Paraibana de Nova Palmeira radicada em Natal (RN) desde os anos 1970, Fátima Bezerra (PT) será a exceção do Brasil a partir de 1º de janeiro como única mulher a tomar posse para governar um Estado no país. O novo parlamento do Rio Grande do Norte confirma que a eleição de Fátima não é regra. A renovação feminina nas câmaras federais e estadual no Estado potiguar ficou abaixo da média nacional. Apesar da preferência por uma mulher no Executivo, o parlamento que dará sustentação ao governo Fátima segue conservador e dominado pelos homens.
A mudança na legislação eleitoral que obrigou os partidos a reservarem pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas a partir da campanha deste ano até que impulsionou a eleição de mais mulheres no país, embora a relação continue territorialmente desigual. No Rio Grande do Norte, no entanto, à exceção do Senado com a eleição da deputada federal Zenaide Maia (PHS), nas demais Casas legislativas as mulheres não conseguiram atingir um terço das vagas.
Das 35 vagas no legislativo potiguar somando Assembleia Legislativa (24), Câmara Federal (8) e Senado (3), apenas cinco serão ocupadas por mulheres, um percentual total de 14,2%. Outro detalhe que chama a atenção é que todas as mulheres já ocupavam um mandato antes da eleição de outubro, seja em câmaras municipais, na própria ALRN ou na Câmara dos Deputados.
A Agência Saiba Mais entrevistou as cinco parlamentares eleitas para o legislativo do Rio Grande do Norte e perguntou por que, na visão delas, as mulheres não conseguiram aumentar a bancada feminina no parlamento mesmo com um percentual mínimo de financiamento garantido por lei.
Das respostas, é possível aferir que a questão financeira é importante, mas não é o único fator que elege uma mulher. O machismo estrutural na sociedade com efeitos diretos na política, o próprio boicote dos partidos políticos às candidaturas femininas e o acúmulo de funções na rotina da mulher são apontados pelas parlamentares como determinantes nessa relação ainda muito desigual.
Política para os homens, pelos homens e com os homens
Dos 24 deputados estaduais que assumem em 1º de fevereiro de 2019, apenas três mulheres foram eleitas em 2018, um percentual de 12,5% das vagas, mesmo número da atual legislatura que termina em 31 de dezembro.
Só os nomes mudaram nessa relação desigual. Com as ausências das deputadas do PSDB Larissa Rosado e Márcia Maia, que não conseguiram se reeleger, a bancada feminina na Assembleia Legislativa será ocupada pelas novatas Isolda Dantas (PT) e Eudiane Macedo (PTC). As duas se unem à deputada reeleita Cristiane Dantas (PPL), única mulher remanescente do quadro atual.
Para a vereadora de Mossoró e deputada estadual eleita Isolda Dantas, única petista mulher na ALRN, o problema é estrutural. Na visão dela, a política ainda é feita com base em valores conservadores, que vão do machismo ao patriarcado:
“Temos que debater a forma da política funcionar porque ainda hoje a política é feita para os homens, pelos homens e com os homens. Então para as mulheres entrarem não tem que mudar só o financiamento de campanha. Temos que ter uma reforma política que determine uma lista alternada por sexo numa perspectiva de transformação”, defende.
A parlamentar do PT destaca também que não basta eleger uma mulher para que as mulheres tenham mais representatividade na política. E dá como exemplo o caso da ex-governadora do Estado e atual prefeita de Mossoró Rosalba Ciarlini (PP):
“Já tivemos uma governadora mulher e isso em nada alterou a vida das mulheres. Temos uma prefeita em Mossoró (Rosalba Ciarlini) que foi a prefeita que mais vetou projetos nossos de combate à violência contra a mulher, de casa Abrigo, ou outras legislações que apresentamos para a redução da desigualdade. O debate de representação da mulher na política precisa ser misturado, talvez tenham temas mais essenciais para serem debatidos, como o machismo, o patriarcado e sobre como a política é feita baseada nos homens”, pontua.
