quarta-feira, 28 de agosto de 2019

LUTA POR UMA AGRICULTURA MAIS SAUDÁVEL >> Congresso recebe 160 mil assinaturas contra liberação de agrotóxicos

Uma mobilização nacional que diz “não” ao uso excessivo de agrotóxicos na agricultura brasileira chegou ao Congresso Nacional na última terça-feira (6). A antropóloga e educadora ambiental Leticia Antonioli entregou três abaixo-assinados, com mais de 160 mil apoiadores, ao coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), e ao líder da oposição na Câmara e ex-coordenador da Frente, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). 
A entrega das petições abertas na plataforma Change.org chamou atenção para o ritmo acelerado de aprovação de pesticidas no país e a quantidade recorde de substâncias registradas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) desde janeiro: 262. As milhares de assinaturas reunidas simbolizam a mobilização popular em torno do assunto e, segundo Leticia, têm o objetivo de frear a escalada crescente de agrotóxicos na agricultura brasileira. 
“O objetivo do ato, de um ponto de vista pessoal, é assumir a responsabilidade de ter cativado pessoas à adesão de não aceitar qualquer coisa que nos imponham”, explica a educadora ambiental que tem 30 anos de atuação na área. “Do ponto de vista da sociedade passa pela estratégia imposta política e socialmente de apelar para os que estão no caminho da Lei”. Os abaixo-assinados visam pressionar os parlamentares a rejeitarem o Projeto de Lei 6.299/2002.
O PL ficou conhecido como “Pacote do Veneno” por querer flexibilizar a Lei Federal de Agrotóxicos (7.802/89), que trata do registro, fiscalização e controle dos pesticidas. Depois de aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados, no ano passado, o projeto permanece pronto para pauta no plenário da Casa. Os parlamentares Tatto e Molon estiveram entre os nove que na ocasião votaram contra o PL, aprovado por outros 18 deputados federais. 
“Sem dúvida nenhuma esse abaixo-assinado da Change.org tem um poder muito grande de influenciar a postura e o posicionamento dos deputados dentro da Câmara Federal que vão apreciar os projetos de lei que tratam sobre os agrotóxicos”, declara Nilto Tatto. O deputado explicou que em oposição ao “Pacote do Veneno”, existe outro PL que visa instituir uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), o 6.670/2016. “É para a gente começar a construir um modelo de agricultura que não precise mais usar veneno na hora da produção de alimento”. 
Assim como o parlamentar petista, o deputado federal Alessandro Molon destacou a relevância da mobilização construída pelos cidadãos a partir dos três abaixo-assinados. “Considero muito importante a participação da sociedade brasileira demonstrando seu repúdio à liberação generalizada de agrotóxicos pelo governo Bolsonaro através de milhares de assinaturas. Nosso povo está dizendo que não quer que coloquem veneno em nosso prato. Basta!”, protesta Molon.
Para Leticia, que tenta produzir parte de seus alimentos em casa, a partir de hortas orgânicas e um pomar, o apoio recebido dos parlamentares é “muito importante” à causa que defende a prática da boa alimentação e a agricultura orgânica. A educadora ambiental trabalhou por mais de três décadas realizando palestras, exposições, fóruns e cursos em parques nacionais, escolas, comunidades rurais e associações de moradores no Estado do Piauí e na capital federal, Brasília. 

