Por Pedro Borges Do Alma Preta
É com grande indignação que o coletivo NegreX de estudantes negras e negros da Medicina repudia, por meio desta, a reportagem acerca de fraudes no sistema de cotas em instituições públicas de ensino superior, exibida no dia 16 de outubro de 2016 pelo programa Fantástico da emissora Rede Globo. Extremamente tendenciosa, a reportagem se utilizou do mito da democracia racial para tratar o problema das fraudes nas cotas raciais como irremediável, respaldando a afroconveniência de estudantes fraudadores, bem como, questionando a validade das denúncias realizadas.
A reportagem foi um grande desserviço a toda mobilização e luta do povo negro para ocupar um espaço que lhe é de DIREITO nas universidades. Os responsáveis pela lamentável matéria jornalística parecem ignorar o cerne da existência das cotas raciais, o qual reside na reparação histórica por séculos de um regime escravocrata que, ainda hoje, se reflete no estado de fragilidade socioeconômica no qual a maior parte da população negra se encontra.
A reportagem expõe e culpabiliza, de maneira altamente irresponsável e desleal, uma mulher negra, líder quilombola, por assinar documentos sobre a habitação dos estudantes fraudadores. Tal exposição, além de tirar o foco dos verdadeiros infratores (isto é, quem frauda as cotas se fazendo passar por quilombola), coloca a líder e todo o seu quilombo em uma situação de maior vulnerabilidade e insegurança.
Além disso, para compor a reportagem, jornalistas da referida emissora requisitaram entrevistas com integrantes deste coletivo, que tiveram a oportunidade de colocar seu posicionamento. A despeito desse encontro, houve ocultação de boa parte das falas dos estudantes negros entrevistados e o seu tempo de exibição foi irrisório. Essa edição de conteúdo se configura em silenciamento, retirando a voz dos que se pronunciaram, sobretudo quando associada ao destaque dado para pessoas brancas e juristas que se mostram contra a existência de comissões avaliadoras e que não questionam as brechas da autodeclaração.
Não restam dúvidas de que estamos diante de uma mídia racista, golpista e parcial. A dificuldade de se identificar quem é negro por conta da miscigenação do país deixa de existir no momento em que a polícia decide quem vai levar o tiro. A dificuldade deixa de existir no momento em que se escolhe quem vai ser contratado para o emprego. A dificuldade deixa de existir no momento em que nós, universitários negros e negras, olhamos a nossa volta e não vemos com a frequência que deveríamos nossos iguais, porque tiveram seus espaços de direito ocupados por pessoas brancas incapazes de reconhecer seus próprios privilégios.
Quando falam ‘abaixo a corrupção’, sejam coerentes. Comecem denunciando quem frauda um direito. Quando dizem ‘não sou racista’, sejam coerentes. Comecem sendo aliados da luta do povo negro por reparação histórica.
Quantos negros tem na sua sala? Quantos deveriam ter?
É preciso defender a permanência da política de cotas raciais sempre e sua execução de maneira justa. O problema das fraudes nas cotas raciais EXISTE e nós não nos calaremos!
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