossem candidatos também, porque neste formato há pelo menos um mediador e regras mínimas de civilidade.
Isolado num canto do palco, sem direito a defesa nem moderação, Fernando Haddad, que é também o coordenador do programa de governo do PT, ainda no papel de vice e virtual substituto de Lula na próxima semana, saiu maior do que entrou no estúdio, e o jornalismo brasileiro mais uma vez se apequenou.
O programa serviu apenas para revelar, a quem ainda não o tinha visto nos palcos globais, que o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo é um dos mais preparados e competentes políticos da nova geração.
Nem deram chances de o candidato petista apresentar suas ideias e projetos sobre o que pretende fazer caso seja eleito, contrariando as pesquisas e o desejo dos jornalistas da GN.
Como diria Moro, programa de governo com propostas para o país, não vem ao caso.
Com base na fajuta pesquisa Globo/Ibope sem o nome de Lula, divulgada pela emissora na véspera, os jornalistas queriam lhe provar que o PT não tem mais chances nesta eleição, depois de todos os malfeitos cometidos nos últimos anos.
O que mais me chamou a atenção nos colegas que o entrevistaram foi a uniformidade de pensamento, o interrogatório padronizado, como se um único jornalista tivesse preparado as perguntas.
Parecia um jogral bem ensaiado, sem direito a dúvidas ou ao contraditório.
Faltam agora exatos 30 dias para a mais bizarra e imprevisível eleição depois da ditadura militar, que nunca foi tão lembrada pelos saudosistas do regime fardado.
Jair Bolsonaro sobreviveu ao atentado de Juiz de Fora e está fora de perigo, mas nossa jovem democracia continua na UTI, correndo sérios riscos de vida, antes e depois da apuração dos votos.
Entrevistas como esta da Globo News com Fernando Haddad certamente não contribuem para que o eleitor possa serenamente fazer as suas escolhas.
Só tornam o clima ainda mais beligerante nas ruas e nas redes sociais. É uma pena e é um perigo para todos, candidatos e eleitores.
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