Por Luiz Nassif
A cruzada de Almeidinha contra a 'Bolsa Esmola'
Na
Suíça, o Bolsa Família recebe o "Nobel" da seguridade social. Aqui, há
campanha para suspender o direito político de seus beneficiários.
O programa Bolsa Família recebeu, na terça-feira 15, o 1º prêmio Award for Outstanding Achievement in Social Security,
espécie de Nobel concedido a cada três anos pela Associação
Internacional de Seguridade Social (ISSA), entidade com sede na Suíça. É
o mais importante reconhecimento de um programa responsável por ajudar a
quebrar no País um ciclo histórico de fome e miséria. É o
reconhecimento, também, de que a aposta em promover a autonomia dos
beneficiados por meio de um cartão magnético passou longe de um mantra
brasileiro quase pré-histórico: o de que dinheiro na mão de pobre é, na
melhor das hipóteses, desperdício; na pior, um mero instrumento de troca
de apoio e voto.
A notícia, em meio à tensão pré-eleitoral,
deixou a turma do Almeidinha em polvorosa. Nas mesas de bar, do trabalho
ou em memes de Facebook, a reação ao prêmio foi quase previsível. Houve
uma avalanche de revolta e cusparadas contra o que chamam de Bolsa
Esmola. Uma das montagens é uma peça-rara: uma enxada e outros
utensílios de mão-de-obra rural com os dizeres “no meu tempo, Bolsa
Família era quando os pais de família trabalhavam” (algo assim). Uma
outra mostrava a confusão em uma agência da Caixa após os boatos sobre o
fim do benefício: “Brigar por esmola é mais fácil do que brigar por
saúde, emprego e educação”. Outra, um “apelo ao fim do voto de
cabresto”, questionava a legitimidade dos beneficiários em participar
das eleições. O raciocínio é de uma sofisticação invejável. A vítima do
cabresto, afinal, é sempre o pobre. E pobre, de barriga cheia, é incapaz
de pensar por si: automaticamente, devolve a esmola com a gratidão em forma de voto vendido. (Ocabresto,
para quem não sabe, é a correia fixada na cabeça de animais, como as
mulas, para amarrá-los ou dirigi-los; o uso da expressão, a essa altura
do campeonato, diz mais sobre a consciência e os pressupostos do autor
do que sobre o sistema político que ele finge combater).
Críticas
ao programa, como se sabe, existem. Muitas delas são justificadas, entre
as quais a dificuldade de fiscalização e o seu uso, em discursos de
campanha, como arma de terrorismo eleitoral (“se fulano ganhar, acabou a
mamata”).
Até aí, normal. O que espanta, nas manifestações de
ódio, é a precariedade dos argumentos. A turma do Almeidinha, ao latir
contra uma política de transferência de renda (que, vale dizer, não é
uma invenção brasileira), não demonstra apenas a sua ignorância sobre as
contrapartidas do programa. Demonstra o completo desprezo em relação a
quem, até ontem, topava limpar, lavar, passar e cozinhar na casa grande
por algum trocado e a condução. É como se passasse um recibo: é
preferível deixar a população desassistida, sem vacina, sem alimento e
sem escola, do que depender de política pública para dar o primeiro
passo.
A bronca da patrulha é compreensível: a autonomia do
explorado é o desarme do explorador. E ao explorador não resta outra
alternativa se não espalhar seus próprios preconceitos aos ventos.
Segundo esta visão turva sobre o mundo, a capacidade de raciocínio do
pobre se limite a comer e beber. Não difere da de um animal. Um animal
que se contenta em receber um complemento de renda para se acomodar – e
não, como ele, batalhar por uma vida melhor que extrapole o teto do
benefício.
O modelo do self made man só serve para ele, e
é uma questão quase moral não depender de ninguém. No mundo em que a
educação, até ontem, era objeto de luxo das mesmas famílias, os
Almeidinhas mais bem alimentados preferem ignorar os fatos e propagar a
sua própria visão de mundo: um mundo segundo o qual a limitação do pobre
não é material, mas humana; sua complexidade existencial se limitaria
assim a acordar, sacar o benefício, comer (sem talheres), dormir e
procriar. Decerto a trupe de Almeidinha só conhece o mundo fora de sua
bolha por ouvir dizer. Para ele e seu classe-média-sofrismo, refinamento
é passar os dias (e a vida) repetindo chavões sem base empírica. É
espalhar no Facebook mensagens sobre o que desconhece ao lado de frases
jamais escritas pelos autores que nunca leu. O resto, para ele, é pura
ignorância. A ignorância que atrasa o progresso da nação.
PS: Em
dez anos, o Bolsa Família beneficiou mais de 50 milhões de brasileiros e
tirou 22 milhões de pessoas da miséria, de acordo com o Ministério do
Desenvolvimento Social. Para entrar no programa, o beneficiário deve
cumprir uma série de contrapartidas, entre elas o acompanhamento da
frequência escolar, da agenda de vacinação e nutrição dos filhos e o
pré-natal de gestantes. Com o benefício, o comércio em localidades
historicamente legadas à miséria se movimentou e a evasão escolar
arrefeceu. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
para cada real investido pelo programa, há um retorno para a economia de
1,78 real. Não é por menos que, em época de eleição, candidatos de
diferentes partidos saem no tapa para proclamar a paternidade do
programa. Uns se declaram idealizadores da experiência pioneira. Outros,
da sua ampliação. Ganha quem apostar que em 2014 não haverá um só
candidato capaz de sugerir o fim do benefício).
Fonte: Luis Nassif Online
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