domingo, 3 de junho de 2012

Arquitetura em Natal: Nossos traços modernistas

 Fonte: Jornal Tribuna do Norte
O universo equilibra-se entre o positivo e o negativo, a luz e a escuridão, o masculino e o feminino; e a questão urbanística em Natal não foge à regra: para toda causa há um efeito correspondente, é fato! A partir dessa premissa, pode-se considerar que a influência sedutora do 'novo' e a obsessão quase doentia pelo 'contemporâneo' faz da capital potiguar uma cidade desmemoriada e cada vez mais superficial, onde a sociedade desconhece suas origens e relega ao esquecimento um patrimônio que resiste em muitas esquinas.

Rodrigo SenaUm passeio pelos vestígios da arquitetura moderna em Natal marca o encerramento do DoCoMoMo N-NE, evento internacional voltado para a documentação e conservação do Movimento Modernista. 
Um passeio pelos vestígios da arquitetura moderna em Natal marca o encerramento do DoCoMoMo N-NE, evento internacional voltado para a documentação e conservação do Movimento Modernista.

Apesar de acumular mais de 400 anos, a Cidade do Sol se esforça para parecer que tem apenas 50, e é justamente para debater as consequências da sistematização dessa 'amnésia urbana coletiva' que arquitetos do Norte/Nordeste estão reunidos em Natal, desde o dia 29 de maio, participando da quarta edição regional do evento DoCoMoMo, abreviação para Documentação e Conservação do Movimento Modernista na Arquitetura, cujo mote norteador do encontro é a "Arquitetura em cidades 'sempre novas': modernismo, projeto e patrimônio".
Rodrigo SenaHotel Reis Magos, na Praia do Meio, possui projeto modernistaHotel Reis Magos, na Praia do Meio, possui projeto modernista
Há versões nacional e internacional para o DoCoMoMo, que surgiu na Holanda em 1990. As edições regionais anteriores aconteceram em Recife (2006), em Salvador (2008) e em João Pessoa (2010). O encontro contempla enfoques em três eixos temáticos: a arquitetura moderna como projeto; experiências de conservação e transformação; e narrativas historiográficas. Também agrega outras abordagens como a presença modernista em cidades brasileiras; a documentação, conservação, projeto e  restauro; a tecnologia e desempenho de edifícios e espaços abertos; pontos de vistas convergentes e divergentes acerca de identidade, crítica e valorização cultural.

"A arquitetura Moderna surgiu em meados da década de 1920, desembarcou em Natal tardiamente nos anos 1950, e essa busca desenfreada pelo novo  acaba desvalorizando o que ainda resta de patrimônio", explicou Rubenilson Teixeira, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN e coordenador geral do encontro. "A questão não é de saudosismo nem estamos defendendo o engessamento urbanístico, nossa intenção é discutir formas mais conscientes e menos destrutivas das cidades continuarem crescendo", informou.
       Rodrigo SenaPrédio do antigo Inamps na Av. DeodoroPrédio do antigo Inamps na Av. Deodoro
GIRO PELA CIDADE

Neste sábado, o grupo formado por cerca de 150 pesquisadores, palestrantes, professores e profissionais - entre eles o arquiteto Glauco Campello, um dos maiores colaboradores de Niemeyer - que participam do 4º DoCoMoMo N/NE dará um giro pela cidade no intuito de visitar vestígios do Modernismo na arquitetura natalense. Rubenilson citou alguns exemplos de construções modernistas que se destacam na paisagem, como o Hotel Reis Magos, a Catedral Nova, a Faculdade de Odontologia, o prédio do antigo INAMPS (atual sede da Secretaria Estadual de Saúde) na avenida Deodoro, a sede social do América Futebol Clube, a AABB, a Assen e o finado estádio Machadão.

Um bom exemplo de como é possível aliar conservação com atualização foi vista na recente reforma de uma residência em frente à Praça das Flores, em Petrópolis, que se transformou em um antiquário.

A partir do que foi debatido e constatado, vislumbra-se a possibilidade de que seja redigido um documento com sugestões, orientações e reflexões resultantes do 4º DoCoMoMo. "Esses debates precisam extrapolar as fronteiras acadêmicas, sair do círculo dos especialistas, e envolver a sociedade", acredita Rubenilson Teixeira.

Uma reflexão sobre as cidades sem apego à história paisagística
Rodrigo SenaCasa de traços modernistas recém reformada em Petrópolis (Praça das Flores) manteve característicasCasa de traços modernistas recém reformada em Petrópolis (Praça das Flores) manteve características
Um dos eixos temáticos do Docomomo NE surgiu a partir de histórias como a do estádio Machadão, projeto do arquiteto Moacyr Gomes, "motivo de orgulho potiguar nos anos 1970 pelo arrojo estrutural e plástico que lhe valeu o título 'poema de concreto', tornou-se um estorvo a demolir para a construção de uma nova arena para a Copa de 2014".

De acordo com documento do evento, "partir dessa constatação questiona-se o valor - funcional e simbólico - e o alcance desse valor - os habitantes da cidade, do estado - para que se possa contemplar a possibilidade de pleitear a inclusão de edifícios modernos como objetos de políticas de preservação patrimonial".

O dilema tem sido tema constante nos últimos encontros DoCoMoMo no Brasil, e tem servido para motivar esforços diversos de documentação, visando iluminar histórias ameaçadas pelo esquecimento.
Rodrigo SenaO clube Assen, na Av. Prudente de Morais, também está no roteiro de obras modernas em NatalO clube Assen, na Av. Prudente de Morais, também está no roteiro de obras modernas em Natal
A sede social do América Futebol Clube é exemplo de arquitetura modernista sede social do América Futebol Clube é exemplo de   arquitetura modernista
 
A partir desse histórico, a transformação de Natal nas últimas décadas evidencia o dilema da preservação do patrimônio construído, especialmente do modernista. Câmara Cascudo, em texto de 1949, já afirmava: "Natal é uma cidade sempre nova, sem casario triste e sujo, sem os sobradões lúgubres que ainda o Recife é obrigado a manter". Antes ainda, Mário de Andrade, em suas viagens de "turista aprendiz", sentenciara: "Natal é feito São Paulo: cidade mocinha, podendo progredir à vontade sem ter coisa que dói destruir". Um contraste, se colocarmos frente à visão do  antropólogo, filósofo e pensador francês Claude Lévi-Strauss em "Tristes Trópicos": "… as cidades do Novo Mundo vivem febrilmente uma doença crônica: eternamente jovens, jamais são saudáveis, porém".

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