Partidos políticos, os algozes das mulheres
Assim como Isolda Dantas, a deputada estadual eleita Eudiane Macêdo (PTC) está migrando do legislativo municipal para o estadual. Vereadora de Natal, ela acredita que a ausência de mais mulheres no parlamento tem relação com a falta de incentivo nas próprias candidaturas de mulheres pelos partidos políticos:
– Eu acredito que isso reflete a falta de incentivo ao longo dos quatro anos dentro dos partidos para que as mulheres compreendam que a política partidária é um espaço nosso também. Aliás, um espaço muito importante e fundamental para que possamos avançar no sentido de uma sociedade mais igualitária e justa nas questões de gênero. Eu acredito que a grande maioria dos partidos até estimula as candidaturas, mesmo porque a legislação impõe uma cota, mas na maioria das vezes não são candidaturas verdadeiramente competitivas. E aí, apesar de termos cerca de 30% de candidaturas de mulheres, estamos muito longe de alcançar esse patamar de eleitas. Na Assembleia Legislativa, esse percentual representaria uma bancada de oito mulheres e só conseguimos manter as três vagas.
Eudiane acredita que as mulheres também se sentem inibidas de participar da política em razão da predominância masculina. A própria estrutura das câmaras legislativas revela que o espaço é pensado para os homens. Prova disso é que apenas na atual legislatura, o plenário da Câmara Municipal de Natal ganhou o primeiro banheiro feminino:
– Na Câmara Municipal de Natal, por exemplo, somente na atual legislatura foi feito um banheiro feminino no plenário, não existia licença maternidade para vereadora – o que só foi possível através de um projeto de resolução do nosso mandato, criamos a Frente Parlamentar da Mulher. Precisamos mostrar que a política é um espaço para nós mulheres e para pessoas simples, do povo. Só teremos uma sociedade verdadeiramente justa dessa maneira, quando a população estiver realmente representada nos seus mais diversos segmentos,” reflete.
Na linha de Eudiane Macedo, a deputada estadual reeleita Cristiane Dantas (PPL) também vê pouco incentivo dos próprios partidos na construção de candidaturas femininas. Na visão dela, nem a lei dos 30% de financiamento público para mulheres mudou essa realidade:
– Apesar de termos no Rio Grande do Norte uma história de protagonismo feminino na política, ao longo do anos nunca recebemos por parte dos partidos um incentivo maior para o engajamento das mulheres. Nem mesmo por meio de lei isso mudou, mas é um passo importante se exigir o mínimo de participação e agora um maior financiamento das campanhas. É uma forma sensata para equilibrar essa balança entre homens e mulheres na política.
A parlamentar destaca também a dificuldade das mulheres em acumular funções, como conciliar vida pública com uma família, barreira que a maioria dos homens não encontra:
– Aliado à isso também temos que observar o lado pessoal de cada um. Ingressar na vida pública requer disposição e exige muito de qualquer um. Para a mulher conciliar a vida pública com uma família, por exemplo, nem sempre é fácil. É preciso realmente estar decidida para trilhar um caminho de luta e de melhores condições para a nossa população. E acredito que só a mulher buscando ampliar o espaço na política poderemos ter decisões mais democráticas e um estado mais justo.
Novo 7 x 1 na Câmara dos Deputados
Na Câmara Federal, a desproporção entre homens e mulheres continua a mesma da atual legislatura. A cadeira da deputada federal Zenaide Maia (PHS), eleita senadora da República, será herdada pela vereadora de Natal Natália Bonavides (PT).
A predominância masculina é histórica no parlamento Federal. O número máximo de mulheres eleitas para as oito vagas da Câmara dos Deputados, numa mesma legislatura, foi de duas mulheres, com as eleições e reeleições de Fátima Bezerra e Sandra Rosado, em 2003 e 2006.
A deputada federal eleita Natália Bonavides chama a atenção para a questão dos próprios partidos controlados por homens relegarem as mulheres a segundo plano, mesmo com a obrigação do financiamento mínimo para candidaturas femininas:
– É preciso ter em mente, a princípio, que as mulheres enfrentam uma série de desafios quando se propõem a participar dos espaços políticos, muitos dos quais não são enfrentados pelos homens. Muitas vezes, as candidaturas femininas são colocadas apenas para suprir a cota partidária, não sendo potencializadas dentro dos partidos e ficando em segundo plano em relação às candidaturas masculinas. É preciso pensar em caminhos e políticas públicas que ajudem a transformar essa realidade, pois é discrepante termos um país no qual a maior parte da população é feminina, mas a representação nas esferas políticas ainda é mínima”, diz.
