terça-feira, 26 de junho de 2018

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Redes de supermercados contribuem para pobreza no campo, diz estudo
Enquanto os supermercados ficam com até 50% dos lucros, a parcela que fica com trabalhadores e produtores rurais pode ser menos de 5%.
As grandes redes de supermercados também são responsáveis pela pobreza e pelas condições precárias de trabalho na cadeia de fornecedores de alimentos, onde estão trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores. É o que revela o relatório Hora de Mudar - Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecimento dos supermercados, lançado no dia 21 pela organização não governamental Oxfam. O relatório completo está disponível na página da Oxfam Brasil.
De acordo com o relatório, a concentração do mercado global de alimentos acaba “espremendo” as cadeias de fornecimento pelo menor valor dos seus produtos, restando aos trabalhadores e produtores uma renda insuficiente para uma vida digna, trabalho análogo à escravidão e perda de suas terras. Enquanto os supermercados ficam com uma parcela cada vez maior do que é gasto em suas lojas, em alguns casos, cerca de 50%, a parcela que fica com trabalhadores e produtores rurais pode ser menos de 5%.
“O resultado é o sofrimento humano generalizado entre mulheres e homens que produzem alimentos para supermercados em todo o mundo. Do trabalho forçado a bordo de navios de pesca no Sudeste Asiático, passando pelos salários miseráveis nas plantações de chá indianas, até a fome enfrentada por trabalhadores das fazendas de uva na África do Sul, o desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas é muito comum nas cadeias de fornecimento alimentar”, diz o relatório.
A consultoria de pesquisa Bureau for the Appraisal of Social Impacts for Citizen Information, contratada pela organização, estudou a cadeia de 12 produtos de países em desenvolvimento que são vendidos nos supermercados europeus e norte-americanos: suco de laranja (Brasil), café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).
Brasil 
O Brasil foi um dos países incluídos no levantamento feito pela Oxfam. Segundo a organização, atualmente, um em cada quatro copos de suco de laranja consumidos no mundo vem do Brasil. O preço do produto aumentou mais de 50% nos supermercados americanos e europeus desde a década de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final.
Para alguns produtos, como o chá indiano ou a vagem queniana, a renda média dos produtores é menos da metade do que seria considerado ideal para assegurar uma vida digna. No caso do Brasil, a renda de trabalhadores e pequenos agricultores que fornecem laranja é de 61% e 58% do que seria necessário para um padrão de vida decente.
Mulheres
Segundo o estudo, as mulheres arcam com o fardo mais pesado, 90% das entrevistadas que trabalham no cultivo de uva na África do Sul afirmaram não terem tido o suficiente para comer no mês anterior. Segundo a Oxfam, a diferença entre uma renda mínima para se viver com dignidade e a renda recebida efetivamente é maior onde as mulheres são a maior parte da força de trabalho.
“Seja em pequenas propriedades familiares ou entre trabalhadores, normas de gênero profundamente arraigadas fazem com que o impacto seja mais grave para as mulheres: elas não têm direito de possuir terras, têm menos probabilidade de contar com representação sindical, assumem a maioria dos trabalhos de cuidado não remunerados, são discriminadas com relação a remuneração e progressão para funções superiores, e sofrem ameaças de assédio e violência sexuais”, diz o relatório.
A queda nos preços de exportação de vários produtos no longo prazo, 70% no caso do suco brasileiro, também ajudou a reduzir os preços pagos aos pequenos agricultores e produtores a pouco mais que o custo de produção. Como resultado, eles saem das cadeias internacionais de fornecimento e podem ser forçados a trabalhar nas grandes plantações da indústria alimentícia. No Brasil, o número de fazendas do setor de produção de suco de laranja diminuiu de 28 mil para menos de 10 mil nas duas últimas décadas.

Responsabilidade social corporativa

Por outro lado, para a Oxfam, à medida que vão concentrando o mercado, as cadeias varejistas podem encontrar soluções para acabar com as desigualdades sociais e melhorar as condições de trabalho e a remuneração desses trabalhadores. No caso do Brasil, de acordo com a Oxfam, três grandes redes de supermercados concentram 46% do setor.
Por meio de políticas inclusivas, com seu poder de compra e influência, elas podem exigir dos seus fornecedores, por exemplo, que acabem com os empregos informais e o trabalho escravo no campo, além de garantir que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago pelos consumidores no varejo.
De acordo com o levantamento, no caso de muitos produtos, o investimento necessário para levar a renda ou os salários atuais a níveis dignos é ínfimo em comparação com o preço ao consumidor final. Devolver 1% ou 2% do preço do varejo aos fornecedores poderia mudar a vida de muitas pessoas que produzem alimentos. No caso do suco de laranja, cerca de 3,1% do valor pago pelo consumidor no supermercado já garantiria uma renda digna a pequenos agricultores.
O relatório diz que talvez os preços ao consumidor não precisem aumentar para alcançar esse investimento a mais. Em cada um desses 12 produtos, o investimento extra que os atores da cadeia de fornecimento precisariam fazer é muito menor do que o aumento que os supermercados tiveram em sua fatia do preço ao consumidor final nos últimos 10 a 15 anos.
O relatório da Oxfam sobre a cesta de 12 produtos sugere ainda que, em países onde os governos intervieram e estabeleceram preços mínimos para as commodities agrícolas, os pequenos agricultores recebem uma fatia do preço final ao consumidor que é cerca de duas vezes maior do que a dos agricultores que não recebem esse apoio.
O documento é a base de uma nova campanha global da organização para denunciar a exploração econômica e cobrar mudanças na distribuição dos ganhos deste segmento, para melhorar a remuneração dos trabalhadores rurais e pequenos produtores, as condições de trabalho e a desigualdade de gênero na cadeia de fornecedores de alimentos na América Latina, África e Ásia.
Por Agência Brasil.

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