quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Índice de alunos da rede pública na UFRN cresce

Eduardo Maia/NJ

Dados da Comperve apontam um aumento de 6%

Quando a estudante Thaynara da Silva Rodrigues, 17, olhou para a fila de estudantes de escolas particulares que se formava em frente ao setor II, local onde fariam a prova do último vestibular da UFRN, no dia 25 de novembro de 2012, seu único pensamento foi o de que não iria passar. Aluna da Escola Estadual Ana Júlia de Carvalho Mousinho, na Zona Norte de Natal, ela relembrava o conteúdo perdido, as greves e as dificuldades que enfrentou na escola pública para chegar até ali.

“Eu fui de escola pública a minha vida inteira. Pensei como eu iria concorrer com aquelas pessoas”, conta à reportagem. Ao final, até que a prova foi fácil e a estudante garantiu o 26º lugar das 40 vagas oferecidas no curso de Nutrição da universidade.

Thaynara faz parte de uma estatística ainda tímida. Segundo dados preliminares disponibilizados pela Comissão Permanente do Vestibular (Comperve), o número de ingressantes na Universidade Federal do Rio Grande do Norte provenientes de escolas públicas aumentou gradativamente nos últimos 10 anos. No vestibular 2013, eles representaram 37,78% dos aprovados - crescimento de seis pontos percentuais se comparado a 2003, quando era de 31%.

O interesse dos alunos também aumentou. No último vestibular realizado, os estudantes de escolas públicas representaram 51,31% dos 28 mil vestibulandos, superando os números da rede privada.

Os dados acima fazem parte de um levantamento preliminar realizado pela Comperve sobre o ingresso do estudante da rede pública ao ensino superior entre 2003 e 2012, disponibilizado ao NOVO JORNAL.

O desempenho, ainda que pequeno, é analisado pelo presidente interino da Comperve, Ridalvo Medeiros, como resultado das políticas de inclusão adotadas pela universidade. Leia-se: Argumento de Inclusão e, mais recentemente, a Lei das Cotas e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), adotados pela UFRN no ano passado.
A primeira política adotada pela UFRN foi o Argumento de Inclusão, implantado em 2006, que previa uma bonificação para o aluno de escola pública. Entre os vestibulares de 2006 e 2009, esse acréscimo variava por curso e era pré-determinado pelo edital do vestibular. No primeiro ano de implantação da política, a aprovação cresceu em 5%.
 
Contudo, esse crescimento não continuou. “Vimos que a diferença entre o aluno de escola pública e o da privada era muito pequena. Quando dávamos o acréscimo, o aluno subia em várias colocações, e o argumento passou a ser criticado por isso”, conta Karine Symonir, coordenadora do setor de estatística. “Precisávamos de uma política voltada para a necessidade do nosso estado, onde o ensino básico é péssimo e há um grande número de escolas privadas”.

A partir do vestibular 2010, portanto, a Comperve adotou a bonificação fixa de 10%. A diferença é que, para receber o adicional, o aluno precisava estudar todo o ensino básico e o médio em escola pública, além de atingir uma pontuação mínima no argumento parcial (pontuação das provas objetivas). Com a política, a aprovação subiu para 42,5% naquele ano.
No vestibular 2012, o índice voltou a cair. Segundo Karinne, a queda refletiu a greve dos professores estaduais, que representou um atraso de 150 dias no ano letivo. A economista aponta, no entanto, a importância do argumento de inclusão naquele ano. “Em 2012, 8,5% dos 2502 alunos de escola pública só passaram por causa do Argumento. Foi uma saída para muitos, principalmente porque foi um ano de longa greve e os alunos passaram por dificuldades”, explica.
LEI DAS COTAS
No vestibular 2013, o Argumento de Inclusão foi extinto em detrimento da implantação da Lei das Cotas, que prevê a reserva de até 50% das vagas dos cursos para estudantes da rede pública. A lei obriga todas as instituições federais a adotarem as cotas em um prazo de até quatro anos.

Só que, em vez de estimular a aprovação no primeiro ano de implantação da lei, houve uma retração. Isso porque os alunos não contavam mais com o próprio desempenho para garantir a entrada. Existia um funil: apenas 12,5% das vagas seriam destinadas ao aluno de escola pública. A lei das cotas acabou por intimidar o estudante.

