O
galego é doido. Foi Pelé quem disse. Eu já digo que não tem
ninguém melhor do que Marinho Chagas para ser eternizado como o
patrono do futebol potiguar. Se vivo fosse, o bruxo ia fechar o cenho
discordando dessa formalidade, dessa caretice de patrono de coisa
alguma. Mas se trata de uma questão de merecimento. Se Natal foi
capaz de gerar uma magnífica árvore de sementes aladas chamada
Francisco das Chagas Marinho é mais do que justo reconhecer o valor
do filho ilustre. No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, na China
e até na Conchichina, o galego espalhou as sementes da paixão pelo
feitiço do futebol-arte.
O mais admirável na história do menino
Chiquinho é a sua glória e a sua tragédia. Foi imperdoável ele
ter subido tão cedo para o céu, aos sessenta e dois anos. Ele
cometeu outras coisas imperdoáveis. Uma delas, Pelé não esquece: o
galego deu um belo de um chapéu na sua Majestade. Marinho era assim.
O Deus lá das alturas lhe muniu de vasta cabeleira loira justamente
para ficar esquisito se ele usasse fraque e cartola. Chiquinho foi um
arqueiro abençoado, um genial atirador de facas, um caçador de
incrível pontaria, um passageiro clandestino que se desmarca com
facilidade, um furacão de ânimo para tocar a bola como Nelson
Freire toca as teclas do piano, um corredor astuto da avenida Marinho
Chagas, o pai de treze filhos, um viking libertário, o natalense
precoce glorificado como o melhor lateral esquerdo do mundo na Copa
de 1974 aos vinte e dois anos de idade. Admiro Marinho porque ele
ficou longe da lama. Chiquinho não queria saber de máscara. Jogava
limpo, viril, maldoso jamais. Tentando ver o futebol de hoje pela
ótica do nosso patrono, a gente corre o risco de desligar rádio,
tevê e assinatura de jornal.
O galego não tinha estômago para
firulas como a fitinha 100% Jesus. Cacilda! 100% Sonegação com o
vexame de ser acusado de “ladrón” em terras de Espanha. Nosso
lateral esquerdo não gostava de histórias atravessadas e de
desculpas esfarrapadas tipo “eu não sabia de nada”. O jogo dele
era outro. Gostava de pular para cabecear a música, por exemplo.
Marinho adorava cantar, gravou dois sucessos: “Eu sou assim” e
“Vingança”. Foi um gol de placa: vendeu cem mil cópias e todo o
dinheiro que arrecadou doou para as crianças carentes do Rio de
Janeiro. O Rio o adorava, falta agora Natal entrar no jogo. Um
pouquinho mais de paciência e aposto que loguinho Natal vai dar o
exemplo. Vai escantear a hipocrisia e assumir que o seu maior craque
teve problemas com a bebida, aliás, a mesma bebida que investe
milhões de dólares patrocinando o futebol. Você já imaginou que
grande trabalho não poderia fazer uma Fundação de nome Marinho
Chagas em termos de tratamento e recuperação de jovens que
abraçaram o crak
do
Mal? Declaro que vou sair por aí espalhando faixas com os dizeres
“Marinho Chagas, patrono do futebol potiguar”. Vou deixar uma na
Praça da Árvore do Mirassol onde mora a sua escultura de sete
metros, obra do artista plástico Guaraci Gabriel, toda em ferro.
Também vou fixar uma placa no endereço Rua Benjamin Constant, casa
número 920, no Alecrim, onde o camisa 6 nasceu no dia oito de
fevereiro de cinquenta e dois. É o caso de passar por lá, pois se
sobrou algum vestígio dos campos da Saladeira e do Sete Bocas,
ficaria bonito entronar o bordão “Marinho Chagas, patrono do
futebol potiguar” nos cenários onde criou jogadas de entortar o
Messi e o Maradona juntos. E tem mais: ninguém foi mais natalense do
que o bruxo loiro. Aqui foi onde tudo começou, depois ele se
consagrou lá fora com direito a uma passada pelo jet
internacional
donde beliscou umas beijocas na Princesa do Reinado de Mônaco, uma
tal de Grace Kelly, depois rodou, rodou e um dia voltou para Natal,
saudoso de uma prainha boa. O viking, no capítulo revelações
amorosas sempre foi muito discreto, porém, certa vez, deixou escapar
que teve muito carinho pelas chacretes Fátima Boa Viagem e Regina
Polivalente.
A cidade foi legal com o Chiquinho? Ou lhe virou as
costas? Juro, o futuro do nosso futebol, o futuro dos milhares de
jovens que amam esse esporte é bem mais importante do que chulas
picuinhas. Nosso maior craque, a sua maneira, foi um protagonista da
paz. Irreverências à parte, pilequinhos à parte, foi capaz de
vestir as duas camisas da histórica e clássica rivalidade potiguar:
ele foi da frasqueira no começo da carreira e lavadeira no finzinho
dela. Marinho é assim. Vale pelo que fez. Fala pelos seus atos.
Palavras, bocas e caretas são mera ventania. Seu futebol-arte ficará
para sempre. O galego mora no coração do povo nordestino. São
bobos aqueles que pensam que Marinho Chagas é uma sombra sem voz.
Artigo escrito por Marcius Cortez
adorei a crônica!
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