Na América do Sul, especificamente na Venezuela, a crise humanitária já obrigou mais de 1,6 milhões de pessoas a abandonarem suas casas por escassez de comida, insegurança e ausência de assistência médica. Muitas delas vieram para o Brasil tentar uma nova vida e com a esperança de melhores condições. Entretanto, a maioria enfrenta outros problemas ao chegar no país: exploração, racismo, abusos, discriminação e xenofobia.
Pensando em dar melhores condições de vida aos refugiados venezuelanos, o Governo do Brasil, com o apoio do Alto Comissionado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), fez parcerias com diversas organizações, no urgente propósito de interiorizá-los ao país. Uma das organizações convidadas a cooperar foi a Aldeias Infantis SOS. No Rio Grande do Norte, mais precisamente em Caicó, foram recebidos 79 refugiados no ano de 2018.
Ana (nome fictício) veio para o Brasil com sua família. Chegou por Pacaraima/RR, cidade fronteiriça com a Venezuela, que foi o lugar por onde a maioria dos refugiados chegou. “Foi muito complicado. Moramos em abrigo, não tínhamos condições de um lugar nosso. A cidade estava muito cheia e perigosa. Do mesmo jeito que veio gente trabalhadora, também vieram criminosos”, declara Ana.
Quando surgiu, ainda no abrigo, a oportunidade de rumar ao interior do Brasil, um lugar onde houvesse melhor infraestrutura, mais oportunidades e uma ajuda para se estabelecer, Ana não pensou duas vezes e veio para Caicó. “Não tínhamos muita expectativa, não sabíamos o que esperar. Ao chegar aqui fomos recebidos com aplausos, havia casas nos esperando, foi muito diferente de Pacaraima”, afirma.
Projeto
Ao saber da chegada dos venezuelanos em sua cidade, a estudante Maria Souza, aluna do curso de Letras – Espanhol na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), viu que, para integração mais rápida dos refugiados, era necessário um contato formal com a língua portuguesa. “Conversei com a professora Márcia, ela acatou a ideia e pensamos o projeto de extensão para dar aulas de português a eles”, conta.
Márcia Rejane de Oliveira, que é professora do Departamento de Letras do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres), foi quem coordenou o projeto. “A ideia era fazer algo voltado para o que eles precisavam para se comunicar, tanto na oralidade quanto na escrita, deixando um pouco de lado a gramática. Por exemplo, na escrita, ensinamos como redigir um currículo. Mas, no decorrer do curso, recebemos pedidos e nos adequamos às demandas”.
Os primeiros contatos foram tímidos. Ambos os grupos nunca haviam se visto. Os voluntários, em sua maioria, não tinham experiências anteriores em sala de aula. Os venezuelanos sempre ficavam receosos quando vinha alguém com intuito de desenvolver algum projeto. Mas quando a professora Márcia disse que iriam oferecer aulas de língua portuguesa, as coisas mudaram.
“Quando fomos em todas as cinco casas, eles foram meio tímidos, mas quando falaram das oficinas, já mudaram os semblantes, ficaram animados, foi contagiante. Foi muito positiva essa parceria com a Universidade, conseguimos em pouco tempo suprir essa necessidade do contato com o português”, relatou Juclebson Araújo, coordenador pedagógico da ONG Aldeias Infantis SOS.
As oficinas foram realizadas em seis encontros e, para facilitar, todos na sede da ONG Aldeias Infantis, em Caicó. O último encontro foi dia 5 de dezembro de 2018, no qual, além da aula, houve uma culminância para celebrar a participação de todos.
O que ficou para cada um
Talita Mariz, aluna do curso de Letras – Espanhol, conta que a experiência foi enriquecedora e propiciou uma oportunidade única de troca de conhecimentos e vivências. “Para mim, que sou do segundo período, foi o primeiro passo para minha carreira de docente: pôr em prática todo o processo de elaborar o planejamento da aula e pensar as dinâmicas.” completou.
Para a professora Márcia, o aprendizado maior foi ter lidado com o público infantil. “Foi um desafio diferente. Já tinha dado aulas no ensino fundamental e no ensino médio, mas nunca dessa forma. Quando me vi brincando de roda com eles, pintando, desenhando, me vi uma outra pessoa que não imaginava, foi uma experiência bem gostosa”.
Uma das pessoas atendidas pelas oficinas, Ana, relatou que o que fica vai além do aprendizado de língua portuguesa, é o carinho e a atenção dos voluntários. “Foi muito bom, aprendemos bastante, já consigo conversar. Meu marido conseguiu emprego como auxiliar de cozinha, estamos nos organizando para alugar um lugar nosso. Mas tenho uma reclamação, o tempo foi muito curto, precisamos aprender mais, espero que tenhamos uma outra turma”, relata.
“Para o Aldeias foi maravilhoso. Conseguimos suprir uma necessidade deles, a de aprender a língua, sem ser com voluntários pontuais, mas, sim, com algo planejado, com uma parceria com a Universidade. Esperamos que o projeto seja renovado”, complementa Juclebson.
Continuidade
Com a previsão de chegada de novos grupos de refugiados, é consenso entre os envolvidos a necessidade da continuidade do projeto. A proposta para o próximo semestre é ampliar as oficinas, com níveis iniciante, intermediário e avançado, para possibilitar a todos uma maior integração em sua nova casa, o Brasil.
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