Segundo Ridalvo Medeiros, a previsão é que esse panorama mude a partir dos próximos anos com o aumento do percentual das cotas. No vestibular 2014 a reserva subirá para 25%. “O argumento de inclusão foi muito importante durante algum tempo, mas jamais conseguiria incluir 50% dos estudantes da rede pública em todos os cursos”, analisa o presidente.

“Apesar desse fenômeno, as cotas são um filtro menor, já que o aluno só precisa concluir o ensino médio na escola pública. Ao final dos quatro anos de implantação, a participação vai voltar a crescer”, garantiu.

Avaliando o primeiro ano de implementação do Enem, o presidente ainda vê uma ambiguidade: mesmo garantindo ao aluno a possibilidade de concorrer em mais de uma instituição de ensino simultaneamente, o estudante sofrerá com a concorrência a nível nacional.

“O modelo de prova do Enem já era um modelo multidisciplinar que o vestibular da Comperve buscava. A diferença é que no vestibular eram 28 mil candidatos e no Enem são quatro milhões. Infelizmente o aluno de escola pública nem sempre está preparado para concorrer com o da privada. A forma de ensinar é a mesma (as diretrizes do ensino médio), mas não há estrutura que garanta o ensino adequado na escola pública. Para entrar, ainda depende muito da vontade de cada um”, analisa o professor.
A resposta é a dedicação
Foi justamente essa vontade de estudar e ter “algum futuro” que fez a estudante Thaynara Rodrigues, citada no início da matéria, manter uma rotina de 14h de estudo diário. Em conjunto com os colegas da Escola Estadual Ana Júlia Mousinho (Zona Norte de Natal), Gilson Aquino Cavalcante e Márcio Erick Paz, ambos com 17 anos, o trio realizou uma maratona de estudo o ano inteiro: cursinho pré-vestibular, aulas da escola, grupo de estudo, aulões, simulados, revisões durante a madrugada...ufa!
“Minha mãe nunca interferiu na minha escolha, mas eu ouvia muito: vocês vão ficar doidos de tanto estudar! Ela quis me bater uma vez para me fazer largar o caderno”, conta Erick Paz, rindo, aprovado em Fisioterapia através da pontuação do Enem.

Os três estudantes passam por uma situação inusitada: todos foram aprovados no vestibular 2013, mas continuam estudando para prestar um novo exame. Thaynara entrou em Nutrição e Erick em Fisioterapia, na UFRN, e Gilson em Medicina, na UFPE. Contudo, o objetivo do trio é prestar vestibular para Medicina na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). A prova será realizada entre os dias 3 e 4 de março deste ano.

“Nós nunca estudamos na mesma sala, mas já éramos conhecidos por sermos ‘chatos’ na escola. Éramos monitores nas disciplinas e nos conhecemos por causa disso. Depois a sintonia entre nós acabou surgindo. Todos nós amamos a medicina e queremos estudar juntos”, reitera Gilson.
As dificuldades para manter os estudos na escola pública foram muitas. As greves e o conteúdo perdido nos anos anteriores foram os principais desafios. “A gente pensava: a última escola de Natal, a única de Nossa Senhora de Apresentação, será que a gente pode passar? A gente vive a realidade do ensino público, o fracasso da escola pública. Chegamos no cursinho e vimos conteúdos que nunca tínhamos nem ouvido falar”, comenta Gilson.

Os três estudantes são a favor dos projetos de incentivo ao ingresso de alunos da rede pública, apesar de tecerem críticas quanto à Lei das Cotas e ao Enem. Thaynara e Gilson entraram com auxílio da cota socioeconômica, e Erick através do Enem/Sisu. Para eles, apesar de a Lei das Cotas ser uma forma de incentivar o aluno a concorrer, também é “um atestado da ineficiência da escola pública”.

“Quem é de escola privada vive em outro mundo, nem faz ideia de como é difícil estudar para algo sem saber o que costuma cair, sem ter orientação, sem ter o pensamento crítico. Sou a favor de que aconteça a mudança, desde que o governo também melhore o ensino público”, critica Thaynara.

