O livro “Quando a pele incendeia a memória”, da pesquisadora Ângela Almeida, publicado pela Editora da UFRN, foi selecionado para a Exposição de Fotolivros do Festival ZUM 2018, que será realizada no sábado (29) e no domingo (30), no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. A obra resgata o trabalho do fotógrafo e músico caicoense filho de ex-escravos José Ezelino da Costa e inclui interferências, pintura sobre fotografias, da autora.
Dos 160 projetos concorrentes, foram escolhidos 46 livros, zines, revistas e catálogos, de todo o país. Há também publicações do Paraguai, Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Itália. A lista completa está disponível aqui.
O Festival ZUM é realizado anualmente e promove debates, lançamentos, feira de fotolivros e oficinas. O evento reúne artistas, fotógrafos, editores, cineastas e escritores em conversas e palestras sobre a produção e a circulação das imagens no mundo atual.
“Quando a pele incendeia a memória” será exibido na feira durante o final de semana e depois será incorporado ao acervo da biblioteca, que é especializada em livros de fotografia.
Publicado em 2017, o livro da potiguar se divide entre um histórico do caicoense José Ezelino da Costa e um trabalho autoral de Ângela, feito a partir das imagens resgatadas do biografado. “Realizei uma interferência, que é quando o artista se apropria de uma obra que não é dele e intervém sobre aquela imagem”, explicou a pesquisadora, que é jornalista doutora em Ciências Sociais e atualmente desenvolve a revista Gente, da Progesp.
“Não existe o acervo desse fotógrafo, o original não existe mais. Algumas pessoas é que têm algumas fotografias impressas. Então, a partir dessa situação fiz a impressão em papel e pintei a foto. Depois disso, fotografo e faço a edição”, detalhou ,lembrando que Ezelino tem ainda uma série de autorretratos.
O projeto gráfico é de Rafael Sordi Campos, com ilustrações de Michelle Holanda. O livro teve o patrocínio do Morada da Paz para a sua impressão por meio da lei de incentivo Djalma Maranhão.
Sobre Ezelino
José Ezelino da Costa era um homem negro que viveu entre 1889 e 1952. Nasceu no sítio Umbuzeiro, sertão do Rio Grande do Norte, nos arredores da cidade de Caicó (sociedade predominantemente branca). Morou a vida inteira com a mãe, a ex-escrava alforriada Bertuleza Maria da Conceição e outras mulheres da família. Nunca casou oficialmente, porém, teve dois filhos de uma namorada.
Acredita-se que sua primeira câmera que foi um presente de um vizinho da família, um irmão do Dr. Luciano Nóbrega que, voltando de uma viagem a Recife, trouxe a câmara e um álbum de fotografia. A partir de então, ele nunca mais largou a arte da fotografia e se especializou nela, fazendo-o dialogar e conviver com a música.
De acordo com a pesquisa de Ângela, ele chegou a formar uma banda e tocava instrumentos de sopro nas festas das padroeiras de cidades nos arredores de Caicó, como Florânia (chamada de Flores), São João do Sabugi e Martins.
Quanto à técnica de fotografar, aprendeu sozinho, como também o aprimoramento do olhar a partir de leituras de livros.
Uma das principais fontes da pesquisa foi uma sobrinha-neta de José Ezelino, a arquiteta, socióloga e doutoranda em Educação Ana Zélia Maria Moreira. Ela é neta de Mathilde Maria da Conceição, que era irmã do fotógrafo. De acordo com Ana, os familiares relatavam que ele lia muito e fazia anualmente viagens para Recife e Rio de Janeiro, tanto no intuito de comprar equipamentos e produtos químicos para revelação quanto para se atualizar.
“A primeira impressão que tive quando observei as fotografias de José Ezelino foi a potência de uma linguagem autoral. Ele não só construía seus cenários como tinha uma luz suave em contraste com a luz dura do sertão”, escreveu Ângela, sugerindo que ele foi o primeiro fotógrafo sertanejo portador de uma linguagem autoral que se diferenciou de seus contemporâneos.
Um dos fatores que chama atenção no trabalho do fotógrafo foi o modo como ele retratou os membros da família, quando não era comum encontrar imagens de negros que não estivessem em trabalhos subalternos, no campo, ou nas grandes capitais, em fábricas ou indústrias.
“Basta recorremos a acervos de grandes fotógrafos, como: José Christiano de Freitas Henriques Jr., Marc Ferrez, Militão Augusto de Azevedo, Alberto Henschel, entre outros, para constatar”, justificou Ângela.
Ezelino levou familiares para dentro do estúdio e os fotografou com roupas sociais na moda da época, com o pioneirismo de experimentar a estética aristocrática na pele negra.
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