sábado, 31 de dezembro de 2011

CRIME AMBIENTAL

Prefeitura despeja milhares de litros de esgoto no leito do Rio Ceará-Mirim

Por Sérgio Henrique Santos, do Diário de Natal

Crime ambiental na Terra dos Verdes Canaviais. A prefeitura de Ceará-Mirim despeja diariamente milhares de litros de esgoto sem tratamento no leito do Rio Ceará-Mirim, que corta o território do município, distante 38 quilômetros de Natal. Línguas negras se formam em várias partes do rio. Em alguns locais, os peixes saltam da água, tamanha a agonia por falta de oxigênio dentro do manancial. A cidade tem sua própria companhia de águas, o SAAE (Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto), que está com duas bombas d'água quebradas. Além do esgoto doméstico e industrial, a rede coletora pública também recebe restos de dejetos de empresas imunizadoras, provenientes de fossas sépticas. O Matadouro Público também contribui para a sujeira no rio.

A dimensão das proporções da devassa no manancial aquífero ainda é desconhecida. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), órgão estadual de fiscalização ambiental, informou que já tem conhecimentodo problema e que vai investigar o caso administrativamente. O Idema poderá multar o município, que também já enfrenta processo judicial por causa dos esgotos. Anteontem, o descaso ganhou proporção nacional quando uma reportagem foi exibida no SBT fazendo a denúncia. Ontem o Diário esteve em Ceará-Mirim, e verificou como o esgoto in natura é despejado sem piedade no leito do rio.


Pelo menos em duas estações elevatórias as bombas não estão funcionando. As lagoas de estabilização funcionam precariamente. Das três lagoas, uma está desativada, outra está assoreada e a terceira está funcionando com certa regularidade. Todas estão totalmente cobertas por mato e cheias de formigueiros. Não há sequer tratamento preliminar do esgoto. Faltam grades de contenção de sólido e comportas. Numa ponte que dá acesso à região das usinas, após a estação de trem, uma língua negra se formou. A poucos metros dali, um grupo de rapazes tomava banho. "Tá todo poluído", gritou um deles, antes de cair n'água sem receio.


Mesmo utilizandoa água do rio, a população também reclama do mau-cheiro e da poluição no manancial. Maria Cândido, 65 anos, há 34 anos utiliza a água de um olheiro próximo para lavar roupas. "As pessoas pescam e comem os peixes e piabas que comem esse esgoto. Eu não como mais nunca, principalmente depois que vi a seboseira. É água de fezes", afirma. Josimar da Silva, 34, lavador de carros, também relata a sujeira. "De longe se sente o fedor. Tem gente que come os peixes daí. Essas pessoas não têm medo de comer e pegar uma doença".

Ao redor da margem do rio, no local onde há um córrego de esgotos, o mato está escuro de tanta poluição na água. Bolhas se formam na lâmina d'água. São os peixes tentando sobreviver. João Batista Isidoro, 29, pastoreava gado próximo a um dos trechos mais críticos, na região de uma fazenda. "Antigamente esse rio era limpo. A gente via areia no fundo do rio. Hoje só se vê esgoto. Faz muito tempo que isso está acontecendo".

A dona de casa Maria das Graças Santos, 28 anos, há onze anos mora próximo auma boca de lobo que exala um "cheiro terrível à noite, inclusive de rato podre", segundo ela própria descreveu. "Daqui desce direto para o rio. Tanto o esgoto da cidade quanto da usina escorre dai abaixo", apontou. "Nem o gado pode beber água do rio".

Ação Civil Pública tramita desde 2003

Já existe uma Ação Civil Pública ajuizada na 1ª Vara Cível da Comarca de Ceará-Mirim contra o Saae e o município. O Ministério Público pede que, além de cessar a poluição do rio, identificada em vistoria do Idema e do Instituto de Gestão das Águas do Rio Grande do Norte (Igarn), seja apresentado um Plano de Recuperação de Área Degradada. O plano deve conter a descrição física do terreno contaminado, englobando, principalmente, seus aspectos geográficos e geológicos, uma descrição resumida da biota existente no ecossistema, o tipo de comprometimento do local com os efluentes lançados, descrevendo a dimensão da área poluída e as características dos elementos poluentes encontrados, e as medidas corretivas necessárias, incluindo o método a ser utilizado, o prazo para a conclusão do projeto e o custo final do mesmo.

O problema é alvo da atuação do Ministério Público desde 2003, quando a Promotoria de Justiça de Ceará-Mirim instaurou procedimento administrativo para averiguar notícias de poluição do Rio Ceará-Mirim veiculadas em jornais e canais de televisão. Nesse mesmo ano o Idema e o Igarn realizaram algumas vistorias no local constatando a poluição e identificando novos problemas. No ano seguinte, o MP firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Saae para cessar a poluição e adequação do sistema de tratamento dos esgotos na cidade. Como algumas cláusulas do TAC não haviam sido cumpridas, o Ministério Público ajuizou a Ação Civil Pública.

A reportagem tentou entrar em contato com o prefeito de Ceará-Mirim, Antônio Peixoto (PR). Ele não foi localizado, nem atendeu às ligações. O DN também tentou contato com a direção do Saae. Não obteve êxito.

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