A rejeição do eleitorado feminino ao candidato Jair Bolsonaro (PSL), refletida em todas as pesquisas e que no último Datafolha, do dia 10 de setembro, chegou a 49%, se materializou nas últimas duas semanas como um grupo massivo de debate político no Facebook. O "Mulheres unidas contra Bolsonaro" já conta mobilizou mais de um milhão e meio de usuárias da rede social e, a cada minuto, recebe 10.000 novos pedidos de participação. Para os usuários que não são membros do grupo, o número visível de participantes é menor —860 mil na última atualização desta reportagem—, porque reflete apenas o número de perfis que realmente estão ativos nos debates do mesmo (os demais estão esperando autorização para participar ou ainda não responderam o convite feito pelas demais), conforme explicou a EL PAÍS um porta-voz do Facebook.
O grupo se define como apartidário ("A única bandeira é ser anti-Bolsonaro", diz Teixeira), mas existem postagens fixas sobre os demais candidatos à presidência, nos quais as simpatizantes de cada um podem publicar informações sobre eles e suas propostas. "Acredito que muitas indecisas decidiram em quem votar com base nessas discussões online", comenta a publicitária.
Com um perfil de participantes que vai desde adolescentes até senhoras que, por lei, já não precisariam mais votar, o grupo é espaço de discussão de mulheres que enfrentam familiares e amigos na tentativa de combater o voto ao que consideram "um candidato nefasto". "Meu marido é um coronel militar que vai votar nele. Já não sei mais o que fazer, só penso em rasgar o título de eleitor dele ou esconder seus documentos para que ele não possa votar", conta uma professora de 62 anos, que prefere não se identificar.
As participantes definem o grupo como um "elo de ligação", um espaço de reunião onde elas pudessem debater política livremente, sem ser silenciadas. "Porque quando fazíamos postagens individuais, sempre havia mansplaining (explicação masculina), homens nos atacando com termos chulos, assédio. Há casos até de usuários que tiraram print de fotos das meninas e espalharam por aí, éramos atacadas pelos seguidores de Bolsonaro, que são bastante agressivos. Faltava esse espaço para debate", conta Teixeira.
Também são muitas as postagens de usuárias que desabafam sobre violência doméstica e relações abusivas e de mulheres trans que agradecem por terem encontrado um “espaço solidário”. "Sinto que o Brasil todo está lá. É muito maior do que só um grupo contra Bolsonaro", afirma a publicitária, que destaca que as participantes "não são contra a pessoa" do presidenciável. "Ele é um ser humano que merece respeito. Inclusive, lamentamos muito o ocorrido [referindo-se ao ataque à faca sofrido por Bolsonaro no dia 6 de setembro]. Não somos favoráveis a nenhum tipo de violência ou discurso de ódio, queremos vencê-lo nas urnas".
Foi justamente depois desse atentado que o candidato registrou um crescimento entre três e dois pontos percentuais na intenção de voto feminino, de acordo com as últimas pesquisas Datafolha e Ibope, respectivamente. "O esfaqueamento mobilizou parte dos eleitores indecisos, principalmente as mulheres, que se solidarizaram com o candidato", avalia a antropóloga e cientista social Rosana Pinheiro-Machado.
Por outro lado, a cientista política acredita que o ataque foi também a "faísca" para que mais mulheres se mobilizassem contra Bolsonaro. "A mensagem sobre o voto feminino como faixa de contenção contra ele já vinha circulando e esse atentado disparou o medo de que se gerasse mais simpatia pelo candidato e que levasse a uma vitória sua no primeiro turno".
Para além das eleições
Pinheiro-Machado considera que o movimento de "mulheres unidas contra Bolsonaro" pode ter o mesmo impacto no Brasil que a marcha das mulheres contra Trump nos Estados Unidos, mas matiza que, para isso, o milhão de participantes do grupo virtual tem que se traduzir nas ruas para que se possa gerar um fato político relevante. "Desde a primavera feminista, quem consegue se organizar hoje no Brasil são basicamente as mulheres", diz.
E as organizadoras e participantes da plataforma na rede social não pretendem parar. Elas contam que já consideram mudar o nome do grupo depois das eleições para se tornar, de fato, um movimento que promova rodas de conversa, debates e outras ações em prol dos direitos das mulheres. "Não são só as eleições, temos uma série de pautas pelas quais lutar, como contra o Estatuto do Nascituro [PL 5069/13, que dificultará o acesso ao aborto em casos de estupro], ou a favor da criação de uma lei para criminalizar o assédio", afirma Teixeira.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/12/actualidad/1536768048_321164.html?ssm=FB_CC&fbclid=IwAR3Rh0JxyNqAb0yetp8WObDE-E2zj6d01U5q4_04MoI9x9K_mW3qFXe4fKk
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