Talvez para celebrar os 100 primeiros dias do governo Bolsonaro, o ministério da agricultura liberou a entrada de mais 31 agrotóxicos e componentes no país. A notícia, já publicada no Diário Oficial da União, foi divulgada um dia depois que a ministra Teresa Cristina, – também conhecida como “musa do veneno” – negou, para os integrantes da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara dos Deputados, que a liberação dos agrotóxicos seja feita de forma desenfreada, sem critério. Mais: disse também que o governo tem trabalhado para substituir progressivamente os pesticidas mais perigosos por outros, considerados menos tóxicos. Mas não é o que parece.
Com este novo lote de venenos, são mais 152 agrotóxicos disponíveis no mercado, em pouco mais de três meses. Com um detalhe: o novo lote reúne a maior quantidade de pesticidas de classe 1 (são 16!), ou seja, dograu mais elevado de toxicidade de acordo com a classificação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que, segundo a ministra, é a responsável pelos registros aprovados. “A Anvisa tinha mais de 1.500 produtos na sua fila de registros e modificou sua maneira de olhar esses produtos. Quem dá a palavra final é ela”, disse para a Comissão.
Assim, do total de agrotóxicos liberados, 44 estão entre os pesticidas mais perigosos e apenas 18 são classificados como “pouco tóxicos”.
Pra se ter ideia da gravidade da situação, entre os produtos “extremamente perigosos” do novo lote, estão três formulações do herbicida 2,4-D, que é um dos princípios ativos do “agente laranja”, arma química usada para derrubar florestas durante a Guerra do Vietnã (que ocorreu entre 1959 e 1975).
Esse princípio foi banido de países como Austrália e Canadá. Aqui, no Brasil, está em processo de avaliação desde 2006, mas agora liberado. Segundo o site De Olho Nos Ruralistas, na semana passada, no Rio Grande do Sul, o 2,4-D tornou-se alvo de um inquérito civil após perdas de R$ 100 milhões na safra de uva, maçã e oliveira. Enquanto isso, lobby poderoso liderado pela DowDuPont (holding resultante da fusão entre Dow e Du Pont) pressiona o governo para manter o produto no mercado.
Bom lembrar que a DowDuPont comercializa o Sulfoxaflor, inseticida acusado da morte de abelhas e outros polinizadores no Rio Grande do Sul. Para a Comissão, ela disse que o produto não está registrado no Brasil e que esse “é o grande problema dessa fila enorme. Esse produto provavelmente entrou de maneira ilegal, está sendo usado de maneira errônea e causou a morte das abelhas”. Ou está mal informada ou mentiu: o Sulfoxaflor foi liberado ainda no governo Temer. Falei sobre ele e outros pesticidas perigosos em janeiro, quando o governo liberou 21 agrotóxicos.
Aliás, Teresa Cristina culpou os agricultores por qualquer problema resultante da aplicação de agrotóxicos no Brasil.
Não há substituto para o Glifosato?
O pesticida mais vendido no mundo levou a Monsanto (já sob os auspícios da Bayer) aos tribunais da Califórnia e à sua condenação, no ano passado. E, no final de março, a empresa foi novamente condenada, no mesmo país, só que, desta vez, na mais alta instância da justiça: a Corte Federal.
Mas, apesar das notícias tenebrosas e da comprovação de que o Glifosato causa câncer, a ministra da agricultura afirmou durante a audiência no Congresso que ele continuará sendo vendido e aplicado no Brasil. “Não existe outro produto que possa substituir o glifosato. Para ser banido, ele precisa ser substituído! Mas, se for usado da maneira correta, com equipamento, diminui muito o risco”, explicou.
Repare que ela disse que diminui o risco, não acaba com ele. E que causar câncer não é motivo suficiente para tira-lo de circulação. Ou seja. os agricultores continuarão sendo expostos ao veneno com o aval do governo. Essa é sua política.
Alan Tygel, da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, disse ao site Brasil de Fato que o que Tereza Cristina revela sobre a impossibilidade de substituir o glifosato faz sentido. Isto porque “o modelo de agricultura adotado pelo agronegócio, não só no Brasil, foi estruturado em cima de um pacote de venenos. Esse modelo, portanto, não funciona sem o glifosato, principalmente por causa das sementes transgênicas”.
Sobre o uso de equipamentos de proteção na aplicação dos agrotóxicos, Tygel contou que não há garantia de segurança absoluta e, mesmo se houvesse, ela só cobriria quem aplica o produto e não valeria para outras pessoas ao redor, para o meio ambiente e o próprio alimento.
Ministra rejeita veracidade de estudos acadêmicos
Ainda durante a audiência, alguns deputados apresentaram estudos acadêmicos que comprovam a presença de substâncias que compõem os agrotóxicos nas águas dos rios e no leite materno. Teresa Cristina respondeu que seu ministério rejeita a veracidade desse estudos já que as substâncias encontradas poderiam ser oriundas de outros produtos, que não agrotóxicos.
Ela também refuta o que instituições de pesquisa como FioCruz, Abrasco e Inca, bastante reconhecidas, confirmam: a ligação entre agrotóxicos e doenças como câncer e o Mal de Parkinson, além da má formação de fetos, a depressão e o suicídio.
A posição da ministra me fez lembrar de uma palavra que tenho lido muito nas redes sociais e em artigos interessantes: necropolítica. Este conceito foi proposto pelo pensador camaronês Achille Mbembe e denomina a gestão de territórios com base na degradação, na desintegração social e na morte. Me parece que estamos sendo liderados por esse tipo de gestão. E isso é muito grave.
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