Símbolo do combate à violência de gênero no Brasil, Maria da Penha sobreviveu a duas tentativas de homicídio cometidas pelo então marido e transformou sua dor em uma histórica lei para proteger as mulheres de violência doméstica e familiar. Apesar dos avanços que a sua luta trouxe, ela reconheceu em entrevista à Agência Efe que ainda faltam políticas públicas sobre o tema no país.
“Eu garanti uma vida sem violência para muitas mulheres, principalmente para as minhas filhas. Com a minha luta, elas têm hoje certas garantias”, afirmou a biofarmacêutica, aos 74 anos.
O inferno de Maria da Penha começou em 1983. Naquele ano, o então marido, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveros simulou um assalto na sua própria casa e atirou enquanto ela dormia. Ela adquiriu uma paraplegia irreversível.
“No momento no qual a bala me atingiu eu estava dormindo. Não vi quem tinha disparado, embora sempre soubesse que foi ele. Depois me informei da sua versão, ele tinha contado ladrões que entraram na casa, mas quando o tiro foi disparado os vizinhos não viram sair ou entrar ninguém”, lembrou.
Algum tempo depois de sair do hospital, onde ficou internada por quatro meses, o ainda marido tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho na sua casa, em Fortaleza. Foi então que Maria da Penha reuniu coragem, fez as malas e foi embora levando as três filhas.
A sua batalha em busca por Justiça durou 19 anos e meio. Durante esse tempo, o marido foi julgado e condenado duas vezes, mas não chegou a ser preso por conta de vários recursos apresentados pelos seus advogados.
Ela continuou lutando, escreveu um livro (“Sobrevivi… posso contar” – editora: Armazém da Cultura) e em 1998 levou o seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização de Estados Americanos (OEA), que recomendou “condenação imediata do agressor e a mudança da legislação no país”.
O ex-marido foi preso em 2002 e quatro anos depois seu incansável esforço se transformou na Lei Maria da Penha, que busca combater a violência contra a mulher. Apesar dos avanços que a lei representa para milhares de mulheres, Maria da Penha disse acreditar que ainda existe uma “falta de compromisso” e “uma carência de políticas públicas”, principalmente em alguns municípios. Ela denunciou o fato de em alguns lugares as delegacias da mulher não funcionarem 24 horas por dia e propõe que os centros de referência para elas sejam instalados dentro dos hospitais, especialmente em cidades menores.
De acordo com os últimos dados da organização Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 4.539 mulheres foram assassinadas em 2017, sendo que 1.133 casos se enquadram no crime de feminicídio.
Antes de começar a entrevista, Maria da Penha deixou clara a sua preocupação com o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a flexibilização da posse de armas de fogo no país, uma medida, que, em sua opinião, “pode aumentar o número de feminicídios”.
“Numa luta corporal a mulher pode fugir, de uma arma de fogo é muito difícil escapar. Eu fui vítima de uma arma de fogo. As sequelas continuam até hoje e já se passaram 37 anos”, destacou ela.
Seu nome é hoje conhecido em todo o Brasil e se transformou em sinônimo do combate à violência. No final de janeiro, um vídeo que se espalhou nas redes sociais mostrava um integrante da escola de samba Vai-Vai que empurra, grita e puxa os cabelos de uma mulher na frente de centos de pessoas durante um ensaio técnico no Sambódromo de Anhembi, em São Paulo. Diante da cena, várias pessoas começaram a dizer nas arquibancadas: “Maria da Penha! Maria da Penha!”, exigindo a aplicação da lei que leva o seu nome.
Por Alba Santandreu.
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