O recém-lançado ‘Future-se, Programa Institutos e Universidades Inovadoras deve ser analisado a partir de um projeto de País que vem sendo desenhado e implantado a passos largos. Esse projeto aponta para um Brasil submisso ao grande capital, colateral ao centro capitalista internacional, e reduzido, em sua essência, ao papel de exportador de matérias primas. Para manter e atrair investimentos propõe manter os altos patamares de juros praticadas no País, bem como adotar uma agenda acelerada de privatizações. No âmbito fiscal, sugere a manutenção e o aprofundamento de um sistema que penaliza o consumo e cobra pouco da renda e da propriedade, em comparação com os países ditos ‘desenvolvidos’.
O carro chefe para a viabilização dessa agenda foi a aprovação, ainda em 2016, da Emenda Constitucional 95, que pavimentou, de maneira precisa, o caminho para a redução progressiva da presença do Estado nas áreas sociais, de forma a produzir superávits fiscais capazes de sustentar o novo projeto.
Essa política foi se concretizando com a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017, instrumentalizada pela Lei nº 13.467, com a justificativa de ‘combater o desemprego’, que, ao contrário, se ampliou de lá para cá. Esta reforma promoveu mudanças fortemente prejudiciais aos trabalhadores, passando a permitir que convenções e acordos coletivos prevaleçam sobre a legislação.
Para levar a EC 95 à consecução, o governo passou a legislar no sentido de conter as despesas primárias, ao longo do período de sua vigência. Essas despesas são, basicamente, as previdenciárias relativas aos serviços públicos, como educação e saúde.
A Reforma da Previdência retira direitos históricos dos trabalhadores, reduz dramaticamente aposentadorias e, ainda, corta salários líquidos de servidores públicos ativos e aposentados, ao aumentar alíquotas de contribuição.
O dimensionamento da ‘economia’ da Reforma da Previdência, de 900 bilhões de reais, em 10 anos, não é uma decisão desprovida de fundamento. É parte das adequações à EC 95. Para alcançar os cortes exigidos seguem-se outros projetos, com destaque ao Future-se.
Nas Universidades e Institutos Federais, em que os investimentos em custeio e capital são da ordem de 20% a 25% do total orçamentário, o projeto propõe a eliminação total da alocação de recursos de custeio e investimentos e a redução real da massa salarial, substituindo a Autonomia de Gestão Financeira’, constitucionalmente definida, pela ‘Autonomia Financeira’, entendida como o abandono das IFES, em termos de recursos públicos, naquilo que diz respeito a investimentos. A outra questão se refere à redução, em termos reais, da folha de pessoal, congelando salários em termos nominais e admitindo a progressiva substituição dos atuais professores por docentes contratados pela CLT – o que significa a paulatina destruição da carreira docente construída, com muita luta, desde a década de 1980 e garantia da qualidade do ensino.
Consequência direta do Future-se será o uso das IFES pelo setor privado, que passará a utilizá-las como matriz de pesquisa para assuntos de seu interesse específico. O programa fragiliza o sistema de ensino superior e tecnológico, sobretudo as instituições que estão fora dos centros industriais e financeiros do país aprofundando as desigualdades regionais.
É fato que parte do que o projeto propõe já é feito nas IFES, mas de outra forma, radicalmente distinta, sob controle autônomo, interno. Objetivamente, a implantação do programa irá eliminar ou dificultar fortemente a possibilidade de que se realize pesquisa de forma universal, o que caracteriza as instituições federais. As IFES são capazes de promover o desenvolvimento da ciência e da tecnologia necessários à soberania, de fomentar as atividades indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão, de estimular a cultura, as artes e as humanidades, rumo a um País menos desigual e mais solidário.
O Brasil que serve à maioria dos brasileiros não é compatível com a EC 95 e nem com o Projeto Future-se, que cindirá o conjunto de IFES, jogando as instituições umas contra as outras.
Não é possível aceitar que a produção do conhecimento, em sua dimensão mais ampla, fique na dependência da flutuação e dos mecanismos especulativos de bolsas de valores. Não é possível aceitar caminhos que levem o Brasil à subalternidade, sem projeto estratégico de desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social. Não se trata aqui de exorcizar a interação – via de regra desejável e positiva - das Universidades e Institutos Federais com os mais diversos setores econômicos e sociais, mas de garantir a formação de profissionais altamente capacitados e, sobretudo, dotados de pensamento crítico – o que nem sempre será consoante com os interesses imediatistas do ‘mercado’.
É papel e dever da comunidade acadêmica, não apenas como principal interessada, mas, sobretudo com a responsabilidade que tem pelo futuro do País, alertar e esclarecer a população sobre o imenso retrocesso e as danosas consequências que o caminho trilhado vem trazendo para o Brasil. Há que vencer a batalha de narrativas, e, com forte mobilização, convencer a sociedade a recusar a destruição de um patrimônio que é de todos: as Universidades e os Institutos Federais brasileiros.
Para isso, será insuficiente somente ser contra o ‘Future-se’. Será necessário agir politicamente em pelo menos três direções:
Debater nas IFES as consequências da implantação desse programa, posto que é fundamental que os docentes e a comunidade universitária se conscientizem dos prejuízos que irá trazer e possam, coletivamente, pensar em alternativas;
Buscar aliados que, descontentes com os rumos da atual política, discorde também do papel que o atual governo reserva para o sistema de IFES, para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia – tais aliados incluem certamente todos os que defendem a existência de entidades de ensino superior de excelência, como a SBPC, a ABC, as sociedades científicas, os setores produtivos voltados para o mercado interno, que dependem de uma política de distribuição de renda para o seu florescimento e sabem que a produção de conhecimento de alto nível tem um impacto positivo sobre suas atividades – e, em geral, todos aqueles que acreditam em um projeto de País voltado para a soberania;
Propor, em conjunto com esses aliados, alternativas ao programa encaminhado pelo governo para discussão. Para isso, ressalta-se que o PROIFES Federação já tem debate acumulado sobre temas relevantes, como a defesa de uma Lei Orgânica para as IFES, conforme proposta já aprovada no X Encontro Nacional do PROIFES em 2018 que pode servir como importante subsídio:
Adoção de princípios e diretrizes para o funcionamento das IFES, reforçando-se o elo indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, a gratuidade plena em todos os programas de graduação e pós-graduação, a igualdade de condições de acesso e permanência discente; a interação permanente com a sociedade e com o mundo do trabalho; a liberdade para pesquisar, para ensinar e para divulgar o pensamento, a arte, a cultura e o saber; e a gestão democrática e colegiada;
Exercício pleno do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
Valorização de docentes e técnico-administrativos, com a vigência e o aperfeiçoamento constante de planos de carreira, salários e condições de trabalho compatíveis com os princípios e diretrizes acima;
Definição das IFES como pessoas jurídicas de direito público, instituídas e mantidas pela União, dotadas de prerrogativas inerentes à autonomia universitária;
Autonomia e regulamentação da autogestão com a criação de um Conselho Interuniversitário; e
Garantia constitucional da vinculação de recursos para o seu funcionamento.
Este debate é de máxima urgência e fundamental para o futuro do Brasil, dada a importância de Universidades e Institutos Federais para a produção de conhecimento e formação de profissionais qualificados, elementos essenciais para o desenvolvimento científico, tecnológico, artístico, cultural, econômico e social do nosso País.
AGOSTO - 2019
Fonte:
PROIFES-Federação
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