A entrega do Prêmio Fox Music USA Wards 2018, na versão latino-americana, aconteceu semana passada na cidade de Miami, na Flórida. E das 12 categorias em disputa, apenas um representante brasileiro. E esse brasileiro é potiguar, e um potiguar nascido nas brenhas do município de Angicos. O angicano Geraldo Carvalho conseguiu reconhecimento primeiro em Brasília, onde está radicado há uns bons 10 anos para só depois ganhar a premiação nos “esteites”.
“Geraldinho” venceu na categoria Melhor Balada Pop, com a canção Estilhaço de Alegria, em parceria com Mário Noya e que também intitula seu terceiro CD. Os dois primeiros, Manhecença (2001) e Um Toque a Mais (2007, acho) são dois primores. Os tenho aqui e já escutei muito. Estilhaço de Alegria está disponível nas principais plataformas digitais. Segue AQUI o link do spotify.
O potiguar foi representado no prêmio pela Banda da Árvore, um projeto musical com produção de André Trindade e Alípio Videira que ele desenvolve há anos em Brasília. Já passaram pelo palco do projeto mais de 100 artistas em mais de 70 edições. Uma ação cultural de completo sucesso e que já em 2014 lhe rendeu a comenda cultural Dom Pedro I no Grau Cavaleiresco de Comendador da República Brasileira, outorgado pela Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, em reconhecimento ao conjunto de sua trajetória artística e atuação no Distrito Federal.
DO RN À BRASÍLIA
A realidade do músico que se arrisca fora da clausura natalense para morar em outro “palco” se distingue entre casos os mais variados. Via de regra, os instrumentistas – dos mais virtuosos do país, muitos reconhecidos mundialmente – se dão bem. Mas aos compositores e cantores, geralmente a sorte é outra. Sobretudo naquela época, ainda na primeira década deste século.
Desde quando Pedrinho Mendes amargou o pão que o diabo amassou no Sul nem tão maravilha assim, na década de 1980, poucos se arriscaram e pouquíssimos conseguiram se manter por lá. O nicho da MPB, da música bem composta e arranjada, padece em solo potiguar sem a almejada projeção nacional.
Por aqui, como é de praxe entre bons artistas potiguares, se gabava em ter feito a abertura dos shows de artistas nacionais no extinto projeto Seis e Meia. Por lá, idealizou ele mesmo um projeto musical Banda da Árvore e toca por lá toda semana – por essas e outras, recebeu a tal comenda.
Por aqui, Geraldo Carvalho procurava palco aqui, participava de show acolá e recebia o abraço de artistas, críticos e amigos, sem reconhecimento do público. Por lá, foi até convidado para participar de um CD junto a Roberto Menescal, Zé Renato, Rildo Hora e outros. Nenhum superstar, mas já há o buscado reconhecimento.
Se Natal fecha os olhos aos seus talentos da MPB, embora tenha lá um olhar caolho para outros gêneros musicais, em Brasília ou em boa parte de outras selvas de pedra, a aceitação é mais generosa. Por lá se escuta Muito Mais (parceria de Geraldo Carvalho e o saudoso Franklin Mário – letra lá embaixo, após o papo com o cantor):
COM GERALDO CARVALHO
Qual sua ligação com a capital federal e qual o real motivo de você ter buscado uma carreira em Brasília?
Acho que desde moleque sonhava conhecer Brasília, a capital do País, uma cidade projetada, construída a partir de um sonho. Porém, fui conhecendo pessoas que moravam em Brasília, uma atrás da outra; parecia coisa do destino. Foi quando recebi um convite para participar do projeto Mão Dupla, realizado em Natal, com o mineiro, que mora em Brasília, Mário Noya; eu e o Romildo Soares. O Projeto, como o nome sugere, consistia em levar nomes de Natal para Brasília e Belo Horizonte. Eu fiquei com aquilo na mente e resolvi encarar meio que sem planejamento.
Quanto tempo por aí? Como foi a chegada, a adaptação ao clima e às pessoas?
Cheguei em Brasília em 2009. Fui muito bem acolhido pelos amigos. Estava frio. Era junho. Senti um pouco de dificuldade com a secura. Os lábios ficaram detonados. Hoje já estou mais adaptado. Cheguei aqui só, curti sim um pouco a solidão e a saudade dos amigos e familiares em Natal, mas segurei a onda.
E a evolução do seu trabalho por aí? Como surgiram os primeiros convites? Conseguiu estabelecer uma agenda regular de shows já no início?
Consegui, através de um amigo, uma pauta pra fazer uma apresentação no Feitiço Mineiro, espaço que já recebeu vários nomes da MPB: Beto Guedes, João Bosco, Jards Macalé e muitos outros, inclusive os potiguares Pedro Mendes e Valéria Oliveira. Foi muito legal, a casa lotou. Aos poucos fui organizando uma agenda, e toda semana aparecia uma apresentação: Rayula Bistrô, Vila Madá, projeto cultural Alô Brasília, Pirenópolis, Belo Horizonte, mais recentemente no Clube do Choro. E, como Brasília tem muitos clubes, me apresentei em alguns: Asbac, Iate clube, Clube da Aeronáutica. Participei do festival da Nacional FM, fiz bastante entrevistas nas rádios daqui: Nacional FM, Verde Oliva FM, FM Cultura, programa Escala Brasileira, na Senado FM…
Nesses shows, você mostrava apenas as músicas dos seus dois CDs ou mesclava com clássicos da MPB?
Sempre colocava algo autoral. Dependendo do espaço eu organizava o repertório. Em casas como Feitiço Mineiro, Clube do Choro, projetos culturais, eu fazia 80% autoral. O público sempre muito atento e receptivo.
Você foi homenageado por um projeto musical. Fale mais sobre ele. É algo semelhante ao Som da Mata?
Na realidade recebi o Mérito Cidadão Candango 2013 por conta do Projeto Música na Árvore. O Projeto foi uma ideia minha quando andava pelas ruas de Brasília e comecei a me encantar com belas árvores – Brasília é uma cidade muito arborizada, com muitos parques e conversando com o produtor André Trindade ele encarou comigo a ideia de realizar o projeto; ele é o produtor e eu o diretor artístico, além de uma equipe de apoio. Tem algo a ver com o Som da Mata, sim, pois é em um parque, em baixo de uma árvore e rola muita música; se não me engano o Som da Mata era instrumental e o nosso é aberto tanto para cantado como para instrumental.
Qual a comparação você pode fazer da cena musical de Brasília e de Natal?
Olha, aqui eu percebo uma facilidade maior com editais para projetos culturais. Brasília tem uma cena musical muito bacana, tenho conhecido muitos músicos aqui, sempre muito acolhedores e talentosos. Mas eu sempre falo aqui, da qualidade dos músicos de Natal, que inclusive, são conhecidos por aqui. Brasília é uma cidade que surpreende. De repente você fica sabendo de um show maravilhoso que vai acontecer. É notícia que vem do nada e o público comparece; é uma onda!
MUITO MAIS
(Geraldo Carvalho e Franklin Mário)
Será que esse mel que nos separa
Adoça a minha aurora
Será que eu disse tudo que queria
E esqueci de ir embora
Será que eu tive medo do barulho
Silenciando lá fora
Será que me ocupei com meu orgulho
E esqueci o ser que aflora
Será que minha alma é sua alma
E não deu dentro de nós
Será que essa vontade se desarma
Quando eu desatar os nós
Será só eu que sinto a tempestade
Pra você dormir em paz
Será que eu te deixo à vontade
Pra dizer que nunca mais
Medo desassossego
Me diz que somos muito muito mais.
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