No Rio Grande do Norte, 52% das famílias de potenciais doadores de órgãos recusam fazer a doação, mesmo que essa seja a vontade de seus familiares. O índice é superior ao nacional, que se mantém em 43%. A recusa pode ser explicada por desconhecimento da vontade do ente querido falecido em realizar uma doação ou mesmo por falta de informação sobre o procedimento para o transplante. É isso que uma campanha da Assembleia Legislativa lançada oficialmente ontem (11) visa ajudar a sanar: a informação é tudo quando se fala em transplante de órgãos.
Lançada, a campanha “Doe órgãos. Salve vidas” já é veiculada em mídias tradicionais, digitais, móveis e fixas, como outdoors e backbus (ônibus). Ela explica como pode ser feita a doação, quando é indicado e orienta a família com informações que ajudam a desmistificar o tema, como a aparência física após o procedimento e os custos para arcar com a doação, que não existem.
Propositor e apoiador da campanha e da audiência pública realizada ontem, na Assembleia Legislativa do RN, para a divulgação e lançamento oficial da campanha educativa, o deputado estadual e presidente da Casa, Ezequiel Ferreira de Souza, falou da importância da informação correta sobre a doação de órgãos.
“Urge a necessidade do Rio Grande do Norte abraçar esta causa, afinal o índice de recusa de familiares em doar, em nosso estado, ainda é expressivo. A Assembleia Legislativa, reconhecendo a importância deste tema, não poderia deixar de divulgar a importância da doação de órgãos. Para isso, veicula campanha explicando como pode ser feita a doação, orientando com informações que desmistificam ideias e, claro, incentivam a doação”, declarou o parlamentar.
De acordo com dados apresentados pela Coordenação da Central de Transplantes do RN, o estado realiza hoje transplantes de rim e córnea. Também era possível o transplante de medula óssea, mas o procedimento foi suspenso momentaneamente devido ao fim de contrato com o hospital que fazia a operação, no final do ano passado.
A central para a realização dos procedimentos cirúrgicos mudou de unidade e ainda está nesse processo. Assim, atualmente, para a realização de um transplante de medula óssea, o transplantado deve ir a outros estados, como São Paulo e Paraná.
No primeiro quadrimestre de 2017, segundo a Central de Transplantes do RN, foram feitos 100 transplantes no estado. Os números superam as parciais para o mesmo período de 2016, quando foram registram 65 transplantes.
As maiores dificuldades da doação no Brasil

Floriano ajudou a criar a mulher que viria a se casar com Ismael. Cátia e Roseli se conheceram na igreja que frequentavam. Camila e Janaina eram amigas de infância, mas às vezes ficavam um bom tempo sem se ver. Todas essas duplas têm algo em comum, além do vínculo de amizade: o transplante de órgãos. A doação de rim entre pessoas sem relação de parentesco ou conjugal é cada vez mais rara, mas, apesar das restrições legais, segue tendo adeptos no país.
Segundo os registros da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), de 2013 a março deste ano (dados mais recentes) houve 325 procedimentos do tipo, ou seja, cerca de seis por mês, em média. O número corresponde a 1,4% do total de transplantes de rim realizados no período.
Além do motivo mais óbvio – é muito difícil alguém se dispor a abrir mão de uma parte do corpo por um amigo –, há outras duas explicações para o índice. Em primeiro lugar, prefere-se que o paciente receba o rim de pessoa com morte encefálica, para evitar qualquer risco, ainda que mínimo, ao doador. Outra explicação é que a legislação impõe diversos obstáculos à doação entre pessoas não aparentadas.
Para dar início ao processo, é preciso contratar um advogado para obter autorização de um juiz. Durante a ação, os pretendentes ao transplante serão entrevistados por psicólogos e terão que provar a relação de amizade. Nessa hora, vale apresentar fotografias, declarações de conhecidos, histórico escolar etc.
Essa não é, porém, a parte mais difícil. O mais complicado é conseguir um amigo doador que cumpra uma exigência técnica do decreto de transplantes: ter “quatro compatibilidades em relação aos antígenos leucocitários humanos (HLA), salvo entre cônjuges e consanguíneos”.
Os HLA são grupos de proteínas presentes em algumas células do corpo. Ter quatro compatibilidades é algo dificílimo de acontecer entre pessoas que não são da mesma família, explica Luciane Deboni, coordenadora de transplantes da Fundação Pró-Rim.
O objetivo da exigência, diz ela, é justamente desincentivar esse tipo de doação para minimizar a possibilidade de comércio de órgãos, tanto que a regra não se aplica a cônjuges e parentes. Tecnicamente, com os medicamentos imunossupressores hoje disponíveis, não seria preciso ter tanta compatibilidade.
Foi o que argumentou o advogado Ayrton Carvalho Junior na ação para Camila Costal, 31, receber o rim de sua amiga. Anexados ao processo, pareceres de médicos do Hospital das Clínicas atestaram a possibilidade clínica do transplante.
“O disposto no decreto não se amolda aos conceitos médicos atuais e cria uma injustificável desigualdade de tratamento entre doadores não aparentados (cônjuges em relação a amigos)”, escreveu o desembargador James Siano em sua decisão. O transplante foi feito no último dia 11 de abril, cerca de um ano e meio depois de a amiga se oferecer para ser doadora de Camila durante um jantar num restaurante japonês em Santos, no litoral sul de São Paulo.
Amiga da igreja doou para doente renal
Doente renal por mais de dez anos, Cátia Maria Crispim Rodrigues, 43, também não esquece o momento em que sua amiga Roseli Behnke se ofereceu para ajudá-la. Foi em uma igreja em Joinville (SC). “Eu estava no culto da noite e comecei a passar mal. Sentia muita náusea. Pedi para meu marido me levar para casa e, na saída, veio um grupo de pessoas me ajudar. De repente, ela aparece e diz: ‘Quero doar meu rim para você’”, lembra. “Achei que era a emoção do momento”.
Não era. Primeiro, a família de Roseli foi consultada e deu seu aval ao transplante. Depois, as duas fizeram exames, compareceram em audiência diante de um juiz, mandaram fotos e documentos que comprovavam a amizade – que era recente, pois não fazia um ano que Cátia havia se mudado de Dourados (MS) para lá, em busca de um tratamento melhor.
A cirurgia foi feita em 19 de abril de 2013. A data virou um novo aniversário, sempre comemorado pelas duas. “Fiquei dez anos em tratamento e, nesse tempo todo, muita gente me procurava para falar: ‘Se eu pudesse doar, eu doaria’. Ela foi lá e doou, sem que eu pedisse”, destacou Cátia.
Quem precisa de um órgão, não pede, diz Cátia. No caso do empresário Floriano do Valle Filho, 59, de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), isso é muito verdade. Ele não só não pediu como tentou dissuadir Ismael da Silva Moreira, 24, de doar um rim para ele. “Falei para ele que ele era jovem, que podia se arrepender”, lembra.
Ismael era namorado –hoje é marido– de uma das filhas de sua ex-mulher, que Floriano também trata como filha. Quando soube do problema renal dele, imediatamente quis ajudar.
Foi preciso mais de uma visita para, por fim, convencê-lo a aceitar a doação. A cirurgia aconteceu em 25 de agosto do ano passado.
Alguns dias antes, uma psicóloga ouviu Ismael para saber por que ele queria fazer a doação. Não era por dinheiro nem pela religião, afirmou. “Na verdade, até hoje eu não sei explicar exatamente por que eu fiz isso”, diz. “Mas não me arrependo”.