Com eleição de Zenaide Maia, mulheres terão um terço do Senado
A exemplo da Câmara, a bancada do Senado também terá uma espécie de “dança das cadeiras”. A senadora Fátima Bezerra assume o Governo do Estado, a partir de 1º de janeiro, enquanto Zenaide Maia inicia o mandato de oito anos no Senado Federal.
A parlamentar do PHS também lamenta a pouca representatividade das mulheres nos espaços de decisão e empoderamento. Porém, mais otimista, acredita que a partir de 2020, quando a imposição do repasse de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas será mais conhecida pela sociedade, o número de mulheres deve aumentar:
– Quando havia a obrigação das candidaturas, mas não de financiamento, o que se observava é que haviam candidaturas, mas essas mulheres não tinham sequer o voto delas. O RN não avançou, mas mantivemos a representação. Foi diferente aqui porque temos a única governadora mulher eleita no Brasil. A gente ainda se preocupa porque estados como Maranhão, Amazonas e Sergipe ficaram sem nenhuma representação feminina. Somos 15% de representantes na Câmara Federal e mantivemos os 15% no Senado. Se somos mais de 50% da população brasileira e estamos com 15% das representantes no parlamento é porque o país não está representado. Onde há concurso publico nos processos seletivos de universidade, escolas técnicas, as mulheres já estão predominando. Mas nos lugares de decisões com empoderamento ainda estamos muito atrás. Basta olhar para os ministro do Supremo, Tribunais superiores… mas agora como já é obrigatório e todos temos conhecimento, vamos aumentar nossa representatividade se Deus quiser.
Bancada feminina aumenta na Câmara Federal e Assembleias estaduais; Senado terá uma mulher a menos
Em nível nacional, as mulheres aumentaram sua representatividade na Câmara dos Deputados e perderam uma cadeira no Senado. Na Câmara Federal, a bancada feminina cresceu 51% e será formada por 77 mulheres, o equivalente a 15% da Casa (hoje o percentual de mulheres na Câmara dos Deputados é de 10%). A partir do próximo ano serão 26 parlamentares femininas a mais do que em 2014, quando 51 mulheres foram eleitas.
Com 10 mulheres consagradas pelas urnas em outubro, o PT foi o partido que elegeu mais candidaturas femininas, uma delas a deputada federal pelo Rio Grande do Norte Natália Bonavides. É do PT e também do Rio Grande do Norte a única governadora mulher eleita a partir de 2019: Fátima Bezerra.
Se o PT elegeu mais mulheres, o PSOL será o único partido da próxima legislatura na Câmara dos Deputados no qual o número de homens será igual ao de mulheres eleitas. Dos 10 parlamentares da legenda, cinco são homens e cinco são mulheres: Talíria Petrone (RJ), Fernanda Melchionna (RS), Áurea Carolina (MG), Sâmia Bomfim, Luiza Erundina (SP), Ivan Valente (SP), Edmilson Rodrigues (PA), Marcelo Freixo, Glauber Braga e Jean Wyllys (RJ) conseguiram se eleger por cinco estados diferentes.
A proporção de mulheres no Senado para 2019 caiu de 13 para 12. Em outubro, sete candidatas foram eleitas e, a partir do próximo ano, somam-se às cinco senadoras que cumprirão a segunda metade dos seus respectivos mandatos. O MDB e o PSL são os partidos que mais terão mulheres no Senado: duas, cada. Uma das novatas é a juíza Selma Arruda (PSL), conhecida em Mato Grosso como a “Sergio Moro de saias”, além de ser publicamente contra o feminismo.
Outro dado preocupante é a desigualdade territorial. Três estados do país – Amazonas, Sergipe e Maranhão – não elegeram nenhuma mulher para a Câmara Federal. No Senado o desequilíbrio é ainda maior: nada menos do que 20 estados não terão representação feminina a partir de 2019. Desses, em três – Acre, Bahia e Tocantins – não houve sequer candidaturas de mulheres.
As mulheres também ampliaram suas bancadas nos parlamentos estaduais. Este ano foram eleitas 161 deputadas para as Assembleias Legislativas, contra 119 em 2014, um aumento de 35%.
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