O
jurista francês René Cassin não queria proteger um ou outro grupo
específico de pessoas quando disse: “Não haverá paz neste
planeta enquanto os direitos humanos forem violados em alguma parte
do mundo”. Um dos autores do texto da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas
(ONU) em 1948, o ganhador do Nobel da Paz de 1968 incluiu todos
os Homo
sapiens naquela
frase célebre. Morto em 1976, aos 88 anos, Cassin seria uma ótima
pessoa para invocar diante de compreensões equivocadas sobre a
expressão “direitos humanos”, quase 70 anos depois da adoção
do texto pela comunidade internacional.
O
respeito pelos direitos de todos os humanos, explícito na
declaração, é o tema do Dia Internacional da Paz, celebrado nesta
sexta-feira. Num texto sobre esta data divulgado em seu site, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco) afirma que os direitos humanos “são um
pré-requisito para uma sociedade pacífica”. Mas a mesma mensagem
alerta para desafios no caminho dessa paz, como a desigualdade
social, os conflitos gerados pelas mudanças climáticas e as visões
extremistas que se espalham pelo mundo.
Segundo
o coordenador do Setor de Ciências Naturais e Sociais da Unesco no
Brasil, Fabio Eon, os direitos humanos estão sendo alvo de uma onda
conservadora que trata a expressão como algo politizado.
- Existe
hoje uma tendência a enxergar direitos humanos como algo ideológico,
o que é um equívoco. Os direitos humanos não são algo da esquerda
ou da direita. São de todos, independentemente de onde você nasceu
ou da sua classe social. É importante enfatizar isso para frear essa
onda conservadora - ressalta Eon, que sugere um remédio para o
problema: — Precisamos promover uma cultura de direitos humanos. É
muito bom celebrar o aniversário da declaração. Pouca gente
conhece os artigos do texto. O tema poderia, por exemplo, estar
dentro das escolas como um assunto transversal. Precisamos romper com
esse ranço, essa mentalidade machista e retrógrada que age pela
violação dos direitos humanos.
Dados
divulgados no mês passado mostram a falta de entendimento sobre o
assunto. De acordo com a pesquisa Pulso Brasil, do Instituto Ipsos,
seis em cada dez brasileiros se dizem “a favor” dos direitos
humanos. Mas, ao mesmo tempo, 63% dos entrevistados acham que os
“direitos humanos defendem mais os bandidos que as vítimas”. A
percepção chega a 79% na região Norte do Brasil. E alcança 76%
entre as pessoas com ensino superior. Além disso, uma em cada cinco
pessoas se declarou contra a própria existência dos direitos
humanos.
Ainda
de acordo com a pesquisa, 43% dos brasileiros evitam falar sobre o
assunto com outras pessoas, com medo de serem vistas como alguém que
defende bandiPara o pesquisador Cézar Muñoz, da organização
Humans Rights Watch no Brasil, a promoção dos direitos humanos
gerou uma série de avanços na sociedade. Mas ele também vê com
preocupação a deturpação de sentido que ocorre no Brasil.
A
percepção no país está distorcida por causa das pessoas que acham
que os direitos humanos só protegem as minorias. Organizações como
a nossa se dedicam a monitorar violações dos direitos humanos, o
que ocorre frequentemente contra as minorias. Mas o último relatório
que escrevi foi sobre violência doméstica, um problema que não
afeta um grupo pequeno de pessoas. É generalizado, ocorre em todas
as regiões do país - afirma o pesquisador.
Adotada
na terceira sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de
dezembro de 1948, ainda sob o trauma da Segunda Guerra Mundial, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos é composta por 30
artigos que expressam garantias individuais que devem ser usufruídas
por todas pessoas, como o direito à vida, à liberdade e à
segurança.
Embora
não seja vinculante, o documento serviu de inspiração para
diferentes constituições federais e também embasou reações da
comunidade internacional diante de violações de direitos humanos no
mundo, como durante a guerra civil que eclodiu na Bósnia e
Herzegovina, em 1992, o genocídio étnico ocorrido em Ruanda, em
1994, e os conflitos que assolam o Sudão do Sul, desde 2013, gerando
desabrigados, fome e mortes.
A
diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, disse, no último sábado,
que a declaração afirma os valores que devem guiar as democracias.
“Vamos nos unir para assegurar que a promessa de paz e justiça
apoiada pela democracia seja cumprida”.
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