A polêmica dos agrotóxicos

A discussão sobre o uso de pesticidas ganhou mais um episódio há alguns dias com a reclassificação toxicológica de 1.924 substâncias pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que avalia a segurança desses produtos para a saúde humana. De acordo com o novo marco regulatório, apenas agrotóxicos com risco potencial de causar morte quando ingeridos ou em contato com pele e olhos serão rotulados como “extremamente” tóxicos. 
A nova classificação reduziu a quantidade de substâncias até então consideradas “extremamente tóxicas” de 702 para 43. “Gostaria muito de perguntar à senhora ministra [da Agricultura, Tereza Cristina] se ela confia num alimento que foi tratado com elementos químicos tóxicos que exigem do produtor vestimenta antienvenenamento para serem aplicados? Será que alimenta sua família com esse produto? Eu não confio”, questiona Leticia, autora de um dos abaixo-assinados. 
“SÃO 160 MIL CONSCIENTES DOS EFEITOS NOCIVOS DOS AGROTÓXICOS”, DIZ LETICIA SOBRE A QUANTIDADE DE PESSOAS QUE ASSINARAM AS PETIÇÕES. (FOTO: PIXABAY)
No mesmo dia em que as petições foram entregues à Frente Parlamentar Ambientalista, que é composta por cerca de 200 deputados e senadores e membros de organizações da sociedade civil, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento se reuniu com jornalistas em um café da manhã para falar sobre a polêmica dos agrotóxicos. Na ocasião, informou que o Brasil é o único país do mundo que, pela legislação, não pode registrar nenhum produto mais tóxico ou igual ao que já existe no mercado e garantiu que os alimentos produzidos no país são seguros.
“Quando registramos produtos novos, estamos trazendo para o mercado fórmulas obrigatoriamente menos tóxicas, mais modernas e ambientalmente mais seguras”, disse a ministra na ocasião, conforme nota publicada no portal do Ministério. O informe ainda detalha que   dos 262 produtos registrados este ano, apenas sete possuem novos ingredientes ativos. “Os demais são classificados como equivalentes, ou genéricos. Nos últimos três anos, foram quebradas 27 patentes de produtos registrados. A legislação atual exige que seja feita a abertura de mercado quando a patente expira”, completa trecho da nota publicada no site. 
Para o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, entretanto, a questão do uso de agrotóxicos na produção dos alimentos precisa ser melhor discutida. Segundo Nilto Tatto, as milhares de assinaturas recolhidas nas petições contrárias à liberação de pesticidas mostram claramente a importância desse debate. De acordo com o deputado, os abaixo-assinados são fundamentais para ajudar a mobilizar pessoas “a tomarem consciência de que precisam fazer alguma coisa para a gente mudar o modelo de agricultura que se tem no Brasil”. 
“Começar a produzir uma alimento que traga a vida e não a morte, que hoje o alimento representa. Muito veneno no alimento mata a biodiversidade, contamina a água e adoece as pessoas”, declara Tatto desejando que mais cidadãos entrem na luta contra os agrotóxicos. Após receber as petições, Molon postou uma declaração semelhante em sua rede social: “Permanecemos firmes na luta, por nossa saúde e pelo meio ambiente. Pela nossa existência!”
No café da manhã, ao lado da ministra Tereza Cristina estavam o diretor da Anvisa, Renato Porto, e a diretora do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Carolina Mariani. Na ocasião, de acordo com nota divulgada no portal do Ministério, Porto explicou que a reclassificação dos pesticidas feita pela agência tem o objetivo de alinhar os padrões do Brasil aos internacionais e comunicar melhor aos agricultores quais são os riscos dos produtos.  
A equipe da Change.org Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que enviou um documento com mais de 15 pontos de esclarecimentos à população. O material conta com os trechos explicados pela ministra durante o café da manhã e pode ser verificado na íntegra no site do Mapa. Sobre a mobilização popular, a assessoria de imprensa disse que o Ministério reconhece o direito de manifestação de todos os brasileiros e leva suas preocupações em consideração. 
A nota da assessoria contestou, ainda, a expressão “liberação” de agrotóxicos, dizendo que o governo não libera os pesticidas no mercado, mas concede registros para produtos industriais e formulados, que podem ou não chegar às prateleiras. Alguns dos tópicos do documento enviado ponderam que o manejo integrado de agroquímicos, biodefensivos e outras práticas permitiram vencer pragas na agricultura brasileira e que, apesar do aumento no número de registros dos produtos, a venda de ingredientes ativos registrou redução, passando de 541.861,09 toneladas em 2016 para 539.944,95 toneladas no ano seguinte, de acordo com boletim feito pelo Ibama. 
A mobilização que diz “não” aos agrotóxicos
Além da educadora ambiental Leticia, a produtora rural de alimentos orgânicos, Anelise Schuler, também participou do ato de entrega das milhares de assinaturas recolhidas nas petições. Um dos abaixo-assinados foi criado por Leticia e os outros dois que integram o total de 160 mil assinaturas são de autoria do doutor em Ciência de Alimentos e inspetor sanitário Augusto Kluczkovski Junior e da chef de cozinha e ex-participante do reality de culinária MasterChef Brasil, Raquel Novais.  
As três campanhas, que representam o peso da mobilização contra os agrotóxicos, enfatizam os danos que o excesso de pesticidas pode causar à saúde e ao meio ambiente, como a intoxicação de trabalhadores rurais, a contaminação dos alimentos e o extermínio das abelhas, que não resistem à pulverização de certos tipos de substâncias, como aquelas à base de Fipronil. A Change.org hospeda outra campanha especificamente contrária a este tipo de agrotóxico.

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