A costa oeste africana e o litoral
brasileiro já estiveram conectados. Há 200 milhões de anos, os dois
territórios começaram a se separar e assumiram as atuais posições,
afastados milhares de quilômetros pelo Oceano Atlântico. O mar que os
separa é também o responsável pela ligação entre eles nos tempos
modernos: 4,4 milhões de africanos o cruzaram contra a vontade entre os
séculos 16 e 19 em direção ao Brasil. Essas pessoas tiveram um papel
importante na construção do nosso país. “A África está em nós, em nossa
cultura, em nossa vida, independentemente de nossa origem pessoal”,
defende Mônica Lima e Sousa, coordenadora do Laboratório de Estudos
Africanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Leáfrica/UFRJ), no
artigo História da África, publicado na Revista do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira,
da Universidade Federal Fluminense (UFF). Por isso, as tradições, a
cultura e a trajetória dos descendentes dos africanos escravizados
compõem um objeto de estudo importante para todas as crianças e os
jovens, negros ou não.
O tráfico negreiro e a escravidão determinaram o presente do nosso
país. A população vinda do continente africano criou aqui raízes,
família, cultura, história. Hoje, 53% dos brasileiros se declaram pretos
ou pardos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) de 2013. Esse grupo é grandemente desfavorecido. Dados tabulados
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovam: eles são
a maioria dos analfabetos, com a maior taxa de distorção idade-série, e
o trabalho infantil é mais comum entre eles do que entre brancos (veja gráficos abaixo).
Desigualdades entre brancos e negros no Brasil
Apesar de a legislação valer há mais de dez anos, ainda são poucos
os casos em que ela é bem incorporada ao cotidiano das escolas. Uma
pesquisa realizada por diversos órgãos (leia o artigo com os resultados aqui)
aponta os principais entraves para a efetivação dela: há escassa
formação sobre o assunto, poucos docentes conhecem a norma e muitos não a
consideram legítima. “O processo de implementação enfrenta resistências
e obstáculos pelos mesmos motivos que justificam a existência da lei:
no Brasil, há um racismo silencioso que desqualifica o debate sobre a
discriminação”, explica André Lázaro, pesquisador da Faculdade
Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
Mudar esse cenário requer trabalho em diversas frentes, das
políticas públicas ao cotidiano da sala de aula. As redes precisam
oferecer formações e debater o tema para que os administradores das
escolas incentivem a incorporação dele em diversos âmbitos e os
professores incluam conteúdos relacionados à história e à cultura
africana e afro-brasileira em suas aulas. “A prática nas instituições
também deve estar articulada aos projetos de formação”, afirma Rodrigo
Ednilson de Jesus, docente da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e um dos envolvidos na pesquisa sobre a implantação da lei. Para
repensar as próprias práticas e posições, os docentes devem observar
suas atitudes e expectativas em relação aos alunos com diferentes cores
de pele. Será que há tratamentos distintos para alunos negros e brancos?
Todos recebem atenção, carinho e elogios? O primeiro passo para superar
o racismo silencioso é justamente combater o discurso de que não há
racismo. Em entrevista a NOVA ESCOLA,
o historiador francês Pap Ndiaye afirma: “É necessário que as práticas
sejam coerentes com a fala. Os educadores, por exemplo, podem ter
comportamentos discriminatórios ao orientar os estudantes sobre as
possibilidades de carreira. Para as de ensino técnico, muitos encaminham
os alunos que não são brancos. Para os demais, por sua vez, é
recomendado um curso universitário. A escola não está imune à
discriminação".
Na sala de aula, não basta só problematizar atitudes racistas
vindas dos alunos ou da comunidade escolar mas também rever o conteúdo
ministrado. O objetivo deve ser desconstruir visões estereotipadas sobre
africanos e afro-brasileiros e mostrar a importância deles na
construção das sociedades contemporâneas. Para isso, é fundamental
tratar do protagonismo desses grupos em diversos momentos da história,
representando-os como seres humanos que criaram laços familiares,
produtos culturais e que têm trajetórias próprias na história.
Neste especial digital, apresentamos os principais eixos de
conteúdo que o professor pode abordar com as turmas de Ensino
Fundamental: Identidade Negra, História da África, A luta dos negros no Brasil, Cultura afro-brasileira, e Recursos Pedagógicos, uma seleção de materiais de referência para apoiar a sua formação e para trabalhar em sala. (Use o menu superior para navegação entre as seções).
A incorporação do tema ao projeto político-pedagógico, a
influência do contexto local em uma escola baiana e um projeto bem
elaborado por um professor são contados na reportagem de capa da revista
NOVA ESCOLA de novembro, que estará nas bancas a partir do dia 12 de
novembro.
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