Uma das principais propostas de reforma da Previdência da equipe econômica do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL) é o regime de capitalização que não deu certo em países da América Latina em que foi adotado, como Chile, Colômbia, Peru e México. Em todos eles, os governos estão estudando mudanças que garantam um mínimo de dignidade aos idosos. Para o professor de economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, o país terá uma sociedade de miseráveis e indigentes, se este modelo previdenciário, que consta do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) vazada pela imprensa esta semana, for adotado.
“O aposentado brasileiro que recebe um salário mínimo muitas vezes consegue ajudar o filho desempregado, pagar os estudos dos netos e a alimentação da família. É uma proteção extraordinária que o governo Bolsonaro quer acabar”, diz Fagnani. O professor se refere ao fato de que no México, a taxa de cobertura do sistema previdenciário é de pouco mais de 30%. Ou seja, de cada dez trabalhadores mexicanos, cerca de três recolhem contribuição mensal para a Previdência e o resultado são idosos sem nenhuma assistência no fim de suas vidas.
Eduardo Fagnani lembra ainda que o governo do México, ao fazer a reforma da Previdência, em 1997, aceitou as imposições do Banco Mundial e realizou todas as reformas econômicas liberais pedidas, esquecendo que, já naquela época, 60% dos seus trabalhadores estavam na informalidade. Ele explica que o fato de o Brasil possuir 50% dos trabalhadores na informalidade faz com que essa imensa massa não tenha capacidade de contribuir com a Previdência por 30/35 anos ininterruptamente como acontece no México. Para o professor, a responsabilidade dessa situação é a reforma Trabalhista promovida por Michel Temer (MDB-SP).
“A reforma Trabalhista foi tão excludente ao regulamentar a atividade informal, o trabalho intermitente, a precariedade das relações de trabalho que impede qualquer pessoa de contribuir com a Previdência”, pontua o professor.
Situação parecida vive a Colômbia. Hoje, a grande maioria dos idosos vive abandonada pelas ruas à própria sorte, dependendo dos filhos ou de benefícios assistencialistas que não cobrem as necessidades mais básicas. Lá, 65% dos trabalhadores não recolhem para a aposentadoria e a previsão do governo local é a de que em 30 anos, apenas 17% ainda estejam contribuindo.
“A Colômbia vai ter mais de 80% dos seus idosos sem nenhuma proteção assistencial. O país também privatizou tudo, saúde, educação. O idoso não poderá nem ficar doente. Qual o futuro de uma sociedade como essa?”, questiona o professor da Unicamp.
Para ele, só existe uma explicação para o governo Bolsonaro insistir com a reforma da Previdência, mesmo com os maus exemplos do sistema de capitalização dos países latino-americanos. “É o capitalismo burro, tosco. Capitalismo que não aceita sequer alguns elementos da social democracia. Eles querem um país capitalista sem consumidor”, diz Fagnani, que lembra: “O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), já declarou que quer fazer uma agenda do mercado”.
Segundo o economista, a elite brasileira jamais aceitou as conquistas sociais e de redistribuição de renda que a Constituição de 1988 garantiu e, por isso, quer extinguir o direito à proteção na velhice e outros direitos.
Déficit da Previdência é Fake News
Para Fagnani, o déficit da Previdência é a maior fake news já produzida no país. Ele diz que ninguém está preocupado em achar soluções porque o problema não existe. Segundo o economista, o país perde R$ 500 bilhões por ano em sonegação geral e o governo dá em isenções fiscais outros R$ 400 bilhões, além de R$ 400 bilhões em juros pagos a bancos.
“Por que o governo não vai atrás desse dinheiro? São R$ 1 trilhão e 300 bilhões ao ano. Não precisaria o Paulo Guedes [ministro da Economia] fazer a reforma para economizar R$ 1 trilhão em 10 anos. Dizer que o caixa da Previdência é o grande problema do país não tem consistência técnica. O país precisa é crescer a economia, aumentar a receita, a oferta de empregos formais e o faturamento das empresas”, conclui o professor de economia da Unicamp.
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