A tragédia de Mariana, que deixou 19 mortos e um rastro de lama e destruição ao longo de 600 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, completará dois anos em novembro. Mas, até agora, as principais multas impostas pelos órgãos ambientais dos governos federal e dos dois Estados afetados à mineradora Samarco, dona da barragem que se rompeu, ainda não foram pagas. Das 68 penalidades, que totalizam quase 552 milhões de reais, 67 estão em fase de recurso. Apenas uma, parcelada em 59 vezes, começou a ser quitada: o valor corresponde a 1% do total.
Levantamento do EL PAÍS junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aponta que o órgão federal aplicou 24 autos de infração à mineradora por motivos ligados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A Samarco recorreu de todos: 22 ainda estão na primeira instância administrativa do órgão e outros dois na segunda; se perder nas duas instâncias, a empresa ainda pode recorrer à Justiça, somando suas penalidades à longa lista de multas do Ibama ainda não pagas devido ao grande número de recursos disponíveis.
Segundo o Ibama, o total de penalidades aplicadas pelo órgão federal à Samarco totaliza 344,85 milhões de reais. A última delas é de fevereiro deste ano, com data de vencimento em março, segundo o auto de infração, que explica que a penalidade se deve ao fato de a mineradora deixar de atender a exigências legais após ser notificada pelas autoridades. Foi a quarta multa aplicada em 2017 relacionada ao rompimento da barragem, por situações que incluem, por exemplo, a entrega em desconformidade do que foi fixado pelo Ibama em um programa de busca e resgate de fauna afetada pela lama.
A situação não é diferente nos órgãos ambientais estaduais, que aplicam sanções adicionais às do Ibama. Dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais apontam que desde o desastre foram aplicadas 38 multas à mineradora, totalizando 205,86 milhões de reais. Destas, 37 estão em fase de recurso. Só uma, a primeira, aplicada logo em novembro de 2015 e chamada pelo órgão de "multão" por se referir ao rompimento da barragem em si, começou a ser paga. O valor original era de 112,7 milhões, que acabou atualizado para 127,6 milhões. A Samarco parcelou a dívida em uma entrada de 6,38 milhões —o único valor pago do total das multas aplicadas pelos dois órgãos até agora— e outras 59 parcelas que, em média, custarão dois milhões de reais cada. Apenas para efeito de comparação, o lucro líquido de uma das donas da mineradora, a Vale, foi de 7,89 bilhões de reais nos três primeiros meses deste ano, um valor 25% maior que o mesmo período de 2016.
No Espírito Santo, todas as seis multas aplicadas pelo Governo estão em fase de recurso. Elas totalizam cerca de 1,25 milhão de reais, segundo o secretário de Meio Ambiente, Aladim Cerqueira. "Nenhuma até agora foi paga. A empresa entrou com recurso. Essa questão dos prazos [para o pagamento de multas] é algo estrutural, de muito tempo. Reconhecemos que temos que melhorar o sistema e estamos investindo nisso", afirma ele, que aponta processos na secretaria que estão tramitando há cinco anos. Ele ressalta, entretanto, que apesar da demora, as empresas multadas costumam sanar a situação flagrada. No caso da Samarco, ressalta ele, foi feito um acordo para que sejam implementados programas para diminuir os danos provocados.
A Samarco afirma que recorre das multas por entender que "há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões que precisam ser reavaliados e, por isso, aguarda a decisão administrativa das defesas apresentadas". A empresa afirmou, ainda, que em 2016 aplicou dois bilhões de reais nas ações de reparação e compensação assumidas em um Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016 com os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo. "Outros investimentos continuam sendo feitos pela Fundação Renova, entidade sem fins lucrativos que assumiu em agosto de 2016 a responsabilidade de implementar todos os programas do TTAC".
Morosidade das punições
O não pagamento das multas é mais um exemplo de como o desastre tem sido punido a passos lentos. O processo criminal, que pode levar para a cadeia diretores da Samarco e de suas proprietárias, a Vale e a BHP Biliton, foi paralisado pela Justiça federal, para a análise de um pedido da defesa que argumenta que houve o uso de provas ilegais no processo. Segundo o juiz do caso, que deferiu a suspensão, as alegações da defesa, se comprovadas, podem acabar por cancelar o processo, levando-o à estaca zero. A ação criminal julga a denúncia do Ministério Público Federal, que acusou a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e 21 diretores das três empresas por suspeita de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais em decorrência da tragédia.
Dois destes diretores — o ex-presidente da Samarco Ricardo Vescovi e o ex-diretor de operações da mineradora Kleber Terra— alegaram à Justiça que a investigação usou informações de grampos telefônicos coletadas fora do período autorizado pela Justiça. O processo está suspenso até que as companhias telefônicas informem o período exato de coleta das informações. O procurador-geral da República Eduardo Aguiar nega que os grampos duraram para além do prazo autorizado e diz que a confusão de datas pode se dever à demora na notificação da Justiça às companhias telefônicas para o início da interceptação telefônica, cujo prazo de vigência é de 15 dias.
Aguiar é um dos oito procuradores da força-tarefa montada pelo MPF para investigar o desastre da barragem de Fundão. Eles também são responsáveis pela ação civil pública movida contra a empresa, que pode gerar um ressarcimento estimado em 155 bilhões em compensações. Ela também está parada para a confecção dos termos do acordo, planejado para sair em outubro, véspera do segundo aniversário da tragédia —ele é negociado há pelo menos um ano.
Também foram temporariamente suspensas na Justiça comum de Minas Gerais, em julho, milhares de ações judiciais contra a Samarco de pessoas que afirmam terem sido afetadas pelo rompimento da barragem para que o Judiciário analise um pedido da empresa. A mineradora quer que a Justiça aplique uma medida chamada de Incidente de Demanda Repetitiva nos processos, o que faria com que todas as causas tenham a mesma solução, independentemente da demanda. Segundo afirmou ao site G1 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Governador Valadares, onde estão 50.000 processos parados, a medida já foi adotada no Espírito Santo e o valor estabelecido para as indenizações foi de 1.000 reais. A Samarco afirma que não vai comentar sobre as ações na Justiça.
Sem comentários:
Enviar um comentário