segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CRÔNICA NATALINA >> Jesus e o pé de goiaba.



Por Carlos Eduardo Galvao Braga – Professor de francês-UFRN
Ainda não foi provado,por “a” mais “b”, que Jesus Cristo, sem residência fixa em nenhum lugar, tenha vindo ao nosso país movido pela intenção de subir num pé de goiaba. Dos mais de duzentos milhões de habitantes que somos nós, brasileiras e brasileiros de variada fortuna e demasiados infortúnios, somente uma senhora teve o privilégio de presenciar cena tão divinamente insólita.
A referida senhora é advogada, pastora evangélica e futura ministra de Estado, com amplos poderes para influir no destino dos direitos humanos, das mulheres e da família, o que a transforma numa superministra.
Ao que me parece – posso estar enganado –, não consta que Jesus tenha adquirido, em suas inúmeras andanças, o hábito de subir nas árvores do caminho, à sombra das quais deve ter-se deitado mais de uma vez, em busca de merecido repouso para o corpo e o espírito.
Mas pergunto a mim mesmo, sem esperança de resposta: o que teria levado Jesus, de barba e trajes compridos, conforme o relato da ministra, já homem feito, portanto – e bem feito, pois estava “lindo” –, a escalar, como se fosse criança, aquele espécime de árvore tropical tão bem aclimatada nos quintais nordestinos?Não ponho em dúvida a boa-fé nem a sanidade mental da advogada-pastora, e agora futura ministra, que viu com seus próprios olhos Jesus decidido a subir numa goiabeira. Neste planeta, tudo é crível até que a fraude seja provada, e, uma vez que as provas materiais, e a ausência delas, perderam, no Brasil,o valor que um dia tiveram, vale o que viralizar nas redes sociais, ao sabor de sucessivos “disparos”.
Presumo com meus botões que Jesus estivesse faminto, e que outros famintos, tendo chegado antes dele ao pé da fruteira, colheram as goiabas mais próximas da mão estendida, mais à vista dos olhos secos. Por isso ele precisou catar a fruta mais alta, oculta na folhagem superior, arriscando-se a cair e se machucar. No calor daquele provável meio-dia, a polpa da goiaba, aromática e macia, era um bálsamo providencial, senão uma bênção, para o estômago aflito.
A fome, continuo a crer, teria determinado Jesus, que viveu e morreu pobre, a subir numa goiabeira diante de uma senhora muito bem de vida, talvez pouco sensível à fome alheia, e, como futura ministra, acima (ainda) de qualquer suspeita. Não por infantilidade ou exibicionismo. Por necessidade mesmo.
Contudo, isso é apenas uma hipótese, e, não sendo possível verificá-la – faz tempo que Jesus deixou nosso país, e não se sabe quando pretende voltar –, talvez deva ser descartada como inverossímil.
Se Jesus não foi impelido pela fome a subir num pé de goiaba, se ele o fez de modo livre e espontâneo, pelo puro prazer de subir, jamais saberemos. Observo apenas que ele não escolheu, para objeto de sua escalada, nenhum colosso vegetal: nem cedro, nem peroba-rosa, nem jequitibá. Dando, assim, como se ainda fosse necessário, mais uma prova da sua humildade.
Quanto a mim, prefiro pensar que Jesus, menino e sábio com feições e trapos de adulto, subiu naquela árvore para se distrair um pouco, para ver do alto, mas de uma altura acessível às meninas e aos outros meninos, as sujeiras todas que andam fazendo em seu nome, ao rés-do-chão,os adultos, homens e mulheres, pelos quais ele deu a própria vida.

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