domingo, 3 de fevereiro de 2013

Corpo de Bombeiros aponta irregularidades em casas noturnas de Natal e inicia fiscalização

DO NOVO JORNAL

Das 20 casas noturnas da Região Metropolitana de Natal cadastradas pelo Corpo de Bombeiros, 19 estão irregulares; Ministério Público diz que legislação "frouxa" dificulta a fiscalização dos ambientes

Com certa dose de atraso em relação ao restante do país, o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Norte inicia hoje à noite uma operação “pente fino” de fiscalização nas casas noturnas de Natal. Até o fechamento desta edição, 80 boates e casas de festa haviam sido fechadas por todo o Brasil; na capital potiguar apenas duas foram notificadas. A própria corporação admite, porém, que 19 das 20 casas de show localizadas na Região Metropolitana de Natal contam com algum tipo de irregularidade.
 

Eduardo Maia/NJ
Taverna Pub, vistoriada na última segunda-feira: pendente de regularização
 
Apenas uma casa noturna, localizada na praia de Pirangi, está com toda a documentação em dia. As demais estão com as certidões do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) atrasadas - documento que atesta que o imóvel foi construído seguindo as exigências do Corpo de Bombeiros.

Na última segunda-feira, o Taverna Pub e o Peppers Hall foram notificados e estão proibidos de realizar qualquer evento até regularizarem a documentação. Contudo, o Corpo de Bombeiros resolveu não divulgar o nome das demais casas, pois poderia “ferir os princípios éticos” da instituição. lista só será apresentada durante a operação de hoje à noite.

A “Fiscalização Preventiva Integrada” irá deslocar uma equipe para notificar no mínimo 10 casas de show que estejam com a documentação vencida. As primeiras áreas de fiscalização serão Ponta Negra e Ribeira, onde se concentra a atividade noturna da cidade.
“Essa fiscalização inicial será por amostragem. Daremos cinco dias para que as casas de show que forem notificadas se regularizem. Com a notificação, vamos esperar que as demais que estejam irregulares venham nos procurar”, explicou o coronel Eliezer Dantas, comandante do CBM.

Tecnicamente a operação “pente-fino” nas casas de festa de Natal deveria ter sido iniciada na última segunda-feira; o atraso, justifica a corporação, aconteceu devido às dificuldades em encontrar as casas de show abertas.

“Para fazer a fiscalização não depende só dos bombeiros, mas de todos os cidadãos. A maioria das casas noturnas que procuramos estava fechada. Esse período de janeiro traz um esvaziamento porque o pessoal está no veraneio e, além disso, muitas delas estão fechadas durante a semana. Amanhã (hoje) nós iremos visitá-las no seu período de atividade”, justificou o comandante.

Fazer um mapeamento da segurança desses ambientes é uma tarefa ainda mais complicada porque nenhuma entidade de fiscalização sabe precisar qual o número de casas noturnas que existe na capital (casas de festas de aniversário, cerimoniais ou boates).

“Fazemos fiscalizações, mas só podemos saber que uma casa é clandestina quando há denúncia”, argumentou o gerente de fiscalização da Semurb, Luís Gutenberg de Brito.

As operações de fiscalização integradas já eram realizadas pelo Corpo de Bombeiros desde 1980, mas eram “amostrais”. As equipes fiscalizam um determinado número de imóveis por tipo. Em 2012, foram realizadas 2377 vistorias em creches, boates e hospitais; no entanto, a corporação não conseguiu precisar o número de casas noturnas que chegaram a ser fiscalizadas no ano passado.

A falta de efetivo também é apresentada pelo Corpo de Bombeiros como uma justificativa para as dificuldades em organizar vistorias mais frequentes. O Rio Grande do Norte conta com apenas 650 bombeiros, quando a demanda exige 1065. Com o baixo efetivo também fica difícil dar celeridade à liberação do AVCB – processo que dura, em média, três meses.

“Estamos nos estruturando, comprando mais equipamentos, mas também não depende só de nós. O empresário também precisa ser cidadão e convocar uma nova fiscalização no seu estabelecimento anualmente, quando a certidão (AVCB) vencer. A sociedade também precisa estar atenta e denunciar quando encontrar um estabelecimento que não for seguro”, defendeu o comandante.


