Os livretos de literatura de cordel já se enfileiravam em cordas nas feiras e praças do sertão nordestino desde o fim do século 19, mas foi somente em 1938, na Paraíba, que uma mulher se atreveu a disputar aquele espaço. Ainda assim, somente nos bastidores. Maria das Neves Baptista Pimentel, “para ser levada a sério”, precisou tomar emprestado o nome do marido Altino Alagoano. A trajetória de mulheres cordelistas é o tema do Programa Caminhos da Reportagem, que foi ao ar no último dia 13 às 22h30, na TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Mais de 80 anos se passaram desde que Maria das Neves assinou como um homem o cordel “O Violino do Diabo ou o Valor da Honestidade”. A presença de mulheres nesse meio, no entanto, ainda é desafiador. Dos 40 poetas da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), cinco são mulheres. “O mundo do cordel era um mundo de homens”, diz Maria Rosário Pinto, integrante da academia.
O programa As Cordelistas apresenta histórias como a da cearense Dalinha Catunda, também integrante da ABLC. “Eu vim para o Rio de Janeiro em 1972. A saudade era tanta que eu só pensava no Ceará. E toda a saudade que eu sentia, eu fazia versos”, conta a poeta nascida na cidade de Ipueiras. Os livretos “O Jumento do Maurício” e “O Forró do Zeca” retratam essas lembranças. “Eu rimo e metrifico tudo o que vivi naquele sertão”, relata à reportagem da TV Brasil.
O Caminhos da Reportagem mostra histórias de mulheres que quebraram barreiras para se impor em uma literatura essencialmente masculina e como elas vêm conquistando cada vez mais espaço. “Você pode simplesmente criar uma personagem mulher, que faz algo muito legal, heroico, e isso por si só já é uma grande subversão no mundo cordelista, porque poucas foram as personagens mulheres, heroicas, como os grandes heróis do cordel”, diz a escritora Jarid Arraes.
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, os dois livros de cordel mais vendidos são de Jarid, escritora jovem, negra e nordestina. A história da primeira cordelista indígena, Auritha Tabajara, também é apresentada no programa.
Em diálogo entre gerações, o Caminhos da Reportagem mostra diferentes visões de como a mulher se inseriu, ao longo da história, na literatura de cordel. “Eu acho que a mulher escreve de forma diferente que o homem. Os dois têm qualidades. Mas acho que a mulher escreve de batom, o homem escreve de terno. Isso é uma figura de linguagem, mas é o olhar feminino de uma mesma realidade”, afirma Almir Gusmão, cordelista da ABLC.
História
O cordel foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2018. De acordo com o instituto, o gênero resultou da conexão entre as tradições orais e escritas presentes na formação social brasileira, e carrega vínculos com as culturas africana, indígena, europeia e árabe. Tem ligação com as narrativas orais, como contos e histórias; à poesia cantada e declamada; e à adaptação para a poesia dos romances em prosa trazidos pelos colonizadores portugueses.
Originalmente, a expressão literatura de cordel não se refere em sentido estrito a um gênero literário específico, mas ao modo como os livros eram expostos ao público, pendurados em barbantes, em uma espécie de varal.
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