A paisagem do semiárido nordestino estava verde no final de 2018 em Pintadas, no interior da Bahia. A cidade – e toda a Bacia do rio Jacuípe – é hoje um polo de experiências sociais com grande potencial de se tornar um importante centro de restauração na Caatinga. O WRI Brasil já contou essa história: ela mostra como a liderança feminina criou demanda para produtos da restauração por meio de uma fábrica, a Delícias do Jacuípe, e como o conhecimento tradicional dos produtores rurais ajuda a adaptar às mudanças do clima. Mas o verde da paisagem de Pintadas engana quem não conhece a realidade local. “Hoje tudo está verde. Mas não é que está confortável. Não tem água para o gado, por exemplo. É uma seca verde, resultado das mudanças climáticas”, diz a produtora rural Nereide Segala Coelho, uma das fundadoras da cooperativa Ser do Sertão.
Nereide e outras lideranças da cooperativa e da fábrica estavam reunidas em um projeto, articulado com o apoio do WRI Brasil, para realizar uma pesquisa entre os produtores da região para encontrar uma forma de desenvolver a economia local e ao mesmo tempo adaptar o meio rural aos impactos de um clima mais extremo.
Nessa reunião em dezembro, um grupo de líderes mulheres engajadas pela cooperativa apresentou os resultados preliminares de uma pesquisa de campo. Elas perguntaram a mais de 500 produtores rurais sobre as árvores nativas mais comuns em suas propriedades, as motivações para que se engajem em restauração florestal e as necessidades relacionadas à produção no campo, como assistência técnica.
A produtora rural Nereide Segala Coelho, uma das fundadoras da cooperativa Ser do Sertão (Foto: Bruno Calixto/WRI Brasil)
Os dados ainda serão compilados, mas as primeiras impressões já mostram um caminho para que a restauração na Caatinga crie corpo: é preciso criar um mercado de produtos nativos. “Os produtores nunca tiveram o hábito de colher frutas para a venda. Estamos começando um processo novo, mostrando que o produto que ele tem vai ajudar na renda. A realidade vai mudando”, diz Valdirene dos Santos Oliveira, atual presidente da cooperativa.
Restauração como um negócio
A criação da demanda por produtos foi uma estratégia pensada pelas lideranças da cooperativa para promover a restauração. A fábrica Delícias do Jacuípe é o elemento central: fornece polpa de frutas para suco para escolas, mercados e feiras. Para comercializar a polpa, a fábrica compra dos produtores frutas nativas que antes eram desperdiçadas, como umbu, maracujá da Caatinga e cajá-umbu. Tendo a fábrica para vender as frutas, os produtores estão começando a plantar árvores frutíferas. Todo mundo ganha. As famílias rurais podem complementar sua renda e, por outro lado, a restauração por meio da introdução das espécies arbóreas nativas nos sistemas produtivos pode melhorar a qualidade do solo e aumentar a resiliência das propriedade frente às mudanças climáticas.
Para essa cadeia funcionar bem, é preciso buscar profissionalização. Por isso, as lideranças da cooperativa passaram por diversos treinamentos e capacitações de gerenciamento de negócios. Estudaram análise de fluxo de caixa, entendimento de custos, investimentos e perdas. A ideia é criar uma cultura de melhor uso das informações. Além disso, estão fazendo prospecção de mercado, visitando restaurantes e potenciais compradores das polpas de frutas em outros municípios. Buscar novos consumidores é um primeiro passo para estabelecer um mercado produtivo e sustentável.
Trabalhadoras da fábrica Delícias do Jacuípe selecionam o tamarindo no primeiro processo para transformar a fruta em polpa para suco (Foto: Bruno Calixto/WRI Brasil)
Profissionalização da mulher no meio rural
O sucesso da fábrica permite que a restauração se espalhe por toda a cadeia. Ela chega em uma das pontas – os consumidores que passam a conhecer o gosto das frutas da Caatinga, por meio de sucos – e na outra ponta encontra os produtores e produtoras rurais, que passam a valorizar o plantio de árvores e a colheita de frutas para atender a demanda da fábrica.
Esse processo ainda gera um resultado social importante: a possibilidade de promover economia rural baseada na resiliência climática. Além disso, essa mudança de cultura estimula que as decisões sobre a produção sejam compartilhadas entre os integrantes das famílias rurais, aumentando a participação feminina na economia local. “O profissionalismo da produção passa pelo envolvimento das mulheres no gerenciamento da propriedade”, diz Norma Rios, diretora da cooperativa.
Com a propriedade produzindo e vendendo, e com árvores fortalecendo o solo e o ambiente, os produtores rurais poderão se preparar para os impactos da mudança climática – e ainda lucrar com a venda de frutas.
O umbu, fruta nativa da Caatinga (Foto: Bruno Calixto/WRI Brasil)
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