POPULAÇÃO DEVE AJUDAR

A operação que se inicia hoje à noite, no entanto, tem caráter apenas fiscalizador. Neste primeiro momento, as casas noturnas que estiverem com alguma documentação pendente serão apenas notificadas e terão prazo de até cinco dias para se apresentarem ao Corpo de Bombeiros.
A partir da apresentação, a infraestrutura e segurança dos imóveis serão fiscalizadas. Segundo o superintendente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do RN (Crea), Claudionaldo Soares, diferentemente da tragédia de Santa Maria, uma das situações mais preocupantes que poderão ser encontradas dão conta da falta de manutenção dos imóveis.

“O problema não é só o incêndio; a estrutura também é importante. Na Ribeira, por exemplo, onde temos muitos prédios antigos, a potência de som que é utilizada pode comprometer as estruturas e a segurança. O perigo não é de fogo, e sim de desmoronamento”, argumenta o superintendente. Ele reitera a importância da população para que a fiscalização aconteça.

“O risco [de acidentes] aumenta proporcionalmente ao aumento no público em um lugar que não foi projetado para comportá-lo. É importante que pais e usuários desses locais também acompanhem e estejam sempre atentos. Não é preciso ficar paranoico, mas a primeira obrigação do cidadão que visita esses lugares também é verificar a saída de emergência”, acrescentou Soares.
 
FISCALIZAÇÃO DE RÉDEAS FROUXAS
Após a tragédia registrada em Santa Maria no último domingo (27), onde um incêndio na boate Kiss deixou 233 mortos e uma centena de feridos, todas as atenções se voltaram para a importância de manter a fiscalização das casas noturnas cada vez mais rígida. Uma comissão, proposta pelo deputado federal Marcos Maia (PT), pretende trabalhar uma lei para unificar em todo o país a concessão de alvarás de casas noturnas e estabelecer normas de prevenção de incêndios nesses ambientes.

No Rio Grande do Norte, os empresários devem apresentar um projeto inicial para o estabelecimento e requerer a vistoria do CBMRN. Caso o projeto seja aprovado e a construção obedeça ao que foi apresentado, o AVCB é liberado. No entanto, mesmo que a documentação esteja vencida (ela precisa ser renovada anualmente), o Corpo de Bombeiros não tem autonomia de interditar ou multar o estabelecimento.

O promotor de defesa ao consumidor, José Augusto Peres, defende que a legislação potiguar é frouxa, nesse aspecto, em relação a outras cidades do país. “O código de segurança mais rígido é o de São Paulo. Em Natal não temos a multa, que seria uma forma de estimular a procura pela renovação da documentação”, comenta o promotor. Peres explica que a fiscalização do Corpo de Bombeiros potiguar é firme, mas que a legislação acaba deixando brechas para que surjam casas de eventos irregulares ou clandestinas.

“Eu pedi uma fiscalização ao comandante do Corpo de Bombeiros em 2004, logo após um acidente semelhante [ao de Santa Maria] ter acontecido em Buenos Aires. Eles fizeram a fiscalização e eu disse que onde fossem encontradas irregularidades, eles poderiam enviar ao MP”, contou. A última denúncia foi contra o Teatro Alberto Maranhão, em 2010. O pedido de interdição foi negado pelo Tribunal de Justiça. “Não adianta entrar com ação se a Justiça não for sensível, nem a legislação for rígida”, alfinetou.

Desde 2012, acrescenta o promotor, um anteprojeto prevê mudanças e impõe mais rigidez à Lei Complementar 247 (código estadual de segurança para controle de pânico e de incêndio). “Os bombeiros encaminharam esse projeto desde julho de 2012 e até segunda-feira passada ele ainda aguardava análise da Casa Civil. É preciso que se mude a cultura de prevenção de acidentes”, acrescentou.

O major Marcos de Carvalho, chefe do setor de engenharia do CBM, adiantou ao NOVO JORNAL que a minuta do projeto já está sendo elaborada para envio à Assembleia Legislativa. “Serão mudanças técnicas, especificando mudanças nas portas, iluminação, tornando a legislação mais rígida”, comentou.

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