Apesar dos problemas da escola, a diretoria do Ana Júlia apoiou a iniciativa dos estudantes: conseguiu bolsas de estudo em um cursinho pré-vestibular e cedeu a sala da coordenação pedagógica para estudo. O espaço é equipado com estantes com livros, jogos de preparação para o vestibular e material para estudos. E, mesmo neste mês de férias da rede de ensino, a escola abriu os portões para as reuniões do grupo. Em troca da ajuda, os estudantes se dispõem a ajudar alunos da escola que têm dificuldade de aprendizado em algumas matérias através de aulas de reforço.

A vice-diretora da escola, Alzenir Amâncio, garante que os alunos sempre tiveram esse empenho pelo estudo. “Por mais que a escola pública não tenha tanta estrutura, a gente tenta oferecer o que pode. Os professores se preocupam em explicar para os alunos a importância do vestibular. Alguns não ligam, mas outros vêm à escola mesmo quando estamos sem aula. Tem o grupo que se destaca e que vai em busca do seu futuro, como os meninos”, opina.

Todos já têm perspectivas traçadas quando falam em medicina. Thaynara quer ser cardiologista, Gilson cirurgião geral e Erick ortopedista. O risco de desistir de algo que já estava certo – as vagas já garantidas-, para fazer um novo vestibular nem sequer foi revista pelos estudantes. Gilson, que chegou a mentir para a família para poder fazer o vestibular em Pernambuco, nem pensou duas vezes.

“Já meus pais não aceitaram muito bem. Eles queriam que eu fizesse engenharia, mas biologia é a minha vida. A gente estuda tanto porque a medicina é o nosso maior desejo, e a companhia dos amigos deixa tudo menos cansativo. É o nosso futuro que está em jogo, então todas as ausências, da família e da vida social, são por uma causa nobre”, diz Erick Paz.

Desde o resultado do vestibular, no dia 5 de janeiro, os três retomaram a rotina puxada de estudo. A diferença é que eles começaram a mexer um pouco com a Medicina também. Além do boneco anatômico, companheiro durante os estudos, alguns livros “pequenos” de 700 páginas ficam sobre a mesa - uma pequena amostra do que está por vir. “São 26 vagas, nós só queremos três”, sorri Gilson.

Rotina de estudo resulta no 1º lugar
Humberto Sales/NJ
Janderson Leonardo Alves: com a mãe Lúcia Alves e a irmã Luciana
Diferentemente de Thaynara, o estudante Janderson Leonardo Alves, 18, preferia focar na aprovação em vez de pensar na probabilidade de errar. A rotina de quase 16h de estudo por dia acabou resultando no primeiro lugar do curso de Publicidade e Propaganda da UFRN. Ele também foi o único aluno da Escola Estadual Desembargador Floriano Cavalcanti (Floca) a passar no exame.

“O resultado está na dedicação. Não tem muito isso de macete que o pessoal costuma dar nos cursinhos. Apesar das dificuldades, os professores do Floca me estimulavam muito. A única diferença está na perda de conteúdo”, explica Leonardo, como prefere ser chamado. Apesar de não ter passado por períodos sem aulas durante o 3º ano, os efeitos da greve dos professores da rede estadual nos anos de 2010 e 2011, que chegou a paralisar em até 100 dias do ano letivo, foi sentida pelo estudante no período de preparação para o vestibular.

“A greve interfere muito. É o período mais difícil para o aluno da rede estadual porque perde conteúdo, teste, trabalho e volta no aperreio. O professor está com conteúdo atrasado, passa correndo por tudo e tanto ele quanto o aluno ficam desestimulados”, opina.
A única forma de mudar a situação, avalia Leonardo, seria manter-se firme na rotina de estudos: cursinhos, aulões, simulados e as aulas da escola. Feriados, namoros e diversão ficariam para depois da prova.

“Eu fiquei muito feliz pela aprovação dele, mas foi um esforço coletivo. A gente acaba tendo que tirar do próprio bolso, pagar cursinho e livro, mas pelo menos ele está preocupado com o futuro”, conta Lúcia Alves, mãe do estudante. “Muitas vezes a gente saia e o pessoal me perguntava se eu não tinha filho, já que só saíamos eu, meu esposo e Luciana (irmã de Leonardo). Só que ele ficava estudando”.

Apesar de tímido inicialmente, o rapaz se empolga quando fala dos planos para o futuro. Ele já estava contando os dias para o início das aulas, previsto para segunda-feira passada. A ideia é começar a procurar por bolsas e intercâmbios. “Eu tinha uma vontade grande de passar agora, justamente porque era o último. Estava meio que encerrando uma era na UFRN e ainda levando uma vaga numa das universidades mais almejadas do Nordeste. Era o que me mantinha estimulado, saber que tinha que passar”, diz o garoto de cabeça raspada.

Ansiedade pelo novo
A falta de estrutura, como cadeiras, quadro negro e até pilotos era uma realidade cotidiana para a vestibulanda Julliana Gonçalves, 19, estudante do Centro Estadual de Educação Profissionalizante Senador Jessé Pinto Freire (Cenep). As dificuldades encontradas para manter os estudos em dia, apesar da falta de professores, foi tomada como um estímulo pela estudante. Aprovada no último vestibular para o bacharelado de Tecnologia da Informação (TI), ela espera encontrar uma realidade bem diferente no ensino público federal. 
“Estou muito ansiosa porque esperei muito tempo por essa mudança. Faltava de tudo na estrutura da escola. Nunca tivemos professores fixos de matemática e física. A gente fica assustada quando chega no ano do vestibular e vê que perdeu muita coisa. Como é que eu vou aprender?”, questiona.

Como a estudante também fazia o último ano do curso técnico em administração, disponibilizado pela escola como complemento do Ensino Médio, ficava ainda mais difícil compensar o conteúdo perdido. “As disciplinas eram muito pesadas e como eu também estava fazendo o Trabalho de Conclusão de Curso não tinha tempo para o cursinho. Cheguei a ficar doente por não ter tempo de comer direito”, conta Julliana.

A situação se complicava devido às aulas do projeto Metrópole Digital, no qual a aluna ingressou em 2010. Foi no projeto que descobriu a verdadeira vocação para a informática. “Tinha muito preconceito e gente que dizia que era curso de homem, mas foi no Metrópole Digital que eu descobri minha vontade de trabalhar com programação. E foi o que me fez ficar mais estimulada para continuar estudando”, acrescenta.

Apesar de aprovada com auxílio das cotas raciais, a estudante também acredita que essa política é uma espécie de paliativo para justificar a desestruturação do ensino público. “As cotas ajudam, mas também são uma forma de preconceito por dizer que você é incapaz só porque é negro ou estuda em escola pública. É uma boa iniciativa, mas não adianta se não melhorarem o ensino”, critica. Para ela, as deficiências da escola pública irão barrar os alunos no Enem. “A leitura que é tão cobrada nas provas do Enem é péssima na escola, já que nós não somos incentivados a trabalhar a interpretação. Vai ficar cada vez mais difícil para o aluno entrar através do Enem”, opina.

Secretaria adotará viés multidisciplinar
A visão de que o Enem é um complicador é rebatida pela secretária estadual de Educação, Betânia Ramalho. Ela afirma que a crescente aprovação dos estudantes de escola pública nos últimos anos é uma prova contra o “preconceito” com relação à capacidade dos alunos da rede. Betânia acredita que o Enem é uma porta de entrada para o aluno da rede pública, desde que algumas mudanças na forma de ensino sejam iniciadas. 

“A aprovação é forma de desmistificar o preconceito contra o que é pública, quando na verdade eles precisam de oportunidade. As políticas de inclusão são uma forma de ajudar. Apesar das dificuldades que eles enfrentam na escola, os estudantes possuem a mesma capacidade dos alunos da escola privada”, disse. Neste ano, os estudantes de ensino público representaram 51,31% dos inscritos e 37,78% dos aprovados, de acordo com dados preliminares disponibilizados pela Comperve.

Segundo a secretária, o estado se voltará, a partir deste ano, para a preparação do estudante para o Enem. “O Enem é preocupado em induzir o conhecimento. Sabendo disso, nós queremos trazer um viés mais multidisciplinar. Não adianta passar o conteúdo se o aluno não souber como aplicá-lo”, disse a secretária.

Quanto às greves, a secretária garantiu que não há possibilidade de novas paralisações para 2013, uma vez que o governo se dispôs a pagar o piso nacional para a categoria. “As greves são um prejuízo irrecuperável para o aluno, algo que é dramático na vida dele. As aulas que o aluno perde nunca serão repostas da mesma forma. Este ano nós abrimos diálogo com a categoria para evitar novas paralisações”, finalizou.

Fonte: Novo